terça-feira, fevereiro 13

Dá para acreditar na lei de Murphy?

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1998
Autor : Robert A . J. Matthews

Eis a ciência por trás dos pequenos aborrecimentos da vida.

Atrasado para o trabalho, você procura impaciente na gaveta das meias, sem conseguir encontrar um par. Na cozinha, sua torrada escorrega do prato e cai no chão – com o lado da manteiga para baixo, é claro.
Quando finalmente chega à rua, você vê as filas vizinhas de carros seguirem mais depressa.
Infortúnio pessoal? Ou a lei de Murphy, segundo a qual “se algo puder sair errado, sairá?”
Como seria de esperar, cientistas descartam a lei de Murphy considerando-a apenas um produto de nossa memória seletiva, que esquece as vezes em que tudo dá certo. No entanto, usando a Matemática e a Ciência, descobri que muitas das mais famosas manifestações da lei de Murphy se baseiam em fatos.
Interessei-me pela lei de Murphy depois de ler numa revista a descrição do que ocorre quando a torrada cai da mesa. O autor dizia que a torrada quase sempre cai com o lado da manteiga para baixo.
A princípio, pensei que o autor não havia repetido a experiência suficientemente. Entretanto, quando experimentei com um livro, primeiro com a capa para cima, quase sempre caía com a frente para baixo. O comportamento de um livro que cai estava longe de ser aleatório. Na verdade, a velocidade de sua rotação era suficientemente lenta para permitir que o livro (ou a torrada) fizesse uma volta completa e virasse para cima de novo no momento em que tocasse o chão. Resumindo, a torrada cai com o lado da manteiga para baixo.
E os outros exemplos da lei de Murphy? Eis alguns casos em que a ciência apóia a crença popular.

Levar guarda-chuva torna menos provável que chova
Como hoje os meteorologistas declaram precisão de mais de 80% na previsão de chuva em 24 horas, parece óbvio que levar um guarda-chuva ouvindo seus conselhos se revelará acertado quatro vezes em cada cinco. Esse raciocínio, porém, não leva em conta que, se a chuva não for freqüente, a maior parte das previsões corretas – que resultam nessa impressionante porcentagem de 80% - eram previsões de não chover. Isso não chega a impressionar, digamos, em cidades de pouca pluviosidade.
A probabilidade de chover enquanto você está dando uma caminhada de uma hora em geral é reduzida, em grande parte do mundo. Por exemplo, suponhamos que a dita taxa básica de chuva por hora é de 0,1, significando que a probabilidade de chuva durante qualquer hora seja de um para dez. em outras palavras, é dez vezes mais provável que não chova.
A lei das probabilidades mostra que até mesmo uma previsão de chuva 80% correta provavelmente estará errada durante a sua caminhada. Você acabará levando um guarda-chuva desnecessariamente.

A fila a seu lado em geral anda mais depressa
A verdade é: em média, todas as filas de um banco ou supermercado “andam” mais ou menos com a mesma velocidade. Cada qual tem probabilidade de sofrer atrasos ocasionais que ocorrem, por exemplo, quando o operador tem de trocar a fita da caixa registradora.
Em qualquer ocasião, porém, a probabilidade de que a fila escolhida por você sofra menos demoras ocasionais do que as filas vizinhas será de apenas uma em três. Em outras palavras, em dois terços do tempo, a fila da esquerda ou da direita passará à frente da sua.

Meias perderão seus pares rapidamente numa gaveta
A presença de meias descasadas tem sido atribuída a tudo, desde diabretes a buracos negros. No entanto, é possível desvendar o mistério das meias descasadas mesmo sem que se saiba para onde vão.
Imagine que há uma gaveta com apenas pares de meias casadas. Agora suponha que uma delas esteja faltando. Imediatamente, você tem um par descasado. Depois a segunda meia desaparece. Muito provavelmente é de um par completo, criando outra meia descasada na gaveta.
A perda ocasional de meias é sempre mais propensa a criar o maior número possível de meias descasadas. Por exemplo, se você começou com dez pares de meias completos, quando a metade de suas meias estiver faltando, é quatro vezes mais provável que você tenha uma gaveta cheia de meias descasadas do que uma que contenha somente pares completos.

O verdadeiro Murphy
Mesmo antes de ter nome, as pessoas já conheciam a lei de Murphy. Em 1786 o poeta escocês Robert Burnes escrevia: “Os melhores planos de ratos e homens estão predispostos a malograr.”
A versão moderna tem raízes nos estudos que a Força Aérea dos EUA realizou em 1949 acerca dos efeitos da rápida desaceleração sobre pilotos. Voluntários foram presos num trenó movido a foguete e seu estado foi monitorizado enquanto o trenó era parado abruptamente. Eletrodos ligados a um arreio faziam o acompanhamento.
Certo dia, depois do que parecia ter sido experiência impecável, o arreio deixou de registrar os dados. O capitão Edward A . Murphy Jr., um dos engenheiros dos estudos, descobriu que todos os eletrodos tinham sido ligados incorretamente, o que o levou a declarar: “Se houver duas ou mais formas de fazer alguma coisa, e uma delas levar a uma catástrofe, então alguém a fará.”
Mais tarde, a pesarosa observação de Murphy foi apresentada pelos engenheiros do projeto como excelente premissa de trabalho em engenharia de Segurança. Logo se transformou em declaração irreverente sobre a perversidade dos fatos do dia a dia.
De maneira irônica, por perder o controle do sentido original, Murphy tornou-se a primeira vítima de sua própria lei.

segunda-feira, fevereiro 12

Um bom coração como apoio

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1998
Autor : Augustus J. Bullock

Mais do que eu pensava, meu pai ajudou-me a manter o equilíbrio.

