sábado, março 31

O dia em que conheci Harry Truman

Fonte : Revista Seleções
Data : Janeiro de 1974
Autor : Lawrence Bookman

As portas do elevador se fecharam silenciosamente atrás de mim. Sem pressa, dirigi-me para o longo corredor do Hotel Hilton, em Beverly Hill. Meus pés afundavam no tapete, juntamente com minha autoconfiança. No começo, tinha me parecido uma boa idéia. Mas, e agora?
Em 1959, eu tinha 14 anos. Minha tarefa, na classe de jornalismo, tinha sido a de entrevistar um político. Quando li que o ex-presidente Harry Truman estava em Los Angeles, tive a idéia. Telefonei imediatamente para o hotel, a fim de solicitar uma entrevista. A telefonista ligou-me com o secretário dele, o qual me informou que o “Sr. Truman não dá entrevistas individuais”.
O desapontamento devia estar patente em minha voz, enquanto eu explicava o meu problema. “Bem, senhor”, disse amavelmente o secretário, “o Sr. Truman dará uma entrevista hoje. Pode comparecer, se quiser.”
Na hora, aquilo me pareceu um fascinante desafio. Mas, assim que bati à porta, maciça e decorada, da suíte presidencial, tive vontade de voltar e correr.
A porta se abriu, e um repórter alto e mal humorado perguntou-me o que eu queria. Ouvi uma voz distante, que devia ser a minha, dizer num tom estranhamente grave: “O secretário do Sr. Truman me pediu que viesse.” Disse a mim mesmo que aquilo não era exatamente mentira; afinal, ele tinha sugerido que eu poderia vir.
Por um momento, o repórter hesitou. Então, seu rosto se abriu num sorriso, e ele me convidou a entrar. O presidente ainda não tinha chegado. Olhei furtivamente para os dez ou doze jornalistas presentes na sala, quase todos fumando, enquanto conversavam em voz baixa.
O repórter que tinha vindo abrir a porta perguntou meu nome e o de minha escola. Vários outros também me fizeram perguntas e tomaram algumas notas. Então, deixei-me afundar numa poltrona de couro, muito grande para mim, e examinei minha magra lista de perguntas. O que poderia eu perguntar a um homem que tinha se tornado presidente dos Estados Unidos no ano em que eu nascera? O que poderia eu, um ginasiano interessado em história e ciências políticas, dizer a um homem que já tinha feito mais história do que eu havia lido?
No momento seguinte, a porta se abriu e todo mundo se pôs de pé. Truman entrou. Quando voltei a me sentar, o repórter que me admitira disse:
“Sr. Presidente, há aqui repórteres do Times de Los Angeles, do Examiner de Los Angeles, do Christian Science Monitor, do Herald-Express de Los Angeles e do jornal do Ginásio de Palms.” À menção do último jornal, todos sorriram.
Truman também. Virou-se lentamente em direção à cadeira na qual eu estava tentando me esconder. Podia sentir os seus olhos me espreitando através dos óculos de lentes grossas. Minhas mãos estavam úmidas, enquanto eu manuseava nervosamente o bloco de notas.
De repente, o presidente deu um sorriso. “Poderia se aproximar o cavalheiro do jornal do Ginásio de Palms?”, perguntou.
Meio entorpecido, levantei-me e deixei a segurança de minha poltrona. Quando me aproximei do presidente, comecei a gaguejar a primeira pergunta prevista em meu bloco. “Sr. Truman, que conselho daria aos...”
“Espere um minuto, meu filho”, ele riu, depositando sua mão sobre a minha. “Antes de mais nada, como se chama?’
“Buzzy Bookman, senhor presidente.”
“Bem, Sr. Bookman”, disse com um brilho nos olhos, “diga-me por que um repórter do jornal do Ginásio de Palms se interessaria em entrevistar um velho como eu?”
Pela primeira vez, desde que saí daquele elevador, consegui me sentir à vontade. Sorri para o ex-presidente quando ele se referiu a si próprio como “um velho”.
“Sr. Presidente”, interrompeu um dos jornalistas, “que tal umas fotos do Sr. Bookman o entrevistando?’ Imediatamente, alguém me disse para me postar ao lado do presidente, e os flashes começaram a espocar. Truman sorriu ao me ver piscando os olhos. “Esses jornalistas nunca acertam da primeira vez”, comentou ironicamente. “Agora, qual era mesmo aquela importante pergunta que me ia fazer?”
“Bem, senhor, que conselho daria a um jovem interessado em entrar para a política?”
“Estudar história e direito”, foi a sua imediata resposta. “Para se tornar um bom político, atualmente, a pessoa precisa conhecer e compreender o passado.”
Truman olhou-me nos olhos, enquanto pousava sua mão sobre o meu ombro. “Principalmente”, disse com sinceridade, “não abandone a sua ambição!” Então, virando-se para os outros, com uma abrupta mudança de gestos, acrescentou: “Nosso país precisa hoje é de bons cidadãos e bons políticos.” Este comentário provocou risos de simpatia e aprovação de todos os presentes, exceto de mim.
Em dezembro do ano passado, 13 anos depois de meu encontro com o Presidente Truman, eu estava estudando para os exames finais na Faculdade de Direito, quando minha mulher entrou no quarto. “Ouvi na TV”, disse. “Ele acaba de morrer.”
Sabia a quem ela se referia, porque há várias semanas eu vinha lendo tudo que se publicava sobre a doença de Truman. E sabia também que, logo, uma longa lista de amigos e adversários, estadistas, jornalistas e políticos começariam a elogia-lo e a especular sobre o enigma de sua grandeza. E não havia nada que eu pudesse acrescentar sobre o nosso breve encontro, a não ser que escrevesse algo sobre ele.
Mas bem que eu podia ter escrito aquela carta. Estava agora em meu 3º ano na faculdade. Desde aquela entrevista coletiva, há tanto tempo, eu tinha estudado história a fundo.
Durante anos, pensei em escrever a Truman, para dizer-lhe que o repórter do jornal do Ginásio de Palms nunca esquecera o seu conselho a um jovem, e tentava, sinceramente, se tornar um bom cidadão e um bom político.
Mas então já era tarde.

