terça-feira, outubro 28

A história das oito vacas de Johnny Lingo



A história das oito vacas de Johnny Lingo
Autora : Patricia McGerr
Revista : Woman’s Day – novembro de 1988

Republicada no livro ‘As 3 escolhas para o sucesso’.

     Quando viajei de vapor para Kiniwata, uma ilha do Pacífico, levei um caderno de anotações. Ao voltar, trazia-o cheio de descrições da flora e da fauna, dos costumes e trajes nativos. Mas a anotação de que mais gosto é a que diz: “Johnny Lingo deu oito vacas ao pai de Sarita.”
     Lembro-me dela sempre que vejo uma mulher humilhando o marido ou uma esposa murchando por causa do desprezo do seu cônjuge. Sinto vontade de dizer-lhes: “Vocês deviam saber por que Johnny Lingo pagou oito vacas pela esposa.”
     Johnny Lingo não era seu nome verdadeiro. Mas assim o chamava ShenKin, o gerente da casa de hóspedes em Kiniwata. ShenKin vinha de Chicago e tinha o hábito de americanizar os nomes dos ilhéus. Mas muita gente chamava Johnny desse jeito. Se eu quisesse passar alguns dias na ilha vizinha, Nurabandi, Jonny me levaria. Se quisesse pescar, ele me mostraria o lugar ideal. Se buscava pérolas, ele conseguiria as melhores barganhas. Embora todos em Kiniwata se referissem a Johnny Lingo com grande respeito, ao mesmo tempo falavam dele com um sorriso meio zombeteiro.
     - Peça a Johnny Lingo para ajudá-la a encontrar o que deseja e deixe-o pechinchar – aconselhou-me Shenkin. – Johnny sabe fazer negócios.   
     Um menino sentado por perto morreu de rir:
     - Johnny Lingo” – repetiu.
     Fiquei intrigada:
     - O que é que há? Todos me mandam procurar Johnny Lingo e depois dão risada. Qual é a graça?
     - Oh, as pessoas gostam de rir – disse Shenkin, dando de ombros.
     - Johnny é o rapaz mais inteligente das ilhas e, para a idade, o mais rico.
     Continuei sem entender:
     - Mas se ele é como você disse, qual o motivo do riso?
     - Só uma coisa – Shenkin respondeu. – Há cinco meses, no festival de outono, Johnny veio a Kiniwata e encontrou uma esposa. Pagou ao pai da moça oito vacas.
     - Deus do céu! – não pude deixar de exclamar.
     Duas ou três vacas comprariam uma esposa de bonita a média, e quatro ou cinto, uma mais do que satisfatória.
     - Não é feia – admitiu Shenkin, com um sorrisinho. – Mas os mais caridosos diriam que Sarita é sem graça. Sam Karoo, o pai, tinha medo de que ela ficasse encalhada.
     Não pude deixar de me espantar:
     - E aí recebeu oito vacas por ela? E por que você a acha sem graça?
     Shenkin sorriu de novo:
     - Eu disse que seria caridade chamá-la de sem graça. Era magrela. Andava com os ombros caídos e a cabeça baixa. Tinha medo da própria sombra.
     - Bem, acho que não há explicação para o amor – concluí.
     - os aldeões riem quando falam de Johnny – Shenkin continuou – Sentem uma satisfação especial pelo fato de o comerciante mais esperto ter sido enrolado pelo burro do Sam Karoo. Imagine que os primos de Sam lhe disseram para começar pedindo três vacas e fincar pé em duas até ter certeza de que Johnny pagaria apenas uma. Aí Johnny procurou Sam Karoo e disse: “Pai de Sarita, eu lhe ofereço oito vacas por sua filha.”
     - Oito vacas – murmurei. – Eu gostaria de conhecer esse Johnny Lingo.
     Eu queria peixe. Queria pérolas. Assim, na tarde seguinte, aportei com meu barco em Nurabandi. E notei, ao perguntar onde ficava a casa de Johnny, que o nome não provocava sorrisos zombeteiros nos ilhéus. Quando o rapaz esbelto e sério me recebeu com graça em sua casa, fiquei contente ao ver que sua própria gente o respeitara. Sentamos e conversamos. Quando ele soube que eu vinha de Kiniwata, perguntou:
     - Falam de mim naquela ilha?
     - Dizem que o senhor me ajudará a conseguir qualquer coisa que eu queira – respondi.
     Seu sorriso foi delicado:
     - Minha esposa é de Kiniwata. Falam dela?
     - Um pouco – tive que admitir.
     A pergunta seguinte me pegou de surpresa:
     - O que dizem?
     - Disseram que o senhor se casou durante a festa de outono – tive que responder. Johnny continuou sorrindo. – Também dizem que o acordo de casamento foram oito vacas. – Fiz uma pausa. – Eles se perguntam por que.
     - Eles perguntam isso? – Seus olhos brilharam, cheios de prazer.
     - Todo mundo em Kiniwata sabe a respeito das oito vacas? – Assenti com a cabeça. Ele prosseguiu: - Em Nurabandi todos também sabem. – Seu rosto encheu-se de satisfação. – Daqui para a frente, sempre que falarem de acordos de casamento, lembrarão que Johnny Lingo pagou oito vacas por Sarita.
     Ali estava a resposta, pensei: vaidade.
     Então eu a vi. Ela entrou na sala e colocou flores sobre a mesa. Ficou parada um instante, sorriu para o rapaz ao meu lado e tornou a sair. Era a mulher mais bonita que eu já vira. A postura ereta, a inclinação do queixo, o brilho nos olhos, tudo demonstrava a consciência de um orgulho a que tinha direito.
     Ao voltar-me para Johnny Lingo, ele me olhava.
     - A senhora a admira? – ele perguntou.
     - Ela... ela é gloriosa – eu disse.
     - Só existe uma Sarita – ele afirmou sereno. – Talvez seja diferente da descrição que lhe fizeram em Kniwata.
     - Muito diferente- fui sincera. – Mas disseram que ela era sem graça e que o senhor se deixou tapear por Sam Karoo.
     Um sorriso deslizou por seus lábios:
     - A senhora acha que oito vacas foi demais? – perguntou.
     - Claro que não, mas como é que ela pode ser tão diferente? – não pude deixar de dizer.
     - A senhora já pensou – ele perguntou – o que deve significar para uma mulher saber que o marido pagou o mais baixo preço para comprá-la? Quando as mulheres conversam elas se gabam do que o marido pagou por elas. Uma diz quatro vacas, outra, talvez seis. Como se sente a mulher vendida por uma ou duas? Isso não podia acontecer com a minha Sarita.
     - Então, o senhor fez isso só para fazê-la feliz?
     Então, ele olhou para mim, sério:
     - Sim, eu queria que Sarita ficasse feliz. Mas queria mais do que isso. A senhora diz que ela está diferente. É verdade. Muitas coisas são capazes de mudar uma mulher. Coisas que acontecem por dentro, coisas que acontecem por fora. Mas o que mais importa é o que ela pensa sobre si mesma. Em Kiniwata, Sarita achava que não valia nada. Agora sabe que vale mais do que qualquer outra mulher das ilhas.
     - Então o senhor queria... – manifestei espanto. Ele prontamente afirmou:
     - Eu queria me casar com Sarita. Eu a amava, e a nenhuma outra.
     Comecei a compreender:
     - Mas....
     Ele concluiu suavemente:
      - Mas eu queria uma mulher de oito vacas.