Quando eu ainda estava em fase de crescimento, ficava constrangido ao ser visto com meu pai. Ele sofria de grave deficiência física e era muito baixo. Quando caminhávamos, apoiava a mão em meu braço para se equilibrar. As pessoas nos olhavam muito. Eu me contorcia por dentro diante dessa atenção indesejada. Se meu pai algum dia notou isso, nunca o demonstrou.
Era difícil coordenar nossos passos – os dele vacilantes, os meus impacientes – e por essa razão não falávamos muito no caminho. Mas quando saíamos, ele sempre dizia: “Ande em seu ritmo. Vou procurar adaptar-me a ele.”
Nossa caminhada normal limitava-se a ir até o metrô ou voltar dele, pois essa era sua condução para o trabalho. Ele ia trabalhar mesmo doente e a despeito do mau tempo. Quase nunca faltava e chegava ao escritório mesmo quando outros não conseguiam. Uma questão de orgulho.
Quando o solo estava coberto por neve ou gelo, era-lhe impossível andar, mesmo com ajuda. Nessas ocasiões, minhas irmãs ou eu o puxávamos pelas ruas do Brooklyn, Nova York, num trenó até a entrada do metrô. Uma vez lá, ele se agarrava ao corrimão até alcançar os degraus mais baixos, mantidos livres do gelo pelo ar quente do túnel. Em Manhattan, a estação do metrô ficava no subsolo do prédio do escritório dele, e só precisava tornar a sair quando se encontrava conosco a caminho de casa.
Atualmente, quando penso nisso, fico assombrado diante da coragem necessária a um homem para submeter-se a tal indignidade e estresse – sem amargura ou queixas.
Nunca falava de si como objeto de piedade, nem demonstrava qualquer inveja dos mais afortunados ou capazes. O que procurava nos outros era um “bom coração” e, se os encontrava, seu dono lhe parecia bom.
Hoje, mais velho, acredito que seja esse um bom padrão para julgarmos as pessoas, embora ainda não saiba exatamente o que é um “bom coração”. Entretanto, percebo quando não demonstro ter um.
Sem poder exercer muitas atividades, meu pai ainda assim procurava participar. Quando um time de beisebol, jogando em terreno baldio, ficou sem dirigente, ele assumiu a chefia. Era apreciador e entendia de beisebol. Levou-me muitas vezes ao estádio para ver os jogos. Gostava de ir a festas e bailes, onde se divertia só de ficar sentado, observando.
Em certa ocasião, houve briga numa festa na praia. Todos se esmurravam. Não lhe agradava ficar sentado observando, mas não conseguia manter-se de pé sem ajuda na areia mole. Frustrado, começou a gritar: “Luto com qualquer um que queira se sentar comigo!” Ninguém quis. No dia seguinte brincaram com ele dizendo ser a primeira vez que um lutador era instado a levar um nocaute antes mesmo de começar a luta.
Hoje sei que participava de certas experiências indiretamente, através de mim, o filho homem. Quando eu jogava bola (mal), ele também “jogava”. Quando entrei na Marinha, ele também “entrou”. E quando eu ia para casa, de licença, ele fazia questão de que eu visitasse seu escritório.
Ao me apresentar, na verdade estava dizendo: “Este é meu filho, mas também sou eu, e eu poderia ter feito isso também, se tudo tivesse sido diferente.” Essas palavras nunca foram pronunciadas em voz alta.
Ele já se foi há muitos anos, porém penso muito nele. Pergunto-me se teria sentido minha relutância em ser visto com ele durante nossas caminhadas. Se sentiu, tenho pena de nunca lhe ter dito o quanto me arrependi, como fui indigno, como o lamentei. Penso nele quando reclamo de acontecimentos triviais, quando invejo a boa sorte de outros, quando não tenho “bom coração.”
Nessas ocasiões, imagino-me pousando a mão em seu braço, para recuperar meu equilíbrio, dizendo: “Ande em seu ritmo. Vou procurar adaptar-me a ele.”

quarta-feira, fevereiro 7

"Perigo - mulheres ao volante!"

fonte : Revista Seleções
data : outubro de 1974
autor : Joan Mills

Vamos acabar com este preconceito idiota, seus marmanjos?

Meu pai sempre dizia que dirigir automóveis era um trabalho altamente técnico, superior à capacidade das mulheres.
“Por que?” perguntou candidamente mamãe.
“Por que sim!”, ele respondeu, espantado por mamãe ter apenas perguntado.
Então, em 1936, minha mãe convenceu o rapaz que nos cortava a grama a lhe dar umas aulas de direção. Era um bom moço e... muito corajoso também. Quando mamãe conseguiu tirar carteira, pode-se dizer que não havia uma lata de lixo indene em todo o quarteirão, e por onde ela passava não crescia a grama.
Papai nunca dizia: “Viu o que você fez?” Apenas não entrava num carro dirigido por ela – só isso.
Mamãe adorava dirigir, e toda tarde minha tarefa era a de acompanha-la. “Que faço agora?”, perguntava ela, quase chorando, quando o carro morria numa curva ou ela pisava firmemente o freio com o pé esquerdo, enquanto o direito quase esborrachava o acelerador. Eu abria uma pequena fresta entre os dedos que me cobriam os olhos e via suas mãos e pés em desespero, e o tráfego se movimentando em nossa direção.
“O freio, mamãe! Só o freio!” eu gritava. “Você vai bater naquele caminhão de lixo!”
“Tenho duas regras de segurança”, ela dizia. “Conservar sempre o meio da estrada ou da rua e nunca ir a mais de 30 por hora.”
Quando ela dizia isso, eu me inclinava um pouco para a esquerda a fim de dar umas rápidas espiadelas no espelho retrovisor e ver a cara do motorista atrás de nós, o mesmo que não parava de buzinar um segundo nos últimos 10 quilômetros. Fascinada, eu o observava encostando seu pára-choques quase na nossa placa traseira e buzinando. “Chato!”, dizia mamãe serenamente, e então reduzia ainda mais a velocidade, para lhe aplicar uma lição.
Não havia muita gente capaz de ultrapassar mamãe, mas todos aqueles que o conseguiam não deixavam de vociferar algo ao passar por ela: “Mulheres ao volante!”
Realmente, mamãe era isso mesmo, uma mulher ao volante, e um dos maiores temores que assediavam meu caráter de adolescente era o de que eu também iria me tornar igual – derrapando sobre a linha do bonde, ligando o pisca-pisca para a esquerda e virando à direita, ou dando marcha a ré sobre o gramado dos vizinhos.
“Espero que você saia a mim”, dizia meu pai com certo orgulho.
Não saí. Papai dirigia como um louco, fazendo o diabo com os motoristas de táxi e os pedestres. Não saí também a meu avô, que enfiou seu primeiro Ford de bigodes pela porta dos fundos e saiu pela parede da frente, gritando: “Uau!” Também não dirijo como minha mãe. Acho que o faço como a maioria das mulheres que conheço.
Como é isso? Bem, durante anos nunca duvidei de que nós, mulheres, éramos naturalmente ineptas para guiar, e achava que, se conseguíssemos não nos meter em encrencas, era por pura sorte. Então, certo dia, surpreendi-me em meu velho Volkswagen passando as marchas habilmente embora estivesse cercada pelas crianças, um bolo de aniversário (com velas) e um gato miando nos meus ouvidos. De repente, me veio à cabeça que se, depois de tantos anos de direção, eu nunca tivera um acidente ou sequer uma multa, é porque tinha de ser boa motorista.
Desde essa grande revelação, venho tomando nota de tudo. Acho que a fama de bom ou mau motorista é algo que surge no ar e pode se espalhar por toda a cidade. Reconheço que nem todas as mulheres dirigem maravilhosamente. Uma de minhas melhores amigas enfiou o carro entre duas colunas de aço, de tal maneira que só conseguiram tira-la de lá cortando o veículo a maçarico.
É claro que conheço também algumas motoristas excepcionais. Sua competência ao volante tende a ser obscurecida, em minha opinião, pelas circunstâncias em que dirigem. Os homens voam com seus carros pelas pistas da Fórmula-1 ou levam pesados caminhões pelas estradas do país. Quando são muito bons, ganham prêmios, popularidade e aplausos, mas o público devia aplaudir também a mulher que usa o carro para levar os filhos à escola, traze-los para casa, ir às compras, etc.
No momento em que você lê isto, por exemplo, em algum lugar haverá mulheres dirigindo carros apinhados de saudáveis guris em uniforme que se dedicam a variadas brincadeiras, fazendo um infernal barulho e ainda cantando aos berros bem dentro dos tímpanos da pobre motorista, e, em quase todos esses carros, haverá um inocente nenê tentando apertar a buzina, e muitas vezes o conseguindo ( bi-bi, fom-fom, bi-bi, fom-fom ): e um bem nutrido cãozinho rosnado ameaçadoramente para tudo que se mova perto dele.
Lá vai a mulher, ao volante, impassível. Ninguém ficou impressionado? Ora, conheço mulheres que até dirigiram o próprio carro em que foram para a maternidade, dominando as dores do trabalho de parto!
As mulheres, hoje em dia, não se limitam a guiar carros – passaram também a compreende-los. Quando ouvem ruídos estranhos, sabem imediatamente se é um problema na correia do ventilador, a sirena de uma radio patrulha ou o bebê que molhou as fraldas. Há quanto tempo você não vê a clássica cena da mulher, com cara de desespero, ao lado de um carro parado no acostamento, agitando um lencinho e pedindo socorro? É mais provável que você veja agora a mulher debruçada sobre o motor para consertar a avaria.
Acho que somos geniais! Assim, se eu ouvir mais alguma vez um sujeito berrar “Perigo! Mulheres ao volante!”, vou descer do carro e tirar a coisa a limpo em nome de todas as mulheres!

