quinta-feira, março 29

Luzes, Câmera, Nigéria

Fonte : Revista Superinteressante
Edição: Outubro de 2011

A Nigéria praticamente não tem cinemas. Os filmes nacionais de lá são feitos só para DVD mesmo - e os diretores filmam com câmeras às vezes mais precárias do que esta aí que você tem no celular. Mesmo assim, eles têm a maior indústria de cinema do mundo. "Maior", veja bem, não na quantidade de dinheiro que ela movimenta, mas na de filmes. Os nigerianos instituíram uma linha de montagem alucinada, que produz mais de 50 títulos por semana, 2 600 por ano - o dobro da indústria de cinema geralmente apontada como a mais prolífica: a da índia. E 4 vezes mais do que Hollywood.

Os filmes, bom, mal chegam a ser dignos desse nome. São produções caseiras, simplórias. Perto da qualidade de som, imagem, enredo e atuação do cinema nigeriano, Chaves e Chapolin são Copolla e Scorcese (veja nos boxes). Natural: um filme nigeriano custa US$ 20 mil, em média - isso dá 39 segundos do brasileiro Cilada.com (orçamento de US$ 3,3 milhões) ou 0,9 segundo de Capitão América (US$ 140 milhões). Mas que chega a tantos milhões de espectadores quanto esses últimos, chega. A África já está dominada: o continente de 47 países, 2 mil línguas e um número maior ainda de grupos étnicos - grupos tão distintos geneticamente e culturalmente quanto suecos e coreanos - viciou nos filmes da Nigéria. E agora o mundo também começa a se curvar - pelo menos o mundo africano que existe fora da África.

Londres está de prova. É só andar por 10 minutos no bairro de Peckham, que concentra imigrantes nigerianos, para sentir o poder dessa indústria. Nos últimos anos, com o aumento do fluxo de imigrantes africanos (legais e ilegais) para a Inglaterra, Peckham virou um pedaço da Nigéria encravado na capital britânica. E entre uma ou outra barraca que vende tubérculos frescos (african style), estão banquinhas apinhadas de DVDs com produções nigerianas. Não é só em Londres que esses filmes pegam. Agora eles começam a chegar às premières do West End, a área mais chique da cidade, e a disputar espaço nas salas com um Harry Potter ou um Transformers da vida. Mas essa história fica para depois. Primeiro, vamos ver como tudo isso começou, num galpão empoeirado de Lagos, a maior cidade da Nigéria.



A Origem

Era 1992. Kenneth Nnebue, um comerciante de Lagos, se viu com um depósito abarrotado de fitas VHS encalhadas. E concluiu que talvez fosse mais fácil vendêlas se houvesse alguma coisa gravada ali. Chamou um diretor de teatro que fez um vídeo caseiro chamado Living in Bondage (Vivendo em Escravidão).

Começa com o monólogo de um homem bonitão, bem-vestido. É Ichie, um sujeito bem de vida. Mas que só sabe se lamentar: "Já tive vários empregos. O último foi num banco. E pedi demissão porque não estava ganhando o que merecia. Olha o John, o Okay, o Obi... Eles começaram comigo e já têm uma Mercedes cada um; moram em mansões. Já eu..." Para realizar o sonho da Mercedes própria, então, Ichie entra num culto que promete riqueza em troca de sacrifícios. Depois de trucidar galinhas e outros bichos em rituais de bruxaria, acaba tendo que matar a própria mulher. A partir daí ele de fato fica rico, mas passa a ser assombrado pelo fantasma da patroa.

Esse Wall Street com macumba foi um sucesso sem precedentes. "Acho que todo mundo na Nigéria viu esse filme", diz Cole Paulson, pesquisador do Centro de Estudos Africanos de Oxford.

O estoque de fitas acabou. E uma nova indústria de cinema nasceu. Mas isso não aconteceu ao redor de estúdios, como Hollywood ou Bollywood (a Hollywood de Mumbai, na Índia). Nollywood (a da Nigéria) surgiu das garagens. Depois do estouro de Living in Bondage nas banquinhas de camelô, centenas de "produtores de filmes" se lançaram ao trabalho, com uma câmera na mão e sem grandes ideias na cabeça, a não ser a de fazer alguns trocados vendendo fitas (e depois DVDs) no comércio de rua - nada tão diferente do que os produtores de filmes-pipoca no resto do mundo (mas com equipamento bem mais barato). Diante do que veio depois, Living in Bondage é Shakespeare. Um sujeito fazendo caretas para a câmera já fazia as vezes de "enredo". Umas cadeiras de boteco num terreno baldio poeirento já formavam um ótimo cenário. Mesmo assim, os nigerianos viciaram em seu "cinema nacional". E levaram o resto da África junto.