sexta-feira, março 30

Rodeado de irmãos

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1998
Autor : James Schembari

Relacionamento entre os filhos realiza sonho do pai.

Sei que é errado invejar os filhos. Mas quando vejo meu filho Tonio e o irmão caçula Sam descendo juntos no escorregador, abraçados, percebo que perdi algo maravilhoso.
Não só nunca tive um irmão, como também nunca tive amizade igual à deles. Minha irmã era bem mais velha, e por isso foi antes mãe do que colega de brincadeiras. E eu, mais um pestinha do que camarada. Um irmão teria sido fantástico, mas não estava nos planos da família.
Meus pais trabalhavam juntos num pequeno negócio. Minha mãe gostaria de ter outro filho se pudesse ficar em casa para cuidar do bebê.
Meu pai, porém, não poderia trabalhar sem ela. Acho que nunca mais tocaram no assunto.
Finalmente moro com irmãos – os meus filhos – e observo como vivem o tipo de relacionamento com que um dia sonhei. Tenho uma foto de Tonio com a cabeça na barriga da mãe grávida, na noite em que Sam nasceu. Com apenas 1 ano e meio, Tonio ficou conversando com o bebê, ouvido colado à barriga da minha mulher, esperando uma resposta. Desde então os meninos não pararam mais de cochichar.
É estranho, mas Sam tem mais jeito de lidar com o mundo do que o irmão, que chega às lágrimas com qualquer frustração. Com um fervoroso “Sorria, Tonio”, é o caçula quem o consola. Os dois estão sempre se dando a mão.
Tonio parou de brincar com meninos da sua idade que não querem Sam atrás deles. Mas teve explicação: “Eles dizem que Sam é um bebê.” Se eu castigo um, o outro fica com raiva.
“Deixe o Sam em paz”, diz Tonio com insolência quando grito com o irmão. “Você fez o Tonio chorar”, briga comigo Sam quando discuto com Tonio.
Vão dormir, um em cima, o outro embaixo no beliche, e de manhã estão na mesma cama, enrolados juntinhos como filhotes numa caixa. Quando um deles tem pesadelo e vem para a nossa cama, minha mulher e eu já sabemos que antes de amanhecer o outro virá atrás.
Quando Sam costumava tirar longas sonecas à tarde, Tonio ficava rodando pela casa, desanimado, até o irmão levantar-se. Uma vez o vi de pé ao lado da cama, cutucando Sam e chamando baixinho “Sammy, Sammy”, tentando acorda-lo.
No maternal, Tonio pegava Sam pela mão e levava-o para a sala dos mais novos antes de ir para a sua. Quando a turma de Tonio fazia fila para o recreio, Sam corria até a porta da sua sala e gritava. “Oi Tonio”. O mais velho dava um largo sorriso e os dois trocavam acenos.
Não sei que tipo de relacionamento terão quando crescerem. Os pais sempre querem que os filhos tenham o que eles nunca tiveram. Desejo que sempre possam contar um com o outro. Assim, fico imaginando os dois na mesma universidade, casando-se com irmãs e vivendo na mesma quadra.
Fico muitas vezes de lado, observando ambos, imaginando como seria o irmão que não tive. Sinto-me tolo, um homem de meia-idade fantasiando um amigo de infância. No entanto, meus filhos mostram-me como poderia ter sido. Foi por isso que fiquei apavorado no dia em que Tonio entrou para o jardim da infância. Senti que também eu perderia algo.
Quando fomos para a escola, aquela manhã, os meninos pareciam tranqüilos, como se nenhum deles tivesse a menor idéia de que o dia ia ser diferente, de que a partir dali, Tonio estaria deixando para trás o irmão e melhor amigo, seu braço direito.
O primeiro dia de Tonio na escola foi caótico, com centenas de crianças do lado de fora, procurando os professores. Minha filha, Marian, que está na terceira série, saiu à cata dos amigos. Tonio, sem nem sequer se despedir, desapareceu com os novos colegas. Virou-se, acenou e sumiu.
Foi tão repentino. Sam nem o viu partir. Pediram aos pais que ajudassem a controlar a loucura do primeiro dia não entrando na escola, mas peguei Sam no colo e o levei até a sala de Tonio. Ficamos do lado de fora, tentando localiza-lo. Sam foi que o viu primeiro.
“Tonio!”, gritou Sam. Mas o desnorteado irmão nem olhou. Havia barulho demais. “Posso entrar?”, insistiu ele.
“Não”, disse, por fim. Eu seria repreendido pela professora. “Hoje não deixam. Quem sabe voltamos amanhã”
Quieto, Sam pousou a cabeça no meu ombro enquanto saíamos da escola. Minha mulher e eu decidimos não voltar direto para casa. Paramos num café para consolar Sam com um chocolate quente. Até deixamos que comesse com os dedos o creme chantilly. Sam ainda estava quieto e então lhe perguntei se já sentia falta do irmão. Ele não respondeu. Em vez disso, perguntou:
“Papai, Tonio vai ficar lá para sempre?”
“Não, Sammy”, respondi, iluminado pela doçura da sua pergunta.
“Para sempre, não, só até as três horas. “
Sam lambeu mais um pouco de creme dos dedos, parecendo intrigado, e então perguntou:
“Isto é para sempre?”
Naquele dia, pelo menos, “para sempre” durou até uma hora da tarde, quando Tonio foi mandado de volta para casa, com febre. Sam queria brincar, mas Tonio não se sentia nada bem. Na manhã seguinte, após desanimado café, ele disse que estava cansado e subiu para o quarto. Não foi à escola.
Quando dei uma espiada para ver como estava, tinha dormido. E lá estava Sam, com um brinquedo para passar o tempo, enfiado nas cobertas, ao lado dele. Esperava o irmão mais velho acordar, provavelmente aliviado em descobrir como “para sempre” era suportável.
Às vezes penso que minha maior realização é ajudar a criar esses irmãos. E não parei neles. Tivemos outro filho, pela terceira vez consecutiva um menino. Não demorou e o estrado do berço rachou por causa do peso dos irmãos mais velhos, que subiam lá para brincar com ele. Estou rodeado de irmãos.
É melhor do que jamais poderia imaginar.