terça-feira, fevereiro 6

O que há de errado com o aquecimento global?

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1999
Autor : Dennis T. Avery

A última vez que a Terra passou por uma era mais quente, os resultados foram positivos.

Todos nós já lemos histórias assustadoras sobre o aquecimento global. Embora alguns cientistas insistam que há motivo para alarme, as evidências indicam o contrário. O aquecimento global pode estar iminente mas, se chegar, não será necessariamente extremo. E pode, na verdade, vir a ser benéfico para o meio ambiente.
As primeiras visões alarmistas apresentavam modelos climáticos grosseiros gerados por computadores, prevendo aquecimento duas ou três vezes maior do que o atual. Hoje, os cientistas dizem que a temperatura da Terra deve aumentar cerca de 1,7 Celsius durante o próximo século.
Isso pode parecer muito, mas não é. O mundo já passou por um aquecimento semelhante num período bem recente da história. E nós adoramos! Entre os anos de 900 e 1300, a temperatura da Terra subiu cerca de 1,7 graus, segundo o Instituto de Ciência e Medicina de Oregon. Os estudiosos se referem a esse período – um dos mais favoráveis na história da humanidade – como o ideal climático medieval.
Muitos cientistas acreditam que a produção de alimentos aumentou expressivamente porque os invernos eram mais amenos e as estações de cultivo mais longas. Regiões chave para a agricultura sofriam menos enchentes e secas. (As chuvas eram mais freqüentes, mas evaporavam mais rapidamente.) As taxas de mortalidade caíram em muitos lugares, em parte por causa da diminuição da fome e em parte porque as pessoas passavam menos tempo aglomeradas em choupanas úmidas, enfumaçadas, que ajudavam a propagar a tuberculose e outras doenças infecciosas.
A prosperidade estimulou um surto de criatividade – na arquitetura, nas artes e nas invenções práticas. Na Europa, artífices construíram as altas catedrais que continuam a maravilhar turistas até os dias de hoje com sua beleza e engenharia perfeita. No sudeste da Ásia, o povo Khmer ergueu o grande complexo de templos da Angkor Wat. O moinho de vento e a roda de fiar passaram a fazer parte do cotidiano, enquanto novas técnicas de fundição levaram à fabricação de ferramentas melhores.
O comércio prosperou, em parte porque havia menos tempestades no mar. Os vikings descobriram a Groelândia por volta de 950. Fazia tanto calor que os colonizadores sobreviviam criando gado numa região hoje coberta pela tundra congelada.
A agricultura estendeu-se para o norte da Escandinávia, na Rússia e no Japão. Na Inglaterra, as temperaturas eram altas o suficiente para permitir uma próspera indústria vinícola.
Sabemos menos sobre o que aconteceu à América do Norte. O que sabemos é que, aparentemente, nas Grandes Planícies, no vale do Alto Mississipi e no sudoeste chovia mais do que hoje. Além disso, no norte da África há evidências de que o deserto do Saara tenha diminuído em conseqüência do aumento das chuvas.
Havia, é claro, pontos negativos. As estepes da Ásia e partes da Califórnia, por exemplo, sofreram períodos de seca. No entanto, de maneira geral, a experiência medieval do aquecimento global deveria nos tranqüilizar.
Segundo muitos cientistas, os fatos mais recentes apóiam esse otimismo. O aquecimento esperado deve moderar as temperaturas baixas à noite e no inverno, mais do que aumentar as altas temperaturas durante o dia e no verão. Assim, haverá pouco dano para plantas e árvores – ou para as pessoas.
O esperado aumento dos níveis de dióxido de carbono (CO²) em decorrência da queima de combustíveis fósseis poderia criar um ‘paraíso vegetal”. O CO² funciona como um fertilizante para plantas. Mais de mil experiências com colheitas em 29 países mostram que, se a quantidade de dióxido de carbono mundial dobrasse, o rendimento das colheitas aumentaria em 50%. E, com o nível de CO² elevado, as florestas do mundo todo ficariam mais resistentes, o que lhes permitiria sustentar um número maior de espécies selvagens.
A maior parte do custo do aquecimento global alardeado nos anos 80, estimado em um trilhão de dólares, baseava-se em previsões de que lugares como Nova York e Bangladesh seriam inundados pelos mares, porque as calotas polares derreteriam. Segundo os cientistas, esse quadro assustador é falso. Pode parecer paradoxal, mas um aquecimento moderado nas regiões polares – normalmente frias e secas – significaria na realidade mais gelo polar, e não menos. Se as temperaturas subirem alguns graus, haverá mais umidade no ar, mais neve, mais gelo polar.
Os alarmistas também alegam que um mundo mais aquecido poderia estar mais suscetível a climas extremos. Isso também é pouco provável. S. Fred Singer, professor emérito de Ciências do Meio Ambiente, na Universidade de Virgínia, diz: “Podemos esperar que os climas rigorosos sejam menos freqüentes por causa da redução dos gradientes de temperatura do equador aos pólos.”
Em outras palavras, quanto menor a diferença de temperatura entre o pólo norte e o equador, mais ameno é o clima. A maior parte do aquecimento, se acontecer mesmo, ocorrerá próximo aos pólos, com um aumento muito pequeno perto do equador. Assim, a diferença de temperatura que provoca as grandes tempestades será menor.

