sexta-feira, fevereiro 2

TIKAL: A misteriosa cidade dos maias

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1971
Autor : Scott e Kathleen Sergers

Inexplicavelmente abandonada há quase 1.000 anos, esta majestosa cidade surge-nos em deslumbrante isolamento na selva guatemalteca.

Quando o velho DC-3 sobrevoava o Departamento de El Petén, na Guatemala, uma torre de pedra branca brilhante rompeu subitamente através do verde infinito da mata, elevando-se 30 metros acima das copas das árvores. Logo surgiu mais uma grande torre, e mais outra. O avião preparou-se para o pouso e nos 30 segundos antes de aterrarmos vimos lá embaixo, dispersos, uma meia dúzia de enormes templos, pátios e as paredes sem telhado de igual numero de palácios maciços.
Este vôo de 80 minutos da Cidade da Guatemala para o Norte tinha-nos recuado 10 séculos até Tikal, a grande metrópole dos índios Maias, que, sem instrumentos de metal, rodas ou bestas de carga, levaram um milênio construindo edifícios impressionantes, para depois, há 1.000 anos, os abandonarem misteriosamente.
Desde o ponto mais setentrional da península de Yucatã até ao limite sul, em Honduras, os Maias dominavam uma área de cerca de 900 quilômetros por 550 de largura, quase toda de florestas, mas abrangendo planaltos aqui e ali. Construíram Chichén Itzá, Mayapán, Palenque, Copán, Kaminaliuyú e outros monumentos grandiosos – nomes que soam como uma ladainha bárbara. Não constituindo propriamente cidades, eram centros densamente povoados, onde mercadores, políticos, sacerdotes e nobres viviam em esplendor cercados de servos.
Apesar da precisão dos registros meticulosamente gravados nas estelas e nos edifícios, o mistério envolve as origens, a história e o destino dos Maias. Faces esculpidas em relevo nos monumentos – tal como as dos seus descendentes que até hoje vivem nestas regiões – apresentam grande semelhança com as de antepassados asiáticos. Crêem os arqueólogos que os seus antecessores vieram por terra da Sibéria para o Alasca, talvez há 15.000 anos, antes da fusão dos glaciares ter elevado o nível do Mar de Bering; depois deslocaram-se para o sul, numa lenta migração que durou milênios. Não se sabe o que os levou a trocar as férteis terras do sudeste do México pelo solo seco da península de Yucatã e de Petén. Artefatos submetidos a testes de carbono 14 indicam apenas que se fixaram aí seis ou oito séculos antes de Cristo.
Um dos grandes mistérios é como as tarefas de proverem alimentos nestas regiões tão precárias ainda deixavam aos Maias tempo suficiente para dominarem uma arquitetura requintada, a matemática e a astronomia. Os templos e palácios apresentam proporções tão perfeitas como as atingidas por qualquer povo na história. Com exatidão inigualável, previram os eclipses até ao século XX. Seu calendário civil, dividido em ciclos de 52 anos, erra em apenas algumas horas, e um outro calendário, cerimonial, baseado nos movimentos de Vênus, contém uma diferença de apenas um único dia em 6.000 anos (o calendário que usamos, o Gregoriano, contém um lapso de um dia em cada quatro anos)!
Acredita-se que os Maias tenham inventado esse símbolo matemático fundamental – o zero – pelo menos 300 anos antes dos Hindus pensarem nele, assim como desenvolveram uma graciosa escrita hieroglífica.
Espantosas como sejam essas realizações, o grande mistério dos Maias é o fim da sua civilização. Especialistas dispõem de meia dúzia de teorias, mas o que se sabe concretamente é que, por volta do ano 900 D. C. , eles começaram a abandonar suas cidades, algumas das quais, como Tikal, ocupadas durante 1.500 anos ininterruptamente.
Num esforço para resolver alguns desses quebra-cabeças, o governo da Guatemala fez um contrato, em 1955, com o Museu da Universidade da Pensilvânia para a exploração, escavação e restauração parcial de Tikal, considerada por muitos arqueólogos o mais impressionante grupo de ruínas no Hemisfério Ocidental.