quinta-feira, março 29

Destaque-se da multidão

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1998
Autor : Garry Marshall e Lori Marshall

Conselhos para as pessoas que desejam obter sucesso na vida

Criei muitas séries de TV populares e dirigi alguns filmes, inclusive Pretty Woman (Uma linda Mulher). Muitas pessoas ficam interessadas em saber como obtive sucesso e pedem-me conselhos para que também possam ser bem sucedidas em suas carreiras.
Não tenho respostas mágicas, capazes de mudar a vida de alguém. Entretanto, com sorte, planejamento e ajuda de professores extraordinários, descobri alguns truques que podem ajudar aqueles que desejam progredir em qualquer área. Aí estão algumas dicas que aprendi.

Tente sobressair
Eu era meio atrasado em relação aos garotos de minha idade e sempre invejei os alunos que se destacavam no colégio. Aprendi cedo, no entanto, que é fundamental afastar-se do grupo. A vida é uma luta atrás da outra, principalmente quando você está começando. Caso seu currículo seja o último de uma pilha de correspondências sem importância, envelope diferente pode fazer com que seja notado, especialmente se a competição for acirrada.
A primeira vez que meu sócio Jerry Belson e eu fomos ao estúdio de filmagens de The Danny Thomas Show, perguntamos aos roteiristas da equipe quem era os personagens para os quais mais detestavam escrever. Todos adoravam escrever o texto de Danny e do tio Tonoose, mas tinham verdadeira aversão a escrever para os personagens Rusty e Linda, os dois filhos pequenos de Danny no programa. Eram personagens secundários e os roteiristas achavam que escrever esse tipo de texto não os ajudaria a conseguir outros empregos. Decidimos então escrever os textos das crianças porque era disso que precisávamos – a oportunidade de chamar a atenção.
No primeiro roteiro, escrevemos que Linda se apaixonava por um colega de turma. Como sinal de sua eterna devoção, a menina tirava secretamente pedaços de lama seca do tênis de beisebol do namorado e os guardava em um álbum de recortes. Quando Danny descobre o álbum, tem uma conversa com a filha em que a aconselha a não ser tão obcecada por garotos. Danny e os produtores gostaram muito da idéia. Com o texto, deixamos de ser apenas mais uma equipe de roteiristas de comédia.

Procure as pequenas oportunidades
A maioria das pessoas está sempre esperando por grandes oportunidades. Na realidade, as verdadeiras chances da vida são bem menores.
Estávamos meu primeiro sócio, um velho amigo militar e eu esperando o elevador do meu prédio. Quando o elevador passou direto – às vezes isso acontecia – vimos uma pessoa pela janelinha. “Era o Mutt!”, gritou meu amigo militar. Descemos as escadas como loucos.
Mutt Tickner, amigo dele, trabalhara para uma firma de empresários teatrais. Uma semana depois, ele apresentou-nos ao comediante Phil Foster, que escutou nossas piadas e nos contratou.
A sorte desempenha papel muito importante na maior parte das vezes. Se você estiver no lugar certo, na hora certa e tiver talento suficiente, conseguirá sua grande oportunidade. Portanto, siga os instintos, corra atrás do elevador e vá em frente.

Especialize-se primeiro
No início da carreira conheci Milt Josefsberg, que me ensinou ser muito importante não apostar todas as fichas em um só número. Aprendeu isso de forma muito dura. Trabalhou como escritor de comédia por 17 longos anos e, de repente, viu-se desempregado. Por seis anos!
Eu não suportaria ficar sem trabalhar por seis dias. Então, resolvi seguir seus conselhos e experimentei outros estilos, como drama, roteiros de cinema e shows de variedades. Especializei-me em representação, direção e produção. Achava que se não fosse contratado como escritor de séries, poderia ser aproveitado para trabalhar em outra atividade.
Para começar, a maioria dos patrões não quer um faz tudo, mas sim um especialista. Por isso, você deve se candidatar para um cargo específico e, depois que estiver lá dentro, revelar sua versatilidade.

