quarta-feira, fevereiro 23

Os novos milionários da Internet

Fonte : Veja São Paulo

Data : outubro de 2009

Os novos milionários da Internet

Quem são os sócios do site de comparação de preços BuscaPé, vendido por 600 milhões de reais.

Quando as portas do elevador se abrem, no 12º andar de um prédio de escritórios na Vila Olímpia, lê-se na parede em letras garrafais: “Movido por pessoas que vieram para vencer”. Um clichê e tanto, não fosse ali a sede do BuscaPé, site criado por três estudantes de engenharia cuja venda milionária foi anunciada no último dia 30. O conglomerado de mídia sul-africano Naspers, sócio do Grupo Abril, comprou 91% da empresa por 342 milhões de dólares, o equivalente a 600 milhões de reais. “Sempre soubemos aonde queríamos chegar”, diz o paulistano Romero Rodrigues, s´0cko-fundador e presidente do BuscaPé. “Só não tínhamos certeza de qual seria o caminho a percorrer”. O ponto de partida foi em 1998, quando Rodrigues cursava engenharia elétrica na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Na sala de aula, conheceu os também paulistanos Rodrigo Borges e Ronaldo Takahashi – não é coincidência o fato de todos eles terem nome começado com a sílaba “Ro”, pois a divisão das turmas era feita por ordem alfabética.

Aos 20 e poucos anos, decidiram que era hora de montar seu próprio negócio. Buscaram sem sucesso importar uma tecnologia de automação para segurança residencial e inventaram um software que permitia às pequenas e médias empresas registrar valores de milésimos de reais. “Mas a demanda era muito pequena”, lembra Rodrigues. Mais uma idéia mirabolante dos garotos: criar uma loteria on-line. Desistiram antes de arranjar confusão com a Caixa Econômica Federa. “Um dia cheguei à faculdade comentando quanto era difícil comprar uma impressora pela internet”, afirma Borges. Veio o estalo. Durante nove meses, os aprendizes de Bill Gates desenvolveram um software que vasculhava os preços e a qualidade de viversas mercadorias oferecidas em lojas virtuais.

Cada um desembolsou 100 reais para pagar as primeiras despesas. Em 1999, entrava no ar o site de comparação de preços BuscaPé, com 35 lojas cadastradas e 30.000 produtos disponíveis. Hoje, ele reúne 600.000 empresas e 11,7 milhões de ofertas, de pente para cabelo ( a partir de 40 centavos) a geladeira ( a partir de 615 reais). Os fundadores dicutiam madrugada adentro os rumos do site e tinham apenas um celular para contato. Não é exagero dizer que a sorte deles virou do dia para a noite. Em 2000, Rodrigues e Borges viajaram às pressas a Nova York, onde participariam de uma reunião. Saíram de lá com um investimento de 3 milhões de dólares do fundo americano Merrill Lynch, do qual permaneceram sócios até 2005. foi aí que outro acionista, o Great Hill Partners, entrou com um novo aporte de capital. “Passamos para uma fase mais agressiva”, conta Rodrigues. De lá para cá, fizeram uma fusão com seu maior concorrente, o site Bondfaro, fundado pelo carioca Rodrigo Guarino, adquiriram e criaram novas marcas – entre elas o Pagamento Digital, plataforma para intermediar comprar on-line que permite o parcelamento por meio de parceria com uma financeira.

O crescimento expressivo chamou a tenção do grupo Naspers, que comprou as ações de sete dos então onze sócios. Rodrigues, Borges, Takahashi e Guarino ficaram na empresa com os 9% restantes, avaliados em cerca de 60 milhões de reais. “Para nós quatro, nada mudou”, afirma Takahashi. Ou quase nada. Assnsão milionária fez do BuscaPé um fenômeno na internet brasileira e, de seus fundadores, estrelas do mercado. Os três criadores paulistanos moram em bairros nobres da cidade e estão conectados a seus smartphones 24 horas por dia. Romero Rodrigues, de 32 anos, ainda não voltou à rotina desde que as negociações começaram, há dois meses. Com a barba por fazer, em nada lembra o estereótipo nerd. O jeitão marqueteiro e despojado lhe rendeu o cargo de porta-voz do BuscaPé. Ele fala com alegria da boa fase, diz que está solteiro... Mas sabe a hora de ficar quieto. O faturamento anual da empresa, por exemplo, não é revelado. Mais tímido Rodrigo Borges, 33 anos, é o vice-presidente de produtos. Vestindo calça jeans da grife italiana Diesel e camisa social, mostra preocupação com a superexposição. Ele se solta ao descrever as partidas de Nintendo Wii e de air hockey disputadas em uma sala da própria sede, na Vila Olímpia: “Sempre rola um desafio no fim do expediente”. O clima entre eles é de amizade. “Temos perfis completamente diferentes, mas sempre soubemos respeitar as virtudes e deficiências um do outro”, afirma Ronaldo Takahashi, de 34 anos. Dos tempos de Poli, o atual diretor de novos canais da empresa ainda carrega o apelido de “japonês”. No ultimo dia 3, os novos milionários da internet levaram suas famílias ao restaurante Carlota, em Higienópolis, para celebrar. Tem 600 milhões de motivos par isso.