A história e a ciência da climatologia indicam que não temos nada a temer, a não ser os próprios alarmistas. O aquecimento global no século 21 deve ser modesto, trazendo de volta um dos períodos mais agradáveis e produtivos que os seres humanos – e a natureza – já experimentaram.

segunda-feira, fevereiro 5

Sempre a pé

Fonte : Revista Seleções
Data : setembro de 1983
Autor : Robert Thomas Allen

Fique em contato com as coisas fundamentais que fazem o mundo parecer melhor!

Numa manhã de sábado, há algum tempo, observei uma família que, acompanhada pelo seu cão, passava fazendo o Cooper, perto do meu apartamento. Pouco depois, uma menina de seus oito anos, vestindo uma roupa de treino vermelha, passou correndo, trancinhas ao vento, acompanhada por um homem de bicicleta – seu pai, treinador ou agente. Comecei a pensar se ainda haverá quem saia simplesmente para passear. Caminhar costumava fazer parte de nossa vida; era uma espécie de moralidade e um sinal de força de caráter, tal como manter o vinco das calças ou pagar as dívidas.
“Aquele moço é um grande andarilho”, diria uma senhora a propósito de algum jovem da vizinhança, como se pensasse que ele daria um ótimo genro; diria o mesmo, também a respeito de algum seu irmão de 50 anos, roliço, careca e solteiro (“Willy adora caminhar”), como se achasse difícil compreender por que é que ele não fora pescado por alguma mulher com sólido sentido dos valores.
Os médicos orgulhavam-se de fazer a pé as visitas domiciliares; com qualquer tempo, e ainda hoje, me parece ver o nosso médico de família surgindo por entre borrascas desencadeadas. Sacode a neve dos sapatos no vestíbulo, dirige-se para o quarto e dá pancadinhas no meu peito com os dedos compridos, frios e limpos, cheirando levemente a clorofórmio. “Não tem nada grave este rapaz”, diz, e aconselha mamãe a esfregar linimento no meu peito, dar-me limonada quente, embrulhar-me o pescoço em flanela vermelha e obrigar-me a ficar de cama até o fim de semana. “Ouvi contar que você é um grande andarilho”, diz ele ao sair, para papai, que o aguardava no fundo das escadas.
Meu pai ia a pé para o centro da cidade, onde trabalhava como ourives, e regressava de novo a pé todos os dias, inclusive sábados; caminhava com passadas longas e descontraídas, balançando os braços ou por vezes com uma das mãos atrás das costas. Chegava para jantar, fosse sob uma temperatura gélida ou debaixo de uma tempestade de neve, com os óculos embaçados e o rosto rosado e feliz, louvando o prazer de respirar o ar frio e puro: “É como beber um copo de vinho.”
Algumas das minhas recordações mais agradáveis são de passeios no inverno. Lembro-me das voltinhas que dava depois do jantar com o meu vizinho do lado, que adorava sair quando havia nevascas. Assim que a neve começava a cair contra as vidraças e a amontoar-se nas ruas, era certo o telefone tocar: “Você quer ir dar um passeio?”
Nossas mulheres ficavam nos observando através das janelas das salas até desaparecermos rua abaixo, como personagens tiradas de Guerra e Paz.
Dirigir, nos primeiros dias em que surgiu o automóvel, era considerado ligeiramente imoral e um sinal de decadência. “Ir de carro?”, perguntava alguém quando sugeríamos pegar o carro da família para ir buscar um tijolo de sorvete quatro quarteirões adiante. “Que é que você quer dizer com isso?” Tal sentimento nunca consegui ultrapassar completamente, e mesmo hoje, por vezes quando entro no carro para me deslocar a seis ou sete quarteirões até o shopping center, dou por mim sentindo-me culpado, como se tivesse perdido a minha fibra moral.
Quando consegui meu primeiro emprego, eu dava longos passeios durante a hora do almoço. De vez em quando, encontrava um colega do escritório que me parecia algo diferente de quando estava no trabalho, com a gola do casaco levantada, luvas calçadas, debruçado sobre uma ponte ou olhando a vitrina de uma loja de penhores. Íamos a pé, do trabalho para casa, a fim de economizarmos dinheiro. Às vezes, quando vejo algum jovem caminhando rapidamente, não posso deixar de pensar que deve ter ficado a trabalhar até mais tarde nalguma loja de departamentos, e está atrasado para ir para casa (digamos, por exemplo, uns 50 anos); vai a pé para poupar o dinheiro da condução e juntá-lo ao que poupou comendo menos ao jantar, pois está economizando para se casar com a moça gordinha e gentil que trabalha na seção de reembolso.
Hoje em dia é difícil acreditar, mas no meu tempo levávamos as garotas a passear. Subíamos os degraus de uma varanda sombria, numa noite de breu, num bairro desconhecido, seis quarteirões ao sul do lugar onde vivíamos, fazíamos rodar a campainha da porta, tocávamos a aba do chapéu e convidávamos: “Você não gostaria de dar uma volta?” “Adoraria”, respondia ela, se você tivesse sorte. “Espere aí que vou pedir ao papai.”
Tenho reparado que as pessoas estão começando a achar que caminhar, quando há possibilidade de ser transportado, é algo meio incomum, se não completamente anormal. Numa parada de ônibus, ouvi uma senhora comentando sobre outra, alta e ruiva, que passara caminhando magnificamente inclinada contra o vento. (“Ela vai a pé para casa todas as noites!”). Falava como alguém que colecionasse velharias.
Apesar de tudo isso, espero que as pessoas não esqueçam o prazer de caminhar. Alguns dos melhores momentos do meu dia a dia são quando me dirijo para casa, vindo do centro, ao longo de uma rota já conhecida. Há um carvalho muito grande e velho no caminho e, ao passar, sempre toco a sua casca rugosa e reconfortante, como se de um abrigo se tratasse. Há também uma mesa de piquenique que eu gosto de admirar. Quando o sol brilha sobre ela, dá a sensação de que está no centro do universo. Não sei bem por que, mas ela sempre melhora minha disposição; talvez seja qualquer coisa na maneira como está ali, ensolarada, tranqüila e recatada, que me faz sonhar com cestas de piquenique, corridas de sacos, sanduíches, bebês e avós.
Existe certo momento durante um passeio, se ele for suficientemente longo, em que a tensão e a rigidez dentro de nós se desfazem subitamente e nos tornamos parte do mundo à nossa volta – num dia bonito, chuvoso, calmo ou nevoento; numa manhã de verão, suave e fragrante, em que o mundo cheira a flores, a asfalto, a terra, a grama e a árvores mornas, e nos recorda outros dias de verão que conhecemos. Paramos só para olhar a beleza simples de uma velha e ferrugenta cerca de estrada de ferro, ou de um gramado esquecido, semeado de dentes de leão e margaridas.
Há algum tempo tive de sair para ver alguém numa noite fria, negra e impossível. Peguei o metrô; mas, quando terminei a minha entrevista, saí para dar um passeio e, aparentemente, era eu a única pessoa que caminhava pela cidade...ou no mundo! Dois jovens policiais numa radio patrulha observaram-me interessadamente, como se alguém andando cá fora numa noite assim não pudesse estar fazendo aquilo apenas por prazer. O fato é que eu estava. Ia tomando contato com coisas fundamentais, como o silêncio, o mover minhas pernas e meus braços, o respirar o ar fresco, o olhar para o alto através das ramadas das árvores – coisas que fazem o mundo parecer melhor, como sempre acontece quando se sai a passear.

sábado, fevereiro 3

O urgente e o fundamental

Fonte : Revista Seleções
Data : Dezembro de 1983
Autora : Linda Tyler

Há assuntos fundamentais e outros meramente urgentes. Saber distingui-los pode proporcionar momentos inesquecíveis pela vida afora.