A distribuição pelo continente ficou por conta do contrabando. Já existia toda uma rede estabelecida de distribuição de muamba no país - e do país para as nações vizinhas. Desse jeito, os filmes começaram a atingir boa parte da África da noite para o dia. Nobel de logística para eles. Só tem um problema: isso é amarrar cachorro com linguiça. Logo que um produtor entrega uma pacoteira de DVDs para essa rede, os próprios distribuidores já começam a fazer cópias piratas para ficar com o lucro todo. Os produtores, então, só conseguem lucrar com a venda das cópias oficiais por uma, duas semanas. Isso limita a quantidade de dinheiro que um produtor pode ganhar com um filme - independentemente do sucesso que faça. Resultado: eles têm de fazer um filme atrás do outro.

Lancelot Idowu, um dos diretores mais famosos do país, fez 158 em 12 anos. Em um dia de filmagem ele é capaz de gravar 59 cenas. Os atores seguem o ritmo: o superastro local Desmond Elliot atuou em 94 filmes desde 1992, o que dá quase 8 filmes por ano. E o público assiste aos filmes com a mesma velocidade com que eles são produzidos. Lagos tem 15 milhões de habitantes e só 3 salas de cinema. O povão compra os DVDs dos camelôs e assiste em casa, ou vê os filmes em canais de TV especializados. "Na casa em que eu fiquei hospedado a TV ficava ligada 24 horas por dia, 7 dias por semana, com filmes nigerianos", diz Cole, que passou o último ano na Nigéria estudando essa indústria.

A produção caudalosa tornou a indústria de cinema nigeriana um dos maiores empregadores do país. Mas tudo funciona na mais absoluta informalidade - um esquema que leva a situações inusitadas. Cole Paulson, que acompanhou o trabalho da produtora Emem Isong, uma das mais famosas da Nigéria, conta melhor: "Logo no primeiro dia de filmagem, ela perguntou se eu já tinha participado de algum filme de Nollywood. Respondi que não. Ela então virou para a roteirista e disse: ‘Acho que dá para encaixarmos ele em algum lugar, não?’ Logo depois chegou o diretor e decidiu que eu seria o amigo americano do protagonista, que estava na Nigéria para o casamento do seu irmão. E pronto. Minhas falas seriam decididas na hora de filmar".

Cole também se lembra do dia em que o diretor e a produtora chegaram na mansão que já estava acertada com a produção para a filmagem e mudaram de ideia. "Eles acharam que a casa não ia servir e saíram pela rua tocando a campainha das mansões vizinhas e perguntando se poderiam filmar lá!", conta. "Em uma delas, foram atendidos por um adolescente. Os pais estavam fora e ele deixou a equipe entrar, com a condição de que terminassem às 8 da noite. Mas a filmagem atrasou e um carro chegou na casa. ‘São os pais! Os pais chegaram!’, avisou um assistente. O diretor então mandou o astro do filme, uma celebridade na Nigéria, receber os donos da casa na porta e agradecer a generosidade de terem emprestado a mansão. Deu tudo certo e a equipe continuou trabalhando até a meia-noite.

Por essas, o grosso dos filmes de Nollywood continua abaixo do "padrão Chapolin de qualidade". Mas isso está mudando. Os diretores mais bem-sucedidos estão começando a gastar mais. Agora, aqui e ali aparecem produções mais caprichadas (veja no boxe acima à esquerda), com orçamento na faixa do meio milhão de dólares e exibição em cinemas. Cinemas de Londres, inclusive. Só no ano passado, 14 filmes estiveram em cartaz na capital britânica. A comunidade africana na Inglaterra também sustenta um canal por assinatura dedicado exclusivamente aos filmes nigerianos. Nada mal para um negócio que começou com um galpão de fitas virgens encalhadas.

quarta-feira, março 7

O efeito BABACA

Fonte : Revista Liderança

Edição: Março 2012

Quer aumentar a quantidade de pedidos de seus clientes, conseguir toneladas de indicações grátis, rechear sua carteira de novos clientes e obter muita propaganda boca a boca positiva? Existe uma maneira fácil de fazer isso e que não precisa custar muito para a sua empresa. Você pode adivinhar qual é? Simples: livre a sua empresa dos babacas.

Na verdade, permita que eu divida com você o primeiro item da minha Doutrina dos Melhores Negócios: a empresa com o menor número de babacas vence. É isso.