Evolução nada virtual

Alguns dos números do site criado pelos estudantes de engenharia:

600.000 lojas cadastradas *

62 milhões de usuários por mês *

11,7 milhões de ofertas disponíveis *

13 milhões de preços levantados por software diariamente

2 centavos a 1,50 real é quanto as lojas pagam pelo clique em cada um de seus produtos oferecidos, independentemente de a venda ser ou não concretizada

300 reais foram desembolsados pelos sócios para a criação do site, em 1998

* = previsão para 2009.

terça-feira, fevereiro 22

Podemos fazer melhor

Fonte: Revista Veja

Data : Novembro de 2009

Entrevistado : Bjorn Lomborg

Entrevistador : Ronaldo França

Podemos fazer melhor

O principal representante dos céticos diz que o combate ao aquecimento global tem de se basear em tecnologia, e não em mudanças de consumo

O cientista político dinamarquês Bjorn Lomborg, de 44 anos, não tem carro. Usa bicicleta ou metrô para se deslocar em Copenhague. Lomborg é um dos mais respeitados entre os pesquisadores céticos em relação aos efeitos catastróficos do aquecimento global. Seus livros e artigos provocam a ira de ambientalistas, mas seus argumentos afiados também são ouvidos com atenção pelos cientistas. Sua descrença se dá em torno da histeria criada acerca do assunto e do que se pretende fazer para solucionar o problema da elevação da temperatura. “Não sou um crítico da ciência que prova o aquecimento. Sou um crítico da política de combate ao aquecimento.” Ele concedeu a seguinte entrevista a VEJA na sede da COP15, em Copenhague.

Qual foi o estrago do “climagate”, o escândalo do vazamento de e-mails em que cientistas confessam a manipulação de dados para reforçar a tese do aquecimento global?

O que está claro é que havia uma inclinação evidente para não compartilhar dados com pesquisadores cujos trabalhos não reforçariam a teoria do aquecimento global. Possivelmente, os dados foram mascarados, o que não significa exatamente uma falsificação.

Sim, mas mascarar dados não é suficiente para invalidar toda a pesquisa?

Não. É um erro achar que este escândalo invalida todo o trabalho que os cientistas do clima produziram nas duas últimas décadas. O aquecimento global está aí. É um desafio.

Então, o senhor aconselha a esquecer o episódio e continuar levando seus autores a sério?

Não é isso. O escândalo não pode ser considerado apenas uma tempestade em copo d’agua. O que eles fizeram é muito sério e perturbador. Tem implicações muito maiores Esses cientistas formam uma máfia que se apossou da questão do clima. Tive muitos problemas com essa máfia do clima. Quando estava escrevendo meu livro, tentei me corresponder com alguns daqueles pesquisadores que detinham dados pelos quais eu tinha interesse. Recebi de volta algumas mensagens em cujo campo de destinatário eu fui incluído por engano. Foram mensagens reveladoras. Eles diziam: “Esse homem é perigoso. Não forneçam nenhum dado a ele. Devemos ter cuidado em não deixar que nossas informações apareçam em pesquisas públicas”.

Por que o senhor é cético em relação às previsões sobre o aquecimento global?

Discordo da forma como as discussões sobre esse tema são colocadas. Existe a tendência de considerar sempre o pior cenário – o que aconteceria nos próximos 100 anos se o nível dos mares se elevar e ninguém fizer nada. Isso é irreal, porque é obvio que as pessoas vão mudar, vão construir defesas contra a elevação dos mares. No entanto, isso é só uma parte do que tenho dito. Sou cético em relação a algumas previsões, sim. Mas sou cético principalmente em relação à políticas de combate ao aquecimento global. O problema principal não é a ciência. Precisamos dos cientistas. A questão é que tipo de política seguir. E isso é um aspecto econômico, porque implica uma decisão de gastar bilhões de dólares de fundos sociais. Em outras palavras, não sou um cético da ciência do clima, mas um cético da política porque não estamos pensando onde gastar o dinheiro para produzir os maiores benefícios.