Não tenha medo de errar
Durante a infância, perdi muito tempo sentindo medo e vergonha de ninharias. Como sempre sofri de alergias e tive muitas doenças, pensava que morreria em breve. Minha atitude perante a vida só mudou quando atingi a adolescência.
Fui a uma festa de aniversário à fantasia e os pais da garota serviram hambúrgueres cobertos de mostarda. Apesar de ser alérgico a mostarda, comi um. Logo senti que passaria mal, mas tentei esconder.
Quando a festa acabou, consegui chegar até o carro de meus pais, porém o que temia aconteceu – vomitei pela janela do carro e fui flagrado pelos faróis dos outros carros. Quis morrer. Depois disso, nada me pareceu tão embaraçoso. Aprendi uma lição importante: você não pode morrer de vergonha. Apenas parece fatal, mas não é.
Errei em dúzias de pilotos de séries e shows. O importante é que em todas as vezes levantei-me no dia seguinte e tentei pensar em outro show.
A maior parte das pessoas tenta minimizar seus defeitos ou nega-los. Sempre achei melhor dizer: “Esses são meus defeitos. Agora tenho de encontrar algo em que sou bom.” Não use seus defeitos como desculpa para desistir. Vá em frente, ou para os lados, mas vá.
Se o medo não o paralisa e você consegue trabalhar sob pressão, já é meio caminho andado para chegar ao sucesso.

Não se preocupe com os prêmios
Se você for responsável por um projeto, a chave para o sucesso é conseguir que as pessoas queiram ajuda-lo. Como diretor, indico, sugiro e gentilmente guio os atores na direção que desejo que sigam.
No filme Nothing in Common (Nada em comum), de 1986, o personagem de Jackie Gleason - Max Basner – é despedido do emprego de vendedor de roupas. A cena, filmada em uma barca, mostra o desespero dele por estar sem trabalho. Eu procurava um gesto sutil que permitisse a Max revelar seus sentimentos.
Gleason tinha muito mais experiência e primeiro me senti intimidado. O que eu poderia dizer sobre interpretação ao “monstro sagrado”? Com receio, optei por dar sugestões e sentei-me com Gleason para conversar sobre a cena.
“Então, Max está triste, certo?”
Gleason acenou com a cabeça, concordando.
“E provavelmente ainda está carregando as canetas com seu nome gravado – aquelas que distribuía aos clientes, certo?”
Novo aceno de concordância.
“Então, o que você gostaria de fazer com as canetas depois de ser demitido?”
Gleason ficou em silêncio por um momento e perguntou-me.
“Por que não as jogo no mar?”
Levantei-me, voltei-me para a equipe e avisei:
“Hei, pessoal. Gleason teve uma idéia maravilhosa! Vamos filma-la.”
Depois de filmar a cena, Gleason me chamou e perguntou sorrindo:
“Garry, que tipo de idéia maravilhosa vou ter amanhã?”
A equipe e você podem descobrir as respostas juntos. Quando não existirem prêmios para aquele que chegar primeiro à solução do problema, todos serão beneficiados se tudo der certo.

Busque o equilíbrio
Meu lema pessoal tem sido “a vida é mais importante do que o show business”. Seu eu tivesse de escolher entre ir a uma estréia de Hollywood cheia de estrelas onde pudesse fazer vários contatos ou a uma peça da escola primária onde meu filho usasse uma toga grega e pronunciasse uma frase inaudível, escolheria a segunda opção. As peças de escola são sempre mais divertidas.
Esse lema “a família é tudo” é dito com certa ironia porque quando trabalhei na televisão pela primeira vez me flagrei constantemente lutando para equilibrar as responsabilidades de produtor e pai.
Com freqüência, chegava tarde da noite, exausto pelo dia de trabalho, envolvido com quatro shows de televisão. Assim que entrava em casa, via o dever da escola de meu filho, sobre o livro ‘O morro dos ventos uivantes’, espalhado pela escada que levava ao meu quarto.
Não importava quanto estivesse cansado, sempre tentava encontrar tempo e energia para lê-lo. Se não o fizesse, encontraria um bilhete atrevido sobre a mesa da cozinha na hora do café da manhã.
A criança não entende quando o adulto se desculpa dizendo: “A empresa está me pressionando.” Só sabe que tem um trabalho para entregar no dia seguinte e que seu pai prometeu ajuda-lo.
Minha família me ensinou a lição mais importante de todas: se você quiser ser um sucesso no trabalho, também precisa ser um sucesso em casa. Atingir o equilíbrio ajudou-me a conseguir uma carreira longa e bem sucedida.

sexta-feira, março 16

A essência do carioca

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1998
Autora : Priscilla Ann Goslin

Dicas para você visitar o Rio de janeiro e não passar por um turista.