O que foi falado até aqui faz sentido? Claro que faz. E ainda assim somos, rotineiramente, forçados a lidar com imbecis passivo-agressivos ou que apenas gostam de discutir e exercer sua “autoridade” em vez de prover para o cliente – mesmo para os clientes estressados – uma boa experiência. Por que isso acontece? Deixe-me responder de cara: porque empresas ainda contratam babacas.

Veja dois exemplos que deixam claro esse conceito:

01 – Em um vôo da Continental Airlines, a comissária de bordo diz par um passageiro que está desligando o seu iPad:

- Senhor! Preciso que desligue isso agora mesmo! – e permanece olhando com raiva para o passageiro até que o aparelho é desligado e ela se afasta, visivelmente aborrecida.

Isso é algo que acontece umas 20 vezes por dia com tripulações de aviões. Cada vez que um avião se prepara para decolar, os passageiros estão no meio de uma música, ou de um parágrafo, ou tentando terminar aquela bendita fase do Angry Birds e precisam de uns 30 segundos para terminar essas “tarefas” antes de desligar o aparelho. Entendo que pode ser chato para a equipe de bordo ficar repetindo ordens, mas adivinha só: eles são comissários de bordo. Pedir que as pessoas desliguem seus aparelhos eletrônicos faz parte desse trabalho, mas não é preciso fazê-lo como um babaca.

02 – Um dia depois de ter presenciado a babaquice acima, peguei o vôo de volta, por outra companhia, a Delta. Um passageiro estava entretido com o e-book que estava lendo e não percebeu o anúncio pedindo para que os aparelhos fossem desligados. A comissária disse, em tom brincalhão:

- Está bom o livro?

- Desculpe...?

- O senhor está gostando da leitura?

- Ah, sim bastante – de repente, o passageiro se toca e, rindo, desliga o aparelho.

- O senhor poderá ligar de novo assim que aterrissarmos e pararmos de taxiar.

A comissária se afasta, para e, então, se volta para o passageiro.

- E o livro, sobre o que é?

O passageiro responde, a atendente repete o nome do livro e do autor, para mostrar interesse, e retorna para seus afazeres.

A diferença entre as duas comissárias não é treinamento ou pagamento. Não é política ou procedimento. Não é nem mesmo a cultura da empresa. A diferença entre elas é que uma das comissárias de bordo, em algum ponto do dia, da semana, do mês, do ano ou da carreira, decidiu que seria uma babaca. A outra, não.

BASTA SÓ UM BABACA

O impacto do comportamento de um só babaca que tenha contato direto com o consumidor não para na pessoa que foi mal atendida. Dez filas de passageiros testemunharam o comportamento das comissárias em cada vôo, e eu garanto que nessas dez filas, 30 passageiros da Continental, não gostaram do que escutaram. Os da Delta, ao contrário, ficaram bem impressionados. As ramificações são simples: a Continental jogou pela janela qualquer chance que tinha de influenciar essas 30 pessoas a desenvolverem uma preferência por seus serviços, de voltarem a voar por ela. E perdeu esses passageiros não por causa do preço, ou de atrasos, ou porque o avião estava sujo. Não, a Continental fez tudo certo, menos uma coisa: alguém permitiu que uma babaca (provavelmente mais que uma) assumisse um posto privilegiado no contato com o cliente.

Para ser justo, em minhas viagens também encontrei babacas trabalhando na Delta. Poucas linhas aéreas dos Estados Unidos estão livres desse fenômeno. Exceção feita, talvez à Alaska Air, cujo serviço e práticas de contratação são impecáveis.

Mas o que importa é: antes de ouvirmos o marketing da empresa, nossos parentes e amigos, são as nossas experiências que definem a imagem que temos de determinada empresa.

Toda experiência positiva cria associações positivas com a marca, assim como experiências negativas, criam associações negativas. Mesmo inconscientemente, criamos imagens toda vez que a marca é mencionada. E aí está o problema. Não importa o que você fez de certo nos últimos seis meses ou quinze anos, importa o que você fez de errado ontem. Essa é a primeira parte de como a matemática mental das experiências de marca funcionam.

A parte dois é a seguinte: as pessoas se esquecem rapidamente de acidentes e incidentes. Problemas mecânicos, uma fila mais longa que a habitual, nenhum assinto disponível, etc. essas coisas estão além do controle da empresa e, uma vez que a raiva passar, os clientes vão entender o ocorrido e as más impressões vão evaporar. Mas tem uma coisa que os clientes não esquecerão em qualquer empresa: o péssimo atendimento de um babaca.