O relatório do IPCC ( Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) diz que a humanidade é “provavelmente” responsável pelo aquecimento. O que significa esse “provavelmente”?

Os cientistas estão dizendo que tem 90% de certeza. Que há fortes evidências de que somos responsáveis em pelo menos 50%, pela elevação da temperatura. É a partir daí que temos de elaborar as políticas. Se a maior parte dos cientistas diz que algo provavelmente vai acontecer, temos de agir de acordo com essa informação. O que não significa que não se deva garantir financiamento às pessoas que trabalham para descobrir erros nessa proposição. Deveríamos gastar dinheiro com as pesquisas dos céticos justamente para aperfeiçoar a informação que tem dominado os debates.

Com que cenários é razoável trabalhar quando se fala da elevação do nível dos oceanos?

Quando perguntamos aos cientistas do IPCC qual seria o resultado mais provável do aquecimento sobre o mar, eles disseram que o nível das águas subiria entre 18 e 59 centímetros. Este é o parâmetro mais aceitável. Não faz sentido trabalhar com cenários de até 6 metros, como quer o Al Gore, ex vice-presidente americano. Porque é tão improvável que isso aconteça quanto que não haja elevação alguma. As pessoas que fazerem projeções catastróficas acreditam que fazer mais alarde estimula a população a agir. Mas vale lembrar: análises e argumentos baseados no pior dos piores cenários induzem ao pânico, e o pânico não é a melhor forma de fazer um bom julgamento. Esse foi o mesmo argumento que George W. Bush usou quando invadiu o Iraque. Ele disse que estava absolutamente certo sobre a localização das armas da destruição em massa, e o resultado foi o que se viu. Por isso prefiro trabalhar com os impactos mais prováveis.

Quais são esses impactos?

Costumamos esquecer que a maioria dos lugares ricos no mundo conseguirá lidar com o aquecimento global. Sabemos disso porque é o que os holandeses vem fazendo desde o século XVII. A Holanda tem 60% de sua população vivendo abaixo do nível do mar. O principal aeroporto de Amsterdã fica 3 metros e meio abaixo do nível do mar. É simplesmente uma questão de tecnologia. Ninguém que vai à Holanda fica pensando: “Ai, meu Deus, estou abaixo do nível do mar”. Não que isso não seja problemático ou custoso. Mas é um custo que chega a 0,5% ou no máximo 1% do PIB. Então, é bom enfatizar, o Rio de Janeiro nunca vai submergir, tampouco Nova York. Nos últimos 150 anos, o nível do mar subiu 30 centímetros. Pergunte a uma pessoa muito idosa quais as coisas mais importantes que aconteceram no século XX. Ela vai mencionar as guerras mundiais, ou talvez a revolução tecnológica. Suas resposta não vai ser que o nível do mar subiu.

Fala-se muito no impacto causado pela forma como as pessoas desperdiçam produtos e energia. Como o senhor faz no seu dia a dia?

Há muita confusão em torno desse debate sobre consumo ético, como se a questão toda se resumisse ao que a pessoa faz. É uma visão torta porque, no fim das contas, o que nós fazemos está profundamente regulado pela forma como a sociedade funciona. Posso pegar um ônibus em vez de um carro na Dinamarca (eu nunca tive um carro). Mas não poderia fazer isso nos Estados Unidos. Por isso, acho que reduzir tudo à idéia de que você deve fazer algo sobre seu consumo não é o melhor caminho. Para dar noção de proporção, se todos no mundo ocidental trocassem suas lâmpadas anuais por um modelo mais econômico, ao final de um ano as emissões se reduziriam apenas o equivalente à quantidade de CO² que a China joga na atmosfera em um dia. Acho inútil adotar o argumento de que não se deve agir desta ou daquela maneira porque é imoral. Resumindo: organizações verdes querem mudar a natureza humana, dizendo que não se deve querer ter ou gastar mais. É muito difícil mudar a natureza humana. Prefiro mudar a tecnologia. Assim, poderemos fazer o que quisermos, mesmo emitindo CO².