Seja de férias ou a negócios você vai querer passar grandes momentos quando visitar o Rio de Janeiro, a capital do prazer e do sol. Mas sendo o viajante sofisticado que é, você não vai querer fazer um espetáculo de si próprio agindo como turista. Vai querer parecer um dos moradores da cidade. Vai querer ser um carioca!
Um carioca de verdade é uma pessoa que:
A . Mora na cidade do Rio de Janeiro, de preferência na praia ou perto dela (ou pretende morar).
B. Confessa ter entre 15 e 39 anos.
C. :Tem o hábito de ir à praia antes, depois ou em vez de ir trabalhar.
É claro que a arte de ser carioca incorpora uma infinidade de peculiaridades culturais. Eis as dicas essenciais que permitirão que você abra seu coração e entre no clima da fascinante e charmosa cidade do Rio de Janeiro.

O guarda-roupa
Ao desembarcar no Rio de Janeiro, você rapidamente perceberá que, morando numa cidade informal, o carioca se veste confortavelmente, o que não quer dizer que ele ignore a importância de estar na moda. Não importa se ele está flanando no shopping center ou paquerando em Ipanema, indo ao trabalho ou simplesmente na praia, o carioca da gema é extremamente consciente de sua aparência.
Ponto de encontro social, a praia tem uma regra de vestir bem explícita. E é aí que o turista é reconhecido de imediato. Chegando à praia todo vestido, o turista tira camadas de roupa e exibe um multicolorido traje de banho que ressalta ainda mais a sua brancura translúcida. Por favor, resista à tentação. Uns dias na piscina do hotel servirão para ganhar uma cor legal.
Seguem-se alguns itens essenciais que você pode comprar em Copacabana ou no camelô da primeira esquina. Vista-as ostensivamente e você já vai poder sair por aí parecendo carioca:
Para ela – jérsei cavado, apertado (5), relógio de plástico (1), bermuda jeans (2), saiote curto, apertado 93), kanga (2), tanga (5), macacão de ginástica (5), sacola de praia (1), bijuteria (de montão).
Para ele – camiseta de surfista (5), short de surfista (3), sunga (2), relógio de mergulhador (1 falso), calça jeans apertada (1), pochete (1), havaianas (1 par), roupa de ginástica (5), tênis (1 par), camisa social (1).

O pedido de informações
Sinais evidentes da beleza do Rio são encontrados por todos os lados, mas o mesmo não acontece com os sinais indicativos de bairros e ruas. Às vezes, até o carioca mais experiente tem de reconhecer que se perdeu. Se isso acontecer, não se apavore. Basta parar a primeira pessoa que passar ou estiver por perto e pedir informações.
Seja da janela do ônibus, do carro, na calçada, em qualquer lugar, o carioca vai parar o que estiver fazendo para dar assistência. E você pode ter certeza de que ele o fará de bom grado e do modo mais simpático. A mão no queixo, o balanço da cabeça nas duas direções, uma breve pausa e depois o carioca dará a você uma longa série de informações intrincadas de como chegar ao seu destino, muitas vezes com várias opções.
No caso raríssimo de o carioca não conhecer o lugar onde você quer ir, ele próprio dirigirá a pergunta à pessoa mais próxima, que conseqüentemente perguntará a uma terceira. Logo se formará pequeno grupo, talvez pequena multidão.

Cariocas sobre rodas
No Rio, dirigir pode ser uma experiência desafiadora. Pelo número de carros arranhados e amassados na rua, você pode ficar com a impressão de que os cariocas não se importam de bater nos carros. Nada disso. Como qualquer pessoa, o carioca fica furioso se alguém bate ou arranha o seu carro. A única diferença é que, no Rio, se você levar o carro para a oficina cada vez que tiver um arranhão ou uma pequena batida, vai acabar esquecendo que tem carro. Além disso, qual o mal de uma ou duas batidinhas?
Cuidado quando o pisca-pisca do carro da frente indicar que vai virar para a esquerda ou para a direita. Os cariocas tem o hábito de fazer uma curva longa na direção oposta à que estão indo, confundindo completamente quem vem atrás.
No Rio, já se disse que o menor espaço de tempo conhecido é o intervalo entre o sinal que fica verde e a buzina do motorista de trás. Como os sinais de trânsito muitas vezes estão escondidos estrategicamente atrás de árvores ou bem alto nos cruzamentos, buzinar para que o motorista na sua frente saiba que o sinal mudou representa cortesia comum no trânsito.
É imprescindível verificar sempre o espelho retrovisor. Em fração de segundos, você pode notar um carro que lá não estava, a milímetros do seu, acendendo e apagando os faróis altos. Esse é o modo carioca de avisar que você deve ceder passagem, pois o motorista quer ultrapassar. Se não ceder, ele vai forçar a barra de qualquer modo e entrar naquele espaço aparentemente invisível na sua frente.
Quando parece que ninguém vai deixar você passar a pista de velocidade, sair do estacionamento ou fazer uma curva, use a “técnica do polegar”. Basta colocar a mão para fora da janela, polegar para cima, sorrir e meter a cara. Assim, qualquer manobra, por mais maluca que seja, está automaticamente justificada.