Certa manhã, faz pouco tempo, quando eu tentava acabar de lavar apressadamente a louça do café da manhã (para poder atacar 25 outros assuntos pendentes) senti um puxão na perna. “Mamãe, me põe no colo?”, pedia minha filha de dois anos, chupando o dedo e me abraçando.
“Agora, não, Laurinha. Tenho muito que fazer. Vá brincar que eu nano você depois do jantar.” Laura deu meia volta, obediente, com o cabelo louro a dançar aos seus passos curtos e roliços, e foi para o quarto dela.
Eu estava a mira-la, quando percebi que, dentro de uns seis meses, o andar dela seria diferente; o pedido, um pouco mais amadurecido; e este momento, uma recordação. Mas não gostei daquilo que eu iria ter para lembrar. “Laurinha, vem cá, vamos brincar, sim”, chamei eu. Enxuguei as mãos e, durante uma inestimável meia hora, eu a embalei e cantamos juntas. Por fim, ela se cansou e saltou para o chão para ir brincar bem alegremente sem mim.
Não me lancei outra vez à atividade logo em seguida. Empurrei para o fundo do pensamento a interminável lista de coisas para fazer fixada na porta da geladeira. Pensei nas vezes em que eu tinha trocado o que era fundamental pelo que era só urgente. Eu iria sempre acarinhar na memória aquele tempinho que Laura e eu havíamos passado hoje juntas. Nada poderia substitui-lo, mas eu quase o trocara por deveres que pareciam mais urgentes.
Lembrei-me de vezes em que o meu marido tinha dito “Linda”, venha sentar-se ao pé de mim um momento”; e eu tinha escolhido dobrar as últimas toalhas do secador de roupa ou fazer algum trabalho do comitê. Jim estaria sempre ali; eu iria para junto dele quando tivesse tudo em dia – havia sido essa a minha idéia. Eu era capaz de reparar isso agora. Momentos com Jim, especialmente a seu convite, eram preciosos demais para serem relegados para “quando eu puder”.
Ainda esta manhã eu tinha de novo pensado ir a pé com o meu filho até o jardim de infância, em vez de leva-lo de automóvel ao longo daqueles quatro quarteirões, mas parecia-me que havia tanto para fazer! Sorri ao perceber que havia já sete meses que eu vinha prometendo que começaríamos a ir a pé. Os momentos passados a andar vagarosamente por ruas ladeadas de árvores, antegozando o seu dia, ou ouvindo-o falar dele posteriormente, podiam contar-se entre os mais preciosos das nossas vidas. Como tinha eu permitido que tantas coisas tivessem prioridade sobre isso?
Pensando na minha terrível lista, considerei uma outra – a dos nomes de amigos íntimos com quem vínhamos perdendo contato por eu não ter tempo para escrever. Os mais penosos de considerar eram os pais de Jim e os meus, a mais de 3.000km de distância. Eu sabia que eles adoravam relatos das atividades das crianças; mas eu raramente conseguia escrever uma carta curta. Eu estava enganando os avós a respeito dos seus netos.
Levantei-me da cadeira de balanço com uma perspectiva nova daquilo que era importante. Tinha-me deixado apanhar a ponto de me esquecer das coisas preciosas que constituem a parte mais importante da minha vida. Reconheci que essas coisas fundamentais são realmente urgentes, mas muitas vezes o entendimento disto chega tarde demais.
Toalhas, a louça e os comitês podem esperar; filhos, marido, família e amigos é que, às vezes, não.

sexta-feira, fevereiro 2

TIKAL: A misteriosa cidade dos maias

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1971
Autor : Scott e Kathleen Sergers

Inexplicavelmente abandonada há quase 1.000 anos, esta majestosa cidade surge-nos em deslumbrante isolamento na selva guatemalteca.

