sexta-feira, janeiro 27

O teste do sussurro

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1985
Autor : Mary Ann Bird

Oito palavras, não mais que oito, foi o que mudou para sempre a vida daquela menina.

Cresci sabendo que era diferente, e odiava isso. Nasci com uma fenda palatina, e quando entrei para a escola os colegas, fazendo troça de mim o tempo todo, forçaram-me a tomar consciência da minha aparência. Eu era uma garotinha de lábios defeituosos, nariz torno, dentes desiguais e fala meio truncada.
Quando os meninos me perguntavam o que havia acontecido com meus lábios, eu dizia que tinha levado um tombo quando era bebê e tinha cortado a boca num pedaço de vidro. Essa explicação me parecia de alguma forma mais aceitável do que dizer que eu havia nascido assim. Aos sete anos, estava convencida de que ninguém, além da minha família, jamais iria gostar de mim.
Foi então que passei para o segundo ano, e fui matriculada na classe da Sra. Leonard.
Ela era gordinha, bonita e cheirosa, tinha braços roliços, cabelos castanhos sedosos e olhos escuros quentes e risonhos. Todo mundo a adorava. Ninguém, porém, mais do que eu, e por uma razão muito especial.
Na nossa escola faziam-se anualmente teste de audição. Eu quase não escutava de um dos ouvidos, mas não queria revelar ainda mais esse problema, que me faria parecer mais diferente dos outros. Então resolvi mentir.
Eu havia aprendido a observar as outras crianças e a levantar a mão quando elas o faziam, durante os testes de grupo. O “teste do sussurro”, no entanto, necessitava de outra espécie de trapaça: cada criança devia ir até a porta da sala de aula, virar-se de lado e tapar um dos ouvidos; aí a professora sussurrava algo lá da sua mesa, e a criança tinha de repetir o que ela dissera. Depois fazia-se a mesma coisa com a outra orelha. Ainda no jardim de infância, eu havia descoberto que ninguém ia checar se o ouvido estava bem ocluso, e então eu fingia tapar o meu.
Fui a última como sempre, mas durante todo o tempo do teste fiquei imaginando o que a Sra. Leonard iria sussurrar para mim. Sabia, pela experiência dos anos anteriores que ela dizia coisas como “O céu é azul” ou “Esses sapatos são novos?”
Chegou a minha vez. Virei meu ouvido mau para ele e tapei firmemente o outro com a mão, depois levantei os dedos o suficiente para poder ouvir. Aguardei, e então ouvi as palavras que foi por certo Deus quem colocou nos lábios dela, oito palavras que mudaram para sempre a minha vida.
A Sra. Leonard, aquela professora bonita e cheirosa que eu adorava, disse suavemente: “Quem me dera que você fosse minha filhinha.”