O bem alimentado carioca
Os nativos do Rio de Janeiro amam sua comida. Lugar perfeito dos carnívoros cariocas e sede do campeonato de “vamos ver quem come mais”, a churrascaria rodízio oferece ao freguês a oportunidade de comer a preço fixo a quantidade de carne que puder agüentar. A tradição manda ficar de jejum antes da grande comilança.
Os garçons se movem à velocidade da luz, e antes que você consiga falar “lingüiça” eles já estão cortando outro pedaço de carne e colocando-o em seu prato.
Para evitar indigestão, recomenda-se que você cubra o prato com a mão até que esteja pronto para outro pedaço de carne. Apesar de existir o risco de acabar espetado, esse é o único meio de avisar o garçom que você precisa de mais tempo antes de se fartar. A churrascaria rodízio não é recomendada a quem está de dieta, aos vegetarianos ou quem gosta de ficar de bate papo nas refeições.
O carioca é também movido a cafeína. Para aproveitar o cafezinho à maneira carioca, despeje pelo menos duas colheres de sopa de açúcar na xícara pequena, coloque o café, mexa e tome em dois goles. Consumido a toda hora no boteco mais próximo, no escritório ou depois de uma refeição, o cafezinho é o ritual obrigatório da cena carioca.

Romance carioca
Se está à procura de romance, veio ao lugar certo. Os cariocas ocupam posição de destaque na lista mundial de povos românticos. A promessa de romance está na música, na ginga, na fala. Vá em frente. Comece a andar mais solto, balançando o corpo. Nunca se sabe, você pode encontrar o amor de sua vida no Rio de Janeiro.
Solteiro, casado, viúvo, idoso ou jovem, o carioca sempre está a fim de alguém. Dar em cima de uma nova pessoa é desafio pessoal que o carioca enfrenta com entusiasmo, criatividade e garra.
Por exemplo, imagine a seguinte cena: você está em seu carro, atrasado para um encontro de negócios, esperando o sinal abrir. O trânsito é intenso, não dá para avançar o sinal. Você pode ficar sentado com os olhos fixos no sinal ou simplesmente fazer como o carioca faria. Com a marcha em primeira, mantenha um pé na embreagem e com o outro acelere. Olhe para os carros ao redor e tente avistar alguma gata interessante. Se aparecer, buzine algumas vezes tentando contato e, mudando o sinal, fique atrás do carro dela piscando os faróis (pelo menos cinco vezes). Com sorte, no próximo sinal vocês já estarão trocando os números de telefone!
As mulheres também não precisam ficar por fora. Certa mulher conhecida, vendo um gatão passeando com seu cachorro na calçada todos os dias, foi à luta e comprou uma cadela da mesma raça. No dia seguinte, ela o encontrou na calçada, sugerindo que os cachorros cruzassem. Foi o início de um lindo relacionamento.
O segredo para agir como um verdadeiro carioca é entender a solução para tudo que o aflige. Seu telefone não funciona e seu carro não liga? Fique numa boa, e faça como o carioca. Coloque um sorriso nos rosto, calce suas havaianas e vá à praia. Afinal de contas, não há nada que algumas horas de praia não curem.
Falou!

terça-feira, março 13

Carta do sétimo céu

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1971
Autora : Helene Hanff

Quem disse que as pessoas não se comunicam mais? Depois que a autora escreveu um livro que foi publicado em Seleções, descobriu, de repente, um fascinante mundo de pessoas estranhas – “gente maravilhosa que vive do lado de lá de um simples selo de correio.”

Queridos amigos:
Vocês todos sabem, por certo, que ninguém mais neste nosso mundo do século XX pode comunicar-se com mais ninguém: o indivíduo foi tragado pela atual sociedade, enorme e computadorizada. O Sr. Thomas Lask abordou precisamente este ponto na sua crítica, para o Times de Nova York, do meu livro 84, Charing Cross Road. Este livro contém a correspondência que eu mantive durante 20 anos com um empregado de Marks & Co., uma livraria de Londres. (Jamais conheci o homem nem a loja; nunca tive dinheiro para viajar ao exterior.) Em sua crítica, o Sr. Lask disse que o livro agradaria a “todos aqueles cuja humanidade foi reduzida a um cartão perfurado”.
Teria evitado problemas, se tivesse parado por aí. mas foi adiante e concluiu sua crítica brincando ao dizer que como a livraria em breve seria fechada, ele sugeria uma coleta para que eu fosse à Inglaterra ver a loja, e que eu poderia contar, de sua parte, com “qualquer importância até cindo dólares”.
Alguns dias depois, o Sr. Lask começava a receber cartas como estas:

“Prezado Sr. Lask: O seu carinhoso apelo tocou diretamente o meu coração. Em anexo os meus cinco dólares.”

“Em anexo vai um dólar; lamento não poder enviar mais. Se precisar de ajuda para organizar a coleta, terei prazer de oferecer meus serviços.”