Quando o velho DC-3 sobrevoava o Departamento de El Petén, na Guatemala, uma torre de pedra branca brilhante rompeu subitamente através do verde infinito da mata, elevando-se 30 metros acima das copas das árvores. Logo surgiu mais uma grande torre, e mais outra. O avião preparou-se para o pouso e nos 30 segundos antes de aterrarmos vimos lá embaixo, dispersos, uma meia dúzia de enormes templos, pátios e as paredes sem telhado de igual numero de palácios maciços.
Este vôo de 80 minutos da Cidade da Guatemala para o Norte tinha-nos recuado 10 séculos até Tikal, a grande metrópole dos índios Maias, que, sem instrumentos de metal, rodas ou bestas de carga, levaram um milênio construindo edifícios impressionantes, para depois, há 1.000 anos, os abandonarem misteriosamente.
Desde o ponto mais setentrional da península de Yucatã até ao limite sul, em Honduras, os Maias dominavam uma área de cerca de 900 quilômetros por 550 de largura, quase toda de florestas, mas abrangendo planaltos aqui e ali. Construíram Chichén Itzá, Mayapán, Palenque, Copán, Kaminaliuyú e outros monumentos grandiosos – nomes que soam como uma ladainha bárbara. Não constituindo propriamente cidades, eram centros densamente povoados, onde mercadores, políticos, sacerdotes e nobres viviam em esplendor cercados de servos.
Apesar da precisão dos registros meticulosamente gravados nas estelas e nos edifícios, o mistério envolve as origens, a história e o destino dos Maias. Faces esculpidas em relevo nos monumentos – tal como as dos seus descendentes que até hoje vivem nestas regiões – apresentam grande semelhança com as de antepassados asiáticos. Crêem os arqueólogos que os seus antecessores vieram por terra da Sibéria para o Alasca, talvez há 15.000 anos, antes da fusão dos glaciares ter elevado o nível do Mar de Bering; depois deslocaram-se para o sul, numa lenta migração que durou milênios. Não se sabe o que os levou a trocar as férteis terras do sudeste do México pelo solo seco da península de Yucatã e de Petén. Artefatos submetidos a testes de carbono 14 indicam apenas que se fixaram aí seis ou oito séculos antes de Cristo.
Um dos grandes mistérios é como as tarefas de proverem alimentos nestas regiões tão precárias ainda deixavam aos Maias tempo suficiente para dominarem uma arquitetura requintada, a matemática e a astronomia. Os templos e palácios apresentam proporções tão perfeitas como as atingidas por qualquer povo na história. Com exatidão inigualável, previram os eclipses até ao século XX. Seu calendário civil, dividido em ciclos de 52 anos, erra em apenas algumas horas, e um outro calendário, cerimonial, baseado nos movimentos de Vênus, contém uma diferença de apenas um único dia em 6.000 anos (o calendário que usamos, o Gregoriano, contém um lapso de um dia em cada quatro anos)!
Acredita-se que os Maias tenham inventado esse símbolo matemático fundamental – o zero – pelo menos 300 anos antes dos Hindus pensarem nele, assim como desenvolveram uma graciosa escrita hieroglífica.
Espantosas como sejam essas realizações, o grande mistério dos Maias é o fim da sua civilização. Especialistas dispõem de meia dúzia de teorias, mas o que se sabe concretamente é que, por volta do ano 900 D. C. , eles começaram a abandonar suas cidades, algumas das quais, como Tikal, ocupadas durante 1.500 anos ininterruptamente.
Num esforço para resolver alguns desses quebra-cabeças, o governo da Guatemala fez um contrato, em 1955, com o Museu da Universidade da Pensilvânia para a exploração, escavação e restauração parcial de Tikal, considerada por muitos arqueólogos o mais impressionante grupo de ruínas no Hemisfério Ocidental.
Os arqueólogos do Museu não começariam do princípio, pois um século de investigação esporádica, realizada por cientistas suíços, ingleses, alemães e americanos já tinha decifrado a matemática Maia e grande parte dos hieróglifos. Pensava-se, por exemplo, que o símbolo escrito para Tikal, era o mesmo que para umbigo, podendo, conseqüentemente, o nome significar o “Centro do Mundo Maia”.
Para dirigir os trabalhos, o Museu da Universidade contratou Edwin M. Shook, arqueólogo sóbrio e enérgico com vasta experiência em regiões maias, e destinou 800.000 dólares para um projeto de 10 anos em Tikal. Acompanhado de um estudante de arqueologia e de operários, Shook chegou em janeiro de 1956, sendo seguido por muitos outros.
Uma das primeiras e mais importantes descobertas de toda a expedição – a famosa “Estela 29” – foi encontrada por acaso, em 1959, quando um trabalhador percebeu uma ponta da Estela caída na floresta, oculta pela folhagem. Depois de um dia de cuidadosa escavação, Shook conseguiu levantar as duas faces esculpidas da Estela, que mostravam, em baixo relevo, os perfis de sacerdotes ou nobres, ricamente vestidos. Descobriram-se glifos na parte de trás da Estela. Apresentavam também símbolos matemáticos que datavam a escultura do ano 292 d. C., o mais antigo monumento até então descoberto na planície maia.
Foi este trabalho de investigação entusiasta e infatigável que levou a outra descoberta emocionante. Julga-se que os Maias sepultavam os corpos dos dignitários no centro de um templo, construindo depois, em volta e por cima do antigo, um novo templo. O arqueólogo Aubrey Trik tinha passado três longos e fatigantes anos abrindo túneis através da base sólida da pirâmide de pedra, na qual se eleva o Templo 1, símbolo de Tikal, sem encontrar um único túmulo.
Suas primeiras anotações mencionavam pedaços dispersos de sílex decorativo, encontrados a alguns metros da entrada do primeiro túnel. Seguindo essa trilha como se fosse um filão de ouro, Trik escavou em ângulos retos a partir do túnel inicial. A pouco mais de sete metros e meio para o interior, descobriu o túmulo.
