quinta-feira, abril 20

O Gigante Egoísta

Fonte : Revista Seleções
Data : junho de 1973
Autor : Oscar Wilde

Toda tarde, quando saíam da escola, as crianças iam brincar no jardim do Gigante. Era um grande e belo jardim, com grama macia e lindas flores que pareciam estrelas. Havia também doze pessegueiros que, na primavera, se abriam em botões de rosa e pérola, e que, no outono, davam saborosos frutos.
Os pássaros, nas árvores, cantavam de forma tão harmoniosa que as crianças interrompiam suas brincadeiras para ouvi-los.
“Como somos felizes aqui”, diziam uns aos outros.
Um dia, o Gigante regressou ao castelo. Tinha ido visitar um amigo, o ogre da Cornualha, e ficara por lá sete anos. Quando chegou, viu as crianças brincando no jardim.
“O que fazem aqui?”, gritou zangado. “Este jardim é só meu. Todo mundo sabe que só eu posso brincar nele!”
Então, construiu um muro alto ao seu redor, e colocou um aviso: ENTRADA PROIBIDA. Era um gigante muito egoísta mesmo.
As pobres crianças não tinham, agora, onde brincar. Tentaram brincar na estrada, mas era muito poeirenta e cheia de pedras, e por isso, não gostaram. Na volta da escola, costumavam passear em volta do muro alto, e falavam sobre o lindo jardim que havia lá dentro: “Como éramos felizes quando