Bem, o Times ficou um pouco nervoso diante desta coleta mítica, e o Sr. Lask devolveu o dinheiro aos doadores. Quanto a mim, tentei compreender por que motivo pessoas sérias e sensatas, leitores do Times, haveriam de oferecer seu dinheirinho suado para financiar uma viagem à Europa de uma escritora qualquer que eles jamais conheceram. Não conseguia atinar com a resposta.
E aí, durante o mês de setembro, começaram a chegar cartas de admiradores à minha caixa postal. Uma delas vinha de uma senhora idosa, que anexava um cheque de 25 dólares: era para que eu comprasse um livro e um bule de chá por sua conta, quando um dia chegasse a Londres. (Devolvi o cheque, com meus agradecimentos, e a senhora tornou a escrever, dizendo que compreendia, e que viria a Nova York passar o inverno. Será que eu tomaria então um chá com ela? Fui, ela emprestou-me alguns livros, e depois veio aqui tomar chá e ver minha biblioteca.)
Em dezembro, a condensação de 84, Charing Cross Road começou a aparecer nas edições internacionais do Reader’s Digest e nesse ponto acelerou-se o ritmo da coisa. Em breve choviam cartas de todos os pontos dos Estados Unidos, do Canadá, da Irlanda do Norte, da Itália, da Malásia Ocidental, da África Ocidental, da Arábia Saudita, do Paquistão – de toda parte!
O fato admirável quanto à correspondência dos leitores de Seleções é que ela tenha chegado às minhas mãos. Embora o livro contivesse tanto o meu endereço atual como o anterior, conhecendo a sua própria força Seleções procurou proteger minha tranqüilidade, omitindo o meu endereço atual na condensação do livro.
Sem desanimar, porém, alguns de vocês enviaram suas cartas a/c de Seleções, que as endereçou aos editores do livro, os quais as remeteram para mim. Os restantes de vocês mandaram cartas para meu endereço antigo, 14 East 95th Street. Como eu me mudara de lá havia apenas 15 anos, as cartas perambularam durante algum tempo, e quando chegaram às minhas mãos os envelopes estavam profusamente cobertos de carimbos e observações manuscritas: “Mudou-se. Não deixou endereço.” “Não mora neste endereço.” “Desconhecida em 14 East 95.” Embaixo de todos estes, na extremidade inferior de cada envelope, estava escrito a lápis: “Tente 305 East 72 10021.” Envergonho-me de confessar que ainda não fui à agência de correios (munida de uma garrafa de uísque) para descobrir, e agradecer ao carteiro sobrecarregado que, semanas a fio, deu-se ao trabalho de re-endereçar minhas cartas.
Nas semanas que precederam o Natal, surgiu uma complicação. A venda do livro não ia bem e os livreiros não tinham feito grandes encomendas. Agora, graças a Seleções e ao Natal, houve uma procura súbita, que apanhou o editor desprevenido. Era-lhe inteiramente impossível entregar aos livreiros uma nova edição a tempo de servir como presente de Natal.
Nada nos faz querer tanto uma coisa como ser informados de que não podemos obtê-la. Não encontrando Charing Cross em suas livrarias, os eventuais compradores começaram a escrever-me. Um homem escreveu dizendo que queria mandar o livro como presente de Natal para a sua garota. Ficaria gratíssimo se eu fizesse uma dedicatória, dele para ela, acrescentasse o meu nome, e despachasse o livro pelo correio, escrevendo-lhe depois para dizer quando ele me devia, e que me mandaria imediatamente um cheque. Com enorme gratidão.
Pensei em não tomar conhecimento, mas minha consciência me perturbava. E assim, escrevi no livro: “De John para Marge”, autografei-o, embrulhei-o para presente, coloquei-o no invólucro especial, de papelão, carreguei-o até ao correio e remeti-o . Só na quarta vez em que fiz isso – escrever, autografar, embrulhar para presente, colocar no papelão e carregar até ao correio – foi que olhei para a longa fila à minha frente, no guichê das encomendas postais, e perguntei a mim mesma: “O que é que você está fazendo? Você não é uma livraria!”
De um modo geral, dezembro foi um mês de loucura. Quando chegou o Natal, eu havia esgotado cinco caixas de cartões de Natal, duas de papel de carta e montes de selos – só para agradecer as cartas de todos vocês.
O Natal me trouxe também presentes. Um admirador deixou para mim, na portaria do meu prédio, um lindo livro encadernado em couro e gravado a ouro, publicado em 1875, intitulado Gleanings for the Curious From the Harvest Field of Literature. Houve um senhor que me mandou um pacote de selos de Marks & Co. (ele é colecionador de selos de livrarias). Uma senhora de sobrenome igual ao meu, embora não seja parente, enviou-me o brasão dos Hanff, cheio de unicórnios rampantes, campos de prata, uvas pendentes e estribos, em verde, azul, roxo e prateado, e montado, pronto para ser emoldurado.
Chegou janeiro, e vieram as cartas de “segunda mão” de admiradores. Por exemplo, um homem mandou três bilhetes de agradecimento, grampeados, explicando que havia mandado o livro como presente para Becky, que o emprestara a Sarah, que o passara a Jô. Jô devolveu o livro a Sarah, com um bilhete; Sarah devolveu-o a Becky, com o bilhete de Jô e mais um dela mesma; e Bechy enviou um bilhete, anexando os outros dois, ao homem que mandou os três bilhetes para mim.
As atenções continuaram a crescer, e em março eu estava tão acostumada que, quando desci para buscar a correspondência, certa manhã, e não encontrei na caixa a não ser uma conta, tive uma profunda sensação de rejeição. Tornei a subir, triste e desamparada, como que diz: “Para onde foi todo mundo?”