As empresas estão fazendo sua parte?

A maioria das coisas que se vêem por aí é marketing. É o chamado banho verde. Estão fazendo economia de energia como sempre fizeram, desde o início do século XIX, de quando datam as estatísticas. Todas as empresas, em todos os lugares, inclusive nos Estados Unidos e na Europa, vem reduzindo o desperdício de energia. Ou usando cada vez menos energia para cada dólar que produzem. O que é uma das maneiras de manter a liderança no mundo dos negócios. Cada vez que conseguem essa redução, anunciam que estão economizando CO². mas é obvio que o que estão economizando são dólares. Não há nada de errado nisso. Só não devemos achar que elas estão salvando o planeta.

Por que o crescimento populacional não é levando em consideração nas discussões sobre clima?

Se fosse possível limitar substancialmente o crescimento da população mundial, provavelmente as emissões não aumentariam tanto. Mas você só consegue alterar essa variável dramaticamente num regime autoritário como o da China, onde o governo determina que os casais só podem ter um filho. Não acho que se vá reduzir a taxa de natalidade com informação. As pesquisas mostram que as pessoas agem de forma muito racional sobre o número de filhos que tem. Para os pobres, crianças são fonte de renda. Para os ricos, representam despesa. Então você pode interferir no tamanho da prole tornado as pessoas mais ricas. Independentemente disso, é preciso lembrar que a principal razão para os nascimentos até 2050 não é que muitas pessoas tem muitos filhos, mas porque há muitos jovens que ainda não tem filhos e querem ter. Até lá teremos provavelmente mais 2,5 bilhões de pessoas. Há muito pouco que se possa fazer sobre isso.

Se o senhor tivesse filhos, estaria preocupado com o futuro?

Tenho primos que tem filhos, e alguns dos meus melhores amigos, também tem. Claro que desejo que eles tenham uma vida boa. E eles terão. Vão ficar bem, serão ricos. Porque todos os filhos geneticamente gerados que conheço são brancos. Não é com eles que temos de ficar mais preocupados. É com os outros três quartos das pessoas deste planeta, a quem não sou intimamente ligado, que não são brancas, são pobres e vivem hoje uma situação difícil. O paradoxo é que a ONU espera que todos enriqueçam. Os filhos dos meus primos estarão entre quatro e oito vezes mais ricos no fim do século. As pessoas nos países em desenvolvimento estarão 35 vezes mais ricas. A média das pessoas em Bangladesh não será pobre em 2100, mas classe média alta. Ou seja, estamos pensando em ajudar pessoas que serão ricas daqui a 100 anos, mas deixando de ajudar as pessoas pobres que estão aqui agora, hoje. Esse é, para mim, o grande dilema ético: nós nos importamos tanto com os ricos do futuro e tão pouco com os pobres do presente.

O senhor pode dar um exemplo?

O caso dos países insulares é claro. Se você olhar para Tuvalu, que tem 12000 habitantes e pode desaparecer, verá que as pessoas de lá não vão sumir. Elas terão de se mudar, o que será triste. Mas é curioso lembrar que a cada sete horas e meia um número equivalente de pessoas morre no mundo em decorrência de doenças infecciosas facilmente curáveis. São cerca de 15 milhões de pessoas que morrem desta maneira todo ano no mundo. As pessoas de Tuvalu terão apenas de se mudar. Para mim, é muito curioso que estejamos gastando tanto dinheiro para ajudar as pessoas de Tuvalu e fazendo tão pouco pelas 12000 que morreram nas últimas sete horas e meia. Fala-se muito em aquecimento global. Mas as pessoas de verdade tem problemas mais urgentes. A maioria das pessoas nos paises em desenvolvimento, ou três quartos da população mundial, quer saber como vão sobreviver até a semana que vem.

O que se pode esperar das decisões tomadas na conferência?

Quando 120 líderes se reúnem, eles não podem não fazer um acordo, em torno de números que soam agradáveis. O problema é que não conseguiremos cumpri-lo. Faremos um lindo documento, todos vão brindar com champanhe, depois vão para casa, e nada vai acontecer. Vem sendo assim nos últimos dezoito anos. Não cumprimos o que foi acertado no Rio de Janeiro em 1992. em Kioto, houve um compromisso legalmente assumido, no qual se prometeu cortar ainda mais, e ainda nada foi feito. Acreditar que Copenhague será diferente me parece uma fantasia política.