Detritos de 1.200 anos foram removidos pouco a pouco. Aí, sobre um banco baixo de pedra, jazia o esqueleto de um homem alto. Cobria-lhe o crânio uma grande concha redonda, perfurada regularmente a toda a volta, e de cada buraco pendia um quadrado de cinco centímetros de jade cortado.
Usava um magnífico colar de tubos de jade, com 7,5 a 10 centímetros de comprimento, e dois colares de contas furadas, também de jade, cujo diâmetro variava entre 1,25 e mais de cinco centímetros. Entre as pernas, um comprido e esguio tubo de jade com uma pérola perfeita na ponta. Incluindo as pulseiras, adereços para os tornozelos e brincos, estes ornamentos pesavam mais de sete quilos.
Como os templos, encontravam-se túmulos em todos os níveis, à medida que os arqueólogos escavavam através das camadas dos séculos, descobrindo e catalogando cuidadosamente os achados. Esperavam cavar até ao leito da rocha.
De 15 quilômetros quadrados quase completamente cobertos de edifícios maciços e calçadas de pedra, os arqueólogos selecionaram o grupo central de edifícios a ser restaurado. Usando a macia pedra calcária das seculares pedreiras maias, os operários revestiram pirâmides, templos e palácios reconstruídos com pedra trabalhada.
Hoje, como há 1.000 anos, o coração do complexo é a Plaza Mayor, onde duas pirâmides íngremes, coroadas com templos majestosos, se encontram face a face, nos dois extremos de uma plataforma de pedra do comprimento de um campo de futebol. Ao sul, margeando a Plaza, estendem-se palácios de dignitários, que por si só seriam enormes num conjunto menos gigantesco. Pode-se andar durante horas através das dezenas de salas e grandes pátios internos. Diante dos templos, em duas filas ao longo da margem norte da Plaza, erguem-se as estelas, medindo a maior parte dois e meio a três metros de altura, cercados por seus altares circulares de pedra, com cerca de um metro de largura, exibindo baixos relevos de personagens em vestes de gala.
Da Plaza Mayor saem caminhos de pedra elevados, alguns com 60 metros de largura, conduzindo através da floresta a outros grupos de edifícios monumentais. Numa curta distância elevam-se mais três templos com cerca de 55 metros de altura. O Templo IV, com 190.000 metros cúbicos de pedra e mais de 60 metros de altura, é uma das mais altas estruturas pré colombianas no Hemisfério Ocidental.
Para além da área onde se efetuavam as cerimônias, as ruínas de Tikal estendem-se por muitos quilômetros em todas as direções. Localizaram-se mais de 3.000 edifícios de pedra, grandes e pequenos, tendo sido escavada apenas uma parte. Na zona periférica dos edifícios espalham-se pela floresta milhares de baixas plataformas de pedra. Arqueólogos acreditam que estas serviam de base às casas dos lavradores que cultivavam o milho, e que na entressafra provavelmente forneciam mão de obra para a construção dos edifícios.
Apesar das grandes distâncias que tinham de ser percorridas a pé, Tikal mantinha um próspero comércio com outras cidades maias. Provavelmente trocavam resinas, peles de animais, cacau e utensílios e armas de sílex por nefrita dura e pesada (para machados), obsidiana, penas verde metálicas da cauda do pássaro. Quetzal, e pelo mais sagrado dos materiais maias, o jade. Tudo isto vinha dos planaltos. As conchas, também importantes nas cerimônias, vinham da costa.
Os cálculos da população de Tikal variam, mas era provavelmente superior a 40.000 habitantes numa área de 160 quilômetros quadrados. Aparentemente o poder era exercido por uma pequena classe dirigente da qual se escolhiam os sacerdotes e os chefes.
Essa grandiosa civilização parece ter sucumbido subitamente por volta do ano 900 d. C. Não se sabe o que aconteceu, mas Tikal foi abandonada, blocos de pedra já cortados permaneceram intocados nas pedreiras, estruturas foram deixadas pela metade, e o povo partiu. Afirmam alguns especialistas que eles abandonaram a cidade em protesto contra a carga crescente de construções e cerimônias imposta pelos governantes. Outros dizem que à medida que crescia a população, os lavradores tinham de se afastar do centro para encontrar terra fértil para o milho. Quando o trajeto se tornou demasiado longo e só podiam regressar esporadicamente, eles levaram as famílias consigo definitivamente. Outras teorias hoje refutadas, sugeriam que a peste, invasões, ou uma catástrofe natural teria provocado a queda dos Maias, que, misteriosamente, ocorreu dentro do mesmo período em todas as suas cidades.
Em 1969, após 13 anos de escavações e restaurações, o Museu entregou Tikal ao governo da Guatemala, que fizera da área o primeiro parque nacional da América Central. Serão necessários mais 10 anos de pacientes trabalhos até que todo o material reunido no local possa ser corretamente analisado e acrescentado ao que se conhece sobre os Maias. Poderá então começar-se uma outra etapa de escavações.
Enquanto isso, estudiosos, cientistas e turistas vem de todas as partes do mundo para admirarem os vestígios da civilização Maia. Vale a pena a viagem. Na noite anterior à nossa partida de Tikal, ficamos sós na Plaza Mayor, depois dos outros visitantes terem-se recolhidos à pousada próxima. À medida que o sol se punha por trás das árvores, a noite tropical infiltrava-se rapidamente na floresta até aos edifícios mais baixos, ficando só as altaneiras cristas dos telhados dos templos dourados pelos últimos raios. Depois, escureciam-se as espiras dos templos, recortadas no céu azul escuro, enquanto uma Lua quase cheia espreitava no horizonte. Lentamente essa luz cheia de mistério espalhou-se pela Plaza, marcando o contorno dos templos e iluminando as estelas silenciosas. Era empolgante a impressão gigantesca das formas e de sua eternidade.
Ficamos sentados nas escadas do templo durante bastante tempo, hipnotizados, como muitos outros antes de nós, pelo mistério de 2.500 anos deste estranho lugar.