Logo as coisas melhoraram de novo. Em abril, oito admiradores descobriram no livro o parágrafo que mencionava o meu aniversário; seis deles enviaram cartões, e dois mandaram bombons.
No mês seguinte, colunistas literários de jornais londrinos anunciaram que em junho apareceria a edição inglesa do livro, publicada por André Deutsch, e que eu faria minha primeira viagem a Londres para o lançamento do livro. Em conseqüência, recebi da Inglaterra uma quantidade enorme de cartas generosas e cheias de carinho.
Um cavalheiro escreveu de Londres dizendo que trabalhava no aeroporto de Heathrow; se eu avisasse a data da minha chegada, ele me receberia “antes que seus pés delicados toquem solo inglês”, me ajudaria a passar pela alfândega e pela Imigração, e depois me entregaria aos amigos que estivessem esperando. Se não houvesse ninguém, ele me levaria para o hotel – e se não tivesse sido feita reserva no hotel, eu ficaria no quarto de hóspedes do seu apartamento em Chelsea. A carta trazia ainda o nome e o telefone de uma senhora que ele conhecia em Connecticut, a que eu poderia telefonar a fim de verificar a sua total respeitabilidade. Quando escrevi agradecendo e informando a data da minha chegada, ele respondeu dizendo que tiraria alguns dias de férias naquela semana e me levaria a passear pelo interior da Inglaterra.
Nora Doel, a viúva do homem com que eu me correspondera durante quase 20 anos, escreveu que estava, ela também, tirando férias para passear comigo. (Dizia que o livro lhe trouxera quase tanta correspondência quanto a mim, inclusive uma proposta de casamento, de um cavalheiro que lhe surgira à porta, com armas e bagagem. Eu recebera duas propostas de casamento, de um americano de Ohio e de um senhor que mora na Malásia Ocidental.)
Estamos agora no mês de maio, e duas novas cartas completam o quadro. Uma é do meu mais dedicado admirador – um homem de negócios americano que vive em Bruxelas, com a mulher e quatro filhos. Ele me visitou em dezembro, trazendo um exemplar do livro para autografar, dois discos e uma garrafa de uísque de presente. Na semana passada recebi carta sua e de sua mulher dizendo que, uma vez que eu ia a Londres, não podia deixar de programar uma ida a Bélgica para um fim de semana na casa deles, em Waterloo. Respondi agradecendo, mas como eu ia a Londres com pouco tempo e pouco dinheiro, não poderia pensar em outras viagens. A carta de hoje diz que ele e a mulher irão a Londres me apanhar, me levarão para Waterloo, depois a Copenhague e a qualquer outro lugar que eu queira ir.
E sobre a minha mesa está uma carta da Livraria Dalton, de Las Vegas, que é a maior glória. É a segunda carta de Dalton. A primeira, recebida na semana passada, dizia apenas: “Se a senhora chegar até Las Vegas, por favor venha à nossa loja.”
Achei cômico, pois meus rendimentos não permitiriam jamais uma ida a Las Vegas. Em meu bilhete de agradecimento à moça da livraria Dalton expliquei o fato, acrescentando que eu talvez fizesse minha primeira visita a Los Angeles no outono, e que isso já seria uma grande felicidade.
Chegou a segunda carta. “Quando vi que uma coisinha à toa como dinheiro poderia impedir que a senhora viesse à nossa cidade, pus mãos à obra”, escreveu a moça da Dalton. “Há um vôo da TWA, de Los Angeles, via Las Vegas, para Nova York. Assim, está resolvido o problema das despesas de transporte.”
“Em seguida, acomodação. A senhora fez muitas amizades aqui, com o seu livro, e temos um quarto para a senhora num dos melhores hotéis, com os cumprimentos da gerência. Jantares e espetáculos estão incluídos. Estamos todos de acordo em não aceitar uma resposta negativa.”
E assim, lá vou eu para Londres e Bruxelas, e depois para Los Angeles e Las Vegas – naturalmente com a condição de que alguém me faça descer do Sétimo Céu a tempo suficiente para me por num avião, e depois me ponha de novo lá em cima.
Eu costumava ficar acordada, à noite, tentando compreender o que havia acontecido. Nada mais fiz do que escrever um livro, e o céu abriu-se par mim. E para ser franca, em minha opinião pessoal, o livro não é nem grande coisa; são apenas cartas entre mim e um inglês – e algumas outras pessoas – que nunca vi, de uma livraria onde nunca estive. Mas, uma noite na semana passada, lembrei-me de repente de algumas linhas de uma crítica sobre o livro. E afinal compreendi. As linhas foram escritas por Haskel Frankel, em The Saturday Rewiew:

Se um coração americano, impetuoso, pode penetrar a austeridade de um inglês, o que não será possível entre as pessoas, neste mundo torturado? E o que é a solidão senão uma ilusão de sofrimento particular, que as pessoas estão esperando dispersar, do lado de lá de um selo postal?

Portanto, aí está, caros amigos: Nós estávamos enganados. Acreditar que as pessoas não mais se comunicam entre si é comprovadamente – como a solidão – uma ilusão. O indivíduo – o ser humano, singular, imprevisível, inclassificável e extraordinário – está vivo, está bem, e morando do outro lado de um selo postal, da Arábia Saudita à Terra Nova à Rua 72 East.
E é por isso que, agora que o correio voltou à sua condição normal, de entregar propaganda e contas, achei que havia chegado a hora de escrever a minha própria carta de admiradora, a todos vocês, pessoas maravilhosas que me telefonaram e me escreveram, me obsequiaram com comida e bebidas, e me mandaram presentes; a todos vocês, estranhos, generosos e bondosos, cuja existência eu talvez ignorasse e que, de milhares de quilômetros de distância, deram-me a honra de me chamar amiga.
Obrigada por tudo.
Que Deus os abençoe.
Helene Hanff.