Os arqueólogos do Museu não começariam do princípio, pois um século de investigação esporádica, realizada por cientistas suíços, ingleses, alemães e americanos já tinha decifrado a matemática Maia e grande parte dos hieróglifos. Pensava-se, por exemplo, que o símbolo escrito para Tikal, era o mesmo que para umbigo, podendo, conseqüentemente, o nome significar o “Centro do Mundo Maia”.
Para dirigir os trabalhos, o Museu da Universidade contratou Edwin M. Shook, arqueólogo sóbrio e enérgico com vasta experiência em regiões maias, e destinou 800.000 dólares para um projeto de 10 anos em Tikal. Acompanhado de um estudante de arqueologia e de operários, Shook chegou em janeiro de 1956, sendo seguido por muitos outros.
Uma das primeiras e mais importantes descobertas de toda a expedição – a famosa “Estela 29” – foi encontrada por acaso, em 1959, quando um trabalhador percebeu uma ponta da Estela caída na floresta, oculta pela folhagem. Depois de um dia de cuidadosa escavação, Shook conseguiu levantar as duas faces esculpidas da Estela, que mostravam, em baixo relevo, os perfis de sacerdotes ou nobres, ricamente vestidos. Descobriram-se glifos na parte de trás da Estela. Apresentavam também símbolos matemáticos que datavam a escultura do ano 292 d. C., o mais antigo monumento até então descoberto na planície maia.
Foi este trabalho de investigação entusiasta e infatigável que levou a outra descoberta emocionante. Julga-se que os Maias sepultavam os corpos dos dignitários no centro de um templo, construindo depois, em volta e por cima do antigo, um novo templo. O arqueólogo Aubrey Trik tinha passado três longos e fatigantes anos abrindo túneis através da base sólida da pirâmide de pedra, na qual se eleva o Templo 1, símbolo de Tikal, sem encontrar um único túmulo.
Suas primeiras anotações mencionavam pedaços dispersos de sílex decorativo, encontrados a alguns metros da entrada do primeiro túnel. Seguindo essa trilha como se fosse um filão de ouro, Trik escavou em ângulos retos a partir do túnel inicial. A pouco mais de sete metros e meio para o interior, descobriu o túmulo.
Detritos de 1.200 anos foram removidos pouco a pouco. Aí, sobre um banco baixo de pedra, jazia o esqueleto de um homem alto. Cobria-lhe o crânio uma grande concha redonda, perfurada regularmente a toda a volta, e de cada buraco pendia um quadrado de cinco centímetros de jade cortado.
Usava um magnífico colar de tubos de jade, com 7,5 a 10 centímetros de comprimento, e dois colares de contas furadas, também de jade, cujo diâmetro variava entre 1,25 e mais de cinco centímetros. Entre as pernas, um comprido e esguio tubo de jade com uma pérola perfeita na ponta. Incluindo as pulseiras, adereços para os tornozelos e brincos, estes ornamentos pesavam mais de sete quilos.
Como os templos, encontravam-se túmulos em todos os níveis, à medida que os arqueólogos escavavam através das camadas dos séculos, descobrindo e catalogando cuidadosamente os achados. Esperavam cavar até ao leito da rocha.
De 15 quilômetros quadrados quase completamente cobertos de edifícios maciços e calçadas de pedra, os arqueólogos selecionaram o grupo central de edifícios a ser restaurado. Usando a macia pedra calcária das seculares pedreiras maias, os operários revestiram pirâmides, templos e palácios reconstruídos com pedra trabalhada.
Hoje, como há 1.000 anos, o coração do complexo é a Plaza Mayor, onde duas pirâmides íngremes, coroadas com templos majestosos, se encontram face a face, nos dois extremos de uma plataforma de pedra do comprimento de um campo de futebol. Ao sul, margeando a Plaza, estendem-se palácios de dignitários, que por si só seriam enormes num conjunto menos gigantesco. Pode-se andar durante horas através das dezenas de salas e grandes pátios internos. Diante dos templos, em duas filas ao longo da margem norte da Plaza, erguem-se as estelas, medindo a maior parte dois e meio a três metros de altura, cercados por seus altares circulares de pedra, com cerca de um metro de largura, exibindo baixos relevos de personagens em vestes de gala.
