quarta-feira, fevereiro 7

"Perigo - mulheres ao volante!"

fonte : Revista Seleções
data : outubro de 1974
autor : Joan Mills

Vamos acabar com este preconceito idiota, seus marmanjos?

Meu pai sempre dizia que dirigir automóveis era um trabalho altamente técnico, superior à capacidade das mulheres.
“Por que?” perguntou candidamente mamãe.
“Por que sim!”, ele respondeu, espantado por mamãe ter apenas perguntado.
Então, em 1936, minha mãe convenceu o rapaz que nos cortava a grama a lhe dar umas aulas de direção. Era um bom moço e... muito corajoso também. Quando mamãe conseguiu tirar carteira, pode-se dizer que não havia uma lata de lixo indene em todo o quarteirão, e por onde ela passava não crescia a grama.
Papai nunca dizia: “Viu o que você fez?” Apenas não entrava num carro dirigido por ela – só isso.
Mamãe adorava dirigir, e toda tarde minha tarefa era a de acompanha-la. “Que faço agora?”, perguntava ela, quase chorando, quando o carro morria numa curva ou ela pisava firmemente o freio com o pé esquerdo, enquanto o direito quase esborrachava o acelerador. Eu abria uma pequena fresta entre os dedos que me cobriam os olhos e via suas mãos e pés em desespero, e o tráfego se movimentando em nossa direção.
“O freio, mamãe! Só o freio!” eu gritava. “Você vai bater naquele caminhão de lixo!”
“Tenho duas regras de segurança”, ela dizia. “Conservar sempre o meio da estrada ou da rua e nunca ir a mais de 30 por hora.”
Quando ela dizia isso, eu me inclinava um pouco para a esquerda a fim de dar umas rápidas espiadelas no espelho retrovisor e ver a cara do motorista atrás de nós, o mesmo que não parava de buzinar um segundo nos últimos 10 quilômetros. Fascinada, eu o observava encostando seu pára-choques quase na nossa placa traseira e buzinando. “Chato!”, dizia mamãe serenamente, e então reduzia ainda mais a velocidade, para lhe aplicar uma lição.
Não havia muita gente capaz de ultrapassar mamãe, mas todos aqueles que o conseguiam não deixavam de vociferar algo ao passar por ela: “Mulheres ao volante!”
Realmente, mamãe era isso mesmo, uma mulher ao volante, e um dos maiores temores que assediavam meu caráter de adolescente era o de que eu também iria me tornar igual – derrapando sobre a linha do bonde, ligando o pisca-pisca para a esquerda e virando à direita, ou dando marcha a ré sobre o gramado dos vizinhos.
“Espero que você saia a mim”, dizia meu pai com certo orgulho.
Não saí. Papai dirigia como um louco, fazendo o diabo com os motoristas de táxi e os pedestres. Não saí também a meu avô, que enfiou seu primeiro Ford de bigodes pela porta dos fundos e saiu pela parede da frente, gritando: “Uau!” Também não dirijo como minha mãe. Acho que o faço como a maioria das mulheres que conheço.
Como é isso? Bem, durante anos nunca duvidei de que nós, mulheres, éramos naturalmente ineptas para guiar, e achava que, se conseguíssemos não nos meter em encrencas, era por pura sorte. Então, certo dia, surpreendi-me em meu velho Volkswagen passando as marchas habilmente embora estivesse cercada pelas crianças, um bolo de aniversário (com velas) e um gato miando nos meus ouvidos. De repente, me veio à cabeça que se, depois de tantos anos de direção, eu nunca tivera um acidente ou sequer uma multa, é porque tinha de ser boa motorista.
Desde essa grande revelação, venho tomando nota de tudo. Acho que a fama de bom ou mau motorista é algo que surge no ar e pode se espalhar por toda a cidade. Reconheço que nem todas as mulheres dirigem maravilhosamente. Uma de minhas melhores amigas enfiou o carro entre duas colunas de aço, de tal maneira que só conseguiram tira-la de lá cortando o veículo a maçarico.
É claro que conheço também algumas motoristas excepcionais. Sua competência ao volante tende a ser obscurecida, em minha opinião, pelas circunstâncias em que dirigem. Os homens voam com seus carros pelas pistas da Fórmula-1 ou levam pesados caminhões pelas estradas do país. Quando são muito bons, ganham prêmios, popularidade e aplausos, mas o público devia aplaudir também a mulher que usa o carro para levar os filhos à escola, traze-los para casa, ir às compras, etc.
No momento em que você lê isto, por exemplo, em algum lugar haverá mulheres dirigindo carros apinhados de saudáveis guris em uniforme que se dedicam a variadas brincadeiras, fazendo um infernal barulho e ainda cantando aos berros bem dentro dos tímpanos da pobre motorista, e, em quase todos esses carros, haverá um inocente nenê tentando apertar a buzina, e muitas vezes o conseguindo ( bi-bi, fom-fom, bi-bi, fom-fom ): e um bem nutrido cãozinho rosnado ameaçadoramente para tudo que se mova perto dele.
Lá vai a mulher, ao volante, impassível. Ninguém ficou impressionado? Ora, conheço mulheres que até dirigiram o próprio carro em que foram para a maternidade, dominando as dores do trabalho de parto!
As mulheres, hoje em dia, não se limitam a guiar carros – passaram também a compreende-los. Quando ouvem ruídos estranhos, sabem imediatamente se é um problema na correia do ventilador, a sirena de uma radio patrulha ou o bebê que molhou as fraldas. Há quanto tempo você não vê a clássica cena da mulher, com cara de desespero, ao lado de um carro parado no acostamento, agitando um lencinho e pedindo socorro? É mais provável que você veja agora a mulher debruçada sobre o motor para consertar a avaria.
Acho que somos geniais! Assim, se eu ouvir mais alguma vez um sujeito berrar “Perigo! Mulheres ao volante!”, vou descer do carro e tirar a coisa a limpo em nome de todas as mulheres!

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