A escolha é sua – se é uma escolha ser um babaca, então contratar um babaca e mantê-lo na empresa também é uma escolha. A empresa, como um todo, é culpada pela contratação e pela promoção desses babacas. Seus clientes instintivamente sabem disso, e é por isso que, quando são maltratados por um babaca, eles não culpam o babaca; culpam você, a sua empresa e a sua marca. E eles esquecerão o nome e o rosto do babaca em uma semana, mas, de sua empresa, irão se lembrar para o resto da vida.

Dessa maneira, no fim do dia, o babaca bate o cartão, feliz por ter um emprego que o deixa pisar nos clientes. E você, líder da empresa, deve entender que o babaca na sua folha de pagamento não está perdendo clientes, mas você está. Você gasta fortunas para convencer pessoas a fazerem negócios com você e cada babaca na sua equipe se esforça para que aquela pessoa nunca mais volte.

Se você tiver de tirar uma lição este artigo, que seja essa: você só precisa de um babaca para perder seu melhor cliente. Quanto mais babacas houver na sua equipe, maiores as chances disso acontecer.

E não é só aquele cliente específico que será afetado, mas todos os que ouvirem o caso. Estamos na época, senhoras e senhores, em que centenas ou milhares de pessoas saberão do ocorrido via Twitter ou Facebook.

Permita-me mostrar alguns números: durante um ano, um babaca na sua equipe – apenas um – pode anular tudo o que foi gasto em publicidade, marketing e relações públicas. Em empresas grandes, isso significa que um babaca pode custar dezenas de milhões de reais. E não estou contando com as centenas de indicações que a sua empresa deixará de receber, porque, graças ao babaca, o cliente não indicará sua empresa nem ao seu pior inimigo. Com isso, quanto mais babacas houver na empresa, mais se deverá investir em marketing, causando uma enorme queda na lucratividade.

Não acredita em mim? Pergunte para o pessoal da Zappos. Para quem nunca ouviu falar da Zappos, trata-se da campeã de vendas de sapatos pela internet. Vendem tanto, que a Amazon comprou a empresa p0or um bom dinheiro. Porém, a Amazon deciciu não mexer na liderança e na cultura da Zappos, afinal, a experiência do consumidor com essa empresa era fantástica.

A política da Zappos pode muito bem ser resumida a “Aqui não entra babaca
” – eles sabem que um cliente feliz é um cliente fiel.

É essa fidelidade que você quer em seus negócios. É isso que faz seu negócio ser extremamente bem sucedido. Você não precisa inventar um iPad para ser um sucesso. A Zappos vende sapatos pela internet. A Virgin Airlines leva pessoas de um aeroporto a outro. Cada hotel da rede Intercontinental é basicamente... um hotel. Não estamos falando sobre nada revolucionário nem sobre produtos mirabolantes. São negócios que descobriram que um cliente feliz é um cliente leal. São empresas que tem a confiança, o respeito e a lealdade de quem compra seus produtos ou serviços. E você sabe por que elas conseguiram isso? Porque, acima de tudo, elas respeitam o cliente, confiam nele e são leais a ele.

Como você já deve ter adivinhado, não é assim que um babaca pensa. Um baba não se importa com a felicidade dos clientes. Um babaca só se preocupa com ele mesmo. Não importa o quanto você pague, ele não muda. E isso é péssimo para os negócios.

Escolha a felicidade. Quer saber a única maneira de manter seus clientes felizes? Só contrate pessoas que queiram que seus clientes estejam felizes. Pessoas que desejam ver a companhia crescer. Pessoas que sintam orgulho do que fazem, não importando a posição hierárquica de seu trabalho.

Quer garantir que seus clientes fiquem infelizes?

Contrate um babaca.

Para ajudar nesse entendimento, apresento aqui algumas maneiras de montar uma empresa à prova de babacas.

01 – Não contrate babacas. Eles são péssimos para a empresa e se espalham como erva-daninha.

02 – Não promova babacas. A única coisa pior que um babaca é um babaca com autoridade, incluindo a autoridade de contratar e promover outros babacas enquanto ninguém está olhando.

Dê a seus babacas a oportunidade de trabalhar para seus concorrentes. Faça isso imediatamente. Peça para eles irem com Deus porque o Diabo está em férias Uma vez removidos, substitua seus babacas por pessoas inteligentes e amigáveis. Talvez alguns desses já tenham tentado trabalhar para você, mas os babacas bloquearam a contratação.

Recompense todos os empregados por, sempre que a situação pedir, escolherem ser pessoas boas em vez de babacas.

Oliver Blanchard é fundador e presidente da BrandBuildingMarketing e autor do livro Social Media RO/ (Retorno sobre investimento de mídias sociais).