Da Plaza Mayor saem caminhos de pedra elevados, alguns com 60 metros de largura, conduzindo através da floresta a outros grupos de edifícios monumentais. Numa curta distância elevam-se mais três templos com cerca de 55 metros de altura. O Templo IV, com 190.000 metros cúbicos de pedra e mais de 60 metros de altura, é uma das mais altas estruturas pré colombianas no Hemisfério Ocidental.
Para além da área onde se efetuavam as cerimônias, as ruínas de Tikal estendem-se por muitos quilômetros em todas as direções. Localizaram-se mais de 3.000 edifícios de pedra, grandes e pequenos, tendo sido escavada apenas uma parte. Na zona periférica dos edifícios espalham-se pela floresta milhares de baixas plataformas de pedra. Arqueólogos acreditam que estas serviam de base às casas dos lavradores que cultivavam o milho, e que na entressafra provavelmente forneciam mão de obra para a construção dos edifícios.
Apesar das grandes distâncias que tinham de ser percorridas a pé, Tikal mantinha um próspero comércio com outras cidades maias. Provavelmente trocavam resinas, peles de animais, cacau e utensílios e armas de sílex por nefrita dura e pesada (para machados), obsidiana, penas verde metálicas da cauda do pássaro. Quetzal, e pelo mais sagrado dos materiais maias, o jade. Tudo isto vinha dos planaltos. As conchas, também importantes nas cerimônias, vinham da costa.
Os cálculos da população de Tikal variam, mas era provavelmente superior a 40.000 habitantes numa área de 160 quilômetros quadrados. Aparentemente o poder era exercido por uma pequena classe dirigente da qual se escolhiam os sacerdotes e os chefes.
Essa grandiosa civilização parece ter sucumbido subitamente por volta do ano 900 d. C. Não se sabe o que aconteceu, mas Tikal foi abandonada, blocos de pedra já cortados permaneceram intocados nas pedreiras, estruturas foram deixadas pela metade, e o povo partiu. Afirmam alguns especialistas que eles abandonaram a cidade em protesto contra a carga crescente de construções e cerimônias imposta pelos governantes. Outros dizem que à medida que crescia a população, os lavradores tinham de se afastar do centro para encontrar terra fértil para o milho. Quando o trajeto se tornou demasiado longo e só podiam regressar esporadicamente, eles levaram as famílias consigo definitivamente. Outras teorias hoje refutadas, sugeriam que a peste, invasões, ou uma catástrofe natural teria provocado a queda dos Maias, que, misteriosamente, ocorreu dentro do mesmo período em todas as suas cidades.
Em 1969, após 13 anos de escavações e restaurações, o Museu entregou Tikal ao governo da Guatemala, que fizera da área o primeiro parque nacional da América Central. Serão necessários mais 10 anos de pacientes trabalhos até que todo o material reunido no local possa ser corretamente analisado e acrescentado ao que se conhece sobre os Maias. Poderá então começar-se uma outra etapa de escavações.
Enquanto isso, estudiosos, cientistas e turistas vem de todas as partes do mundo para admirarem os vestígios da civilização Maia. Vale a pena a viagem. Na noite anterior à nossa partida de Tikal, ficamos sós na Plaza Mayor, depois dos outros visitantes terem-se recolhidos à pousada próxima. À medida que o sol se punha por trás das árvores, a noite tropical infiltrava-se rapidamente na floresta até aos edifícios mais baixos, ficando só as altaneiras cristas dos telhados dos templos dourados pelos últimos raios. Depois, escureciam-se as espiras dos templos, recortadas no céu azul escuro, enquanto uma Lua quase cheia espreitava no horizonte. Lentamente essa luz cheia de mistério espalhou-se pela Plaza, marcando o contorno dos templos e iluminando as estelas silenciosas. Era empolgante a impressão gigantesca das formas e de sua eternidade.
Ficamos sentados nas escadas do templo durante bastante tempo, hipnotizados, como muitos outros antes de nós, pelo mistério de 2.500 anos deste estranho lugar.

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