sexta-feira, março 30

Rodeado de irmãos

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1998
Autor : James Schembari

Relacionamento entre os filhos realiza sonho do pai.

Sei que é errado invejar os filhos. Mas quando vejo meu filho Tonio e o irmão caçula Sam descendo juntos no escorregador, abraçados, percebo que perdi algo maravilhoso.
Não só nunca tive um irmão, como também nunca tive amizade igual à deles. Minha irmã era bem mais velha, e por isso foi antes mãe do que colega de brincadeiras. E eu, mais um pestinha do que camarada. Um irmão teria sido fantástico, mas não estava nos planos da família.
Meus pais trabalhavam juntos num pequeno negócio. Minha mãe gostaria de ter outro filho se pudesse ficar em casa para cuidar do bebê.
Meu pai, porém, não poderia trabalhar sem ela. Acho que nunca mais tocaram no assunto.
Finalmente moro com irmãos – os meus filhos – e observo como vivem o tipo de relacionamento com que um dia sonhei. Tenho uma foto de Tonio com a cabeça na barriga da mãe grávida, na noite em que Sam nasceu. Com apenas 1 ano e meio, Tonio ficou conversando com o bebê, ouvido colado à barriga da minha mulher, esperando uma resposta. Desde então os meninos não pararam mais de cochichar.
É estranho, mas Sam tem mais jeito de lidar com o mundo do que o irmão, que chega às lágrimas com qualquer frustração. Com um fervoroso “Sorria, Tonio”, é o caçula quem o consola. Os dois estão sempre se dando a mão.
Tonio parou de brincar com meninos da sua idade que não querem Sam atrás deles. Mas teve explicação: “Eles dizem que Sam é um bebê.” Se eu castigo um, o outro fica com raiva.
“Deixe o Sam em paz”, diz Tonio com insolência quando grito com o irmão. “Você fez o Tonio chorar”, briga comigo Sam quando discuto com Tonio.
Vão dormir, um em cima, o outro embaixo no beliche, e de manhã estão na mesma cama, enrolados juntinhos como filhotes numa caixa. Quando um deles tem pesadelo e vem para a nossa cama, minha mulher e eu já sabemos que antes de amanhecer o outro virá atrás.
Quando Sam costumava tirar longas sonecas à tarde, Tonio ficava rodando pela casa, desanimado, até o irmão levantar-se. Uma vez o vi de pé ao lado da cama, cutucando Sam e chamando baixinho “Sammy, Sammy”, tentando acorda-lo.
No maternal, Tonio pegava Sam pela mão e levava-o para a sala dos mais novos antes de ir para a sua. Quando a turma de Tonio fazia fila para o recreio, Sam corria até a porta da sua sala e gritava. “Oi Tonio”. O mais velho dava um largo sorriso e os dois trocavam acenos.
Não sei que tipo de relacionamento terão quando crescerem. Os pais sempre querem que os filhos tenham o que eles nunca tiveram. Desejo que sempre possam contar um com o outro. Assim, fico imaginando os dois na mesma universidade, casando-se com irmãs e vivendo na mesma quadra.
Fico muitas vezes de lado, observando ambos, imaginando como seria o irmão que não tive. Sinto-me tolo, um homem de meia-idade fantasiando um amigo de infância. No entanto, meus filhos mostram-me como poderia ter sido. Foi por isso que fiquei apavorado no dia em que Tonio entrou para o jardim da infância. Senti que também eu perderia algo.
Quando fomos para a escola, aquela manhã, os meninos pareciam tranqüilos, como se nenhum deles tivesse a menor idéia de que o dia ia ser diferente, de que a partir dali, Tonio estaria deixando para trás o irmão e melhor amigo, seu braço direito.
O primeiro dia de Tonio na escola foi caótico, com centenas de crianças do lado de fora, procurando os professores. Minha filha, Marian, que está na terceira série, saiu à cata dos amigos. Tonio, sem nem sequer se despedir, desapareceu com os novos colegas. Virou-se, acenou e sumiu.
Foi tão repentino. Sam nem o viu partir. Pediram aos pais que ajudassem a controlar a loucura do primeiro dia não entrando na escola, mas peguei Sam no colo e o levei até a sala de Tonio. Ficamos do lado de fora, tentando localiza-lo. Sam foi que o viu primeiro.
“Tonio!”, gritou Sam. Mas o desnorteado irmão nem olhou. Havia barulho demais. “Posso entrar?”, insistiu ele.
“Não”, disse, por fim. Eu seria repreendido pela professora. “Hoje não deixam. Quem sabe voltamos amanhã”
Quieto, Sam pousou a cabeça no meu ombro enquanto saíamos da escola. Minha mulher e eu decidimos não voltar direto para casa. Paramos num café para consolar Sam com um chocolate quente. Até deixamos que comesse com os dedos o creme chantilly. Sam ainda estava quieto e então lhe perguntei se já sentia falta do irmão. Ele não respondeu. Em vez disso, perguntou:
“Papai, Tonio vai ficar lá para sempre?”
“Não, Sammy”, respondi, iluminado pela doçura da sua pergunta.
“Para sempre, não, só até as três horas. “
Sam lambeu mais um pouco de creme dos dedos, parecendo intrigado, e então perguntou:
“Isto é para sempre?”
Naquele dia, pelo menos, “para sempre” durou até uma hora da tarde, quando Tonio foi mandado de volta para casa, com febre. Sam queria brincar, mas Tonio não se sentia nada bem. Na manhã seguinte, após desanimado café, ele disse que estava cansado e subiu para o quarto. Não foi à escola.
Quando dei uma espiada para ver como estava, tinha dormido. E lá estava Sam, com um brinquedo para passar o tempo, enfiado nas cobertas, ao lado dele. Esperava o irmão mais velho acordar, provavelmente aliviado em descobrir como “para sempre” era suportável.
Às vezes penso que minha maior realização é ajudar a criar esses irmãos. E não parei neles. Tivemos outro filho, pela terceira vez consecutiva um menino. Não demorou e o estrado do berço rachou por causa do peso dos irmãos mais velhos, que subiam lá para brincar com ele. Estou rodeado de irmãos.
É melhor do que jamais poderia imaginar.

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