quinta-feira, fevereiro 1

A magia de Andrés Segovia

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1971
Autor : Noel F. Busch

Outrora considerado próprio apenas para botequins, graças a Andrés Segovia, o violão forma hoje ao lado de qualquer grande instrumento de concerto a magia de Andrés Segovia.

No palco só um banco de piano e um banquinho com precisamente 12 centímetros de altura. Uns três minutos depois da hora marcada, um setuagenário gorducho, de ar tranqüilo, vestindo casaca, aparece lentamente carregando seu belo violão. Acomoda-se no banco de piando, apóia o pé esquerdo no banquinho menor e olha para a platéia com uma expressão suave de indulgência. Cessa o rumor das conversas e, depois de um silêncio total, de talvez uns 20 segundos, seus dedos fortes começam a mover-se pelas cordas. Daquele momento em diante os ouvintes experimentam um raro e inesquecível encantamento. Porque o executante é Andrés Segovia, o maior violonista clássico do mundo.
Para principiantes, há poucos instrumentos mais fáceis que o violão. Com apenas alguns acordes simples em seus repertórios, milhões de pessoas no mundo inteiro arranham seus violões e se divertem à grande. Mas tocar bem é outra coisa. O violão tem uma gama imensa de tons e timbres, e uma extensão tão rica e complexa quanto o violino. Para conservar sua técnica, Segovia ainda hoje exercita-se cinco horas por dia.
Desde os 15 anos o principal objetivo de Segovia tem sido elevar seu instrumento no conceito público a um nível comparável ao seu próprio. Isso ele conseguiu fazer melhor do que esperava, e ainda por cima enriqueceu. Da maioria dos 30 LP’s que gravou venderam-se mais de um milhão de cada disco, que lhe renderam entre 90.000 a 100.000 dólares por ano.
Aos 78 anos de idade, Segovia continua a dar de 50 a 75 concertos por ano na Europa e nos Estados unidos, todos – sem qualquer publicidade a não ser uma notinha nos jornais – com lotação esgotada (proporcionando-lhe uma renda anual de 250.000 dólares). Diz Sol Hurok, seu empresário nos Estados Unidos: “Se tivéssemos tempo de dar cinco recitais por ano em Nova York, em vez de três, seria fácil esgotar a lotação de todos.”
O público de Segovia consiste principalmente – como o dos espetáculos de conjuntos de rock – de gente jovem, para quem a música de violão parece ter um atrativo especial. “Gosto de roubar os jovens aos Beatles”, diz Segovia rindo. Mas os concertos de Segovia não são absolutamente semelhantes aos espetáculos meio caóticos da maioria dos grupos de rock. Se se ouvir qualquer ruído que não a sua música, Segovia para de tocar e espera calmamente que se restabeleça silêncio absoluto.
Em suas tournées pelo mundo, Segovia leva apenas um violão, que é o que ele pode carregar pessoalmente. Dispensa os maiores cuidados ao instrumento, leva-o para a sala de concerto e o traz de volta, e regula a temperatura de seus aposentos tanto para sua conveniência quanto para a do violão.
Nos Estados Unidos, em pleno inverno, por exemplo, a primeira providência de Segovia ao entrar numa suíte de hotel é desligar o aquecimento e abrir as janelas para refrescar o quarto até obter a temperatura que ele considera adequada ao violão. O instrumento que ele usa foi fabricado por José Ramirez, de Madrid, a quem considera um dos três melhores fabricantes do mundo. É feito de seis qualidades de madeira e vale perto de 500 dólares.
Referindo-se aos seis meses do ano que passa excursionando, Segovia diz: “Levo vida sedentária, a 800 quilômetros por hora.” No resto do ano ele está com sua jovem esposa, Emilia ( a terceira ), e o filhinho Carlos Andrés, em sua grande casa de campo perto de Granada, e em Santiago de Compostela – algumas semanas de verão – dando aulas particulares a alunos escolhidos. Perto dos 80 anos, a não ser pela catarata – foi operado em 1968 e novamente em abril deste ano – goza de excelente saúde e disposição.
Segovia ouviu um violão pela primeira vez quando criança em sua aldeia natal na Andaluzia, e o som pareceu-lhe ser o que esperava desde que nasceu. Era o seu som, a aos 10 anos já estava a caminho de tornar-se excelente executante.
Mas havia em seu caminho um enorme obstáculo. Na Espanha do fim do século, o violão era considerado instrumento apenas de músicos ciganos que acompanhavam dançarinos flamencos. Criado em Granada por tios abastados, Segovia aprendeu os rudimentos da técnica de um violonista flamenco que virara barbeiro. Mas quando tratou de tomar aulas com um professor de nome, não encontrou nenhum.
No Instituto de Música de Granada, onde passou a maior parte de sua adolescência, Segovia aprendeu a tocar sozinho, aperfeiçoando a técnica aprendida com o barbeiro. Um desses aperfeiçoamentos foi manter o polegar da mão esquerda bem baixo, atrás do braço do violão, em vez de curvado em volta dele, ampliando assim o alcance dos outros quatro dedos. Outro foi manter a mão direita em posição vertical às cordas, dessa forma aumentando a capacidade de feri-las. Diz Segovia: “Tornei-me meu próprio mestre – e também aluno. Ainda hoje é assim, apenas o mestre está agora mais satisfeito.”
Pesquisando bibliotecas musicais em busca de velhos manuscritos e adaptando as partituras dos grandes compositores para outros instrumentos, Segovia em breve adquiriu um repertório clássico suficiente para demonstrar sua firme convicção de que o instrumento então desprezado podia rivalizar com o piano ou o violino como meio de interpretação. Mas quando um amigo conseguiu-lhe um recital informal em Granada, em 1910, Segovia assombrou-se ao ver que a platéia, embora convertida ao violão, atribuía o sucesso mais à sua interpretação do que às virtudes do instrumento.
Forçado a interpretar o papel de virtuose do violão, continuou a dar recitais. Por fim, em 1913, ele teve o que chamou sua “verdadeira estréia”, em Madrid. Segovia achou que a ocasião exigia um violão realmente bom. Como os pianistas de concerto geralmente alugam seus instrumentos, ele não via motivo para um violonista de concerto não fazer o mesmo, e procurou a loja então dirigida por Manuel Ramirez, tio avô do atual proprietário. Divertido com a presunção daquele jovem inteiramente desconhecido, Ramirez deu-lhe licença para procurar um violão que lhe agradasse. Tendo encontrado o melhor da loja, Segovia sentou-se e durante meia hora ensaiou a música que havia escolhido para o recital.
Ramirez escutou-o a princípio com surpresa, depois com assombro. Quando parou de tocar, Segovia disse:
“Gosto deste. Quanto o senhor cobra de aluguel por uma noite?”
Com os olhos cheios de lágrimas Ramirez respondeu:
“Nada. O violão é seu. É presente.”
O concerto em Madrid foi um sucesso retumbante, e a estréia de Segovia como astro internacional deu-se 11 anos depois em Paris, diante de uma platéia de celebridades. A acolhida que recebeu do público e dos críticos deu-lhe de um dia para o outro, aos 31 anos, o título de melhor violonista do mundo.
Um motivo da insistência de Segovia por silêncio absoluto em seus concertos é que as notas do violão são mais suscetíveis de serem abafadas do que as da maior parte dos outros instrumentos de concerto. Outro motivo é que a algazarra típica dos teatros e tabernas de danças flamencas parecia-lhe demonstrar exatamente aquele desrespeito pelo instrumento que ele deplorava. Por isso, logo aprendeu a não dar recitais em casas particulares, onde, conforme observara, as anfitrioas européias convidavam gente de mais e depois não conseguiam manter os convidados em silêncio.
Ao chegar aos Estados Unidos, pela primeira vez, em 1928, Segovia ficou aborrecido ao verificar que seu primeiro recital seria numa casa particular, na distante vila de Proctor, no Estado de Vermont. Apesar de ser o homem mais afável do mundo, exceto quando sua dedicação ao violão está em jogo, Segovia ameaçou cancelar a excursão se não o desobrigassem do compromisso, e só o convenceram a reconsiderar sua decisão mediante ameaças de sérias sanções legais.
Ao chegar à modesta casa de Proctor, onde deveria hospedar-se, Segovia jantou e depois conduziram-no ao seu quarto, onde ele vestiu seu traje a rigor. À hora marcada desceu de sobretudo, preparado para ir aonde fosse o local do concerto. Só então soube que seria ali mesmo, na casinha em que estava hospedado. Levado à sala de estar, descobriu que a platéia era formada de três pessoas, a idosa dona da casa, sua dama de companhia e seu irmão.
A mulher então explicou que tinha assistido à sua estréia em Paris, e tornara-se imediatamente sua admiradora, tanto que insistira em contrata-lo para seu primeiro espetáculo nos Estados Unidos, pagando-lhe tanto quanto ele recebia normalmente quando tocava para uma sala repleta. Profundamente comovido com a homenagem, Segovia teve uma das noites mais felizes de sua vida musical.
Setenta anos de violão tiveram certos efeitos sobre o físico de Segovia. Para começar, suas mãos não são do tipo delicado, esguio, de dedos longos, geralmente próprias dos músicos. São grossas, fortes, musculosas. Depois, devido a muitos anos de distensão, os dedos da mão esquerda tem cerca de seis milímetros mais do que os da direita, e as unhas são cortadas de maneira diferente. Enquanto a maior parte dos violonistas flamencos tangem as cordas com as unhas e alguns violonistas clássicos anteriores a Segovia as tangessem com as pontas dos dedos. Segovia criou um sistema de tocar com as pontas tanto quanto com as unhas, numa mistura que constitui uma das nuanças da sua técnica. Para facilitar isso, ele deixa que as unhas da mão direita cresçam cerca de uns quatro milímetros além da carne, enquanto as da esquerda são aparadas muito mais curtas, para não impedir que as pontas dos dedos toquem as cordas.
Em sua campanha para elevar o prestígio do violão, Segovia não se contentou apenas em demonstrar sua virtuosidade de excecutante. Tem feito também tremendos esforços – e com sucesso – por descobrir ou adaptar composições clássicas para o violão, tem convencido compositores modernos a escreverem para o violão e ensinou pessoalmente a uma nova geração de violonistas clássicos que estão seguindo seus passos.
O fato de que esse ressurgimento do violão tem sido suas principais manifestações no rock e na música popular não preocupa Segovia em absoluto. Talvez a amplificação eletrônica seja supérflua, mas ele aprova os executantes porque refletem por pouco que seja, o amor que ele sente pelo violão.
Na opinião de Segovia, a beleza estética consiste essencialmente em um ato de amor entre o artista e seu meio de criação. Talvez seja este sentimento que se comunica ao público quando, nos momentos de absoluto silêncio que precedem um recital, Segovi pega o violão e fere suas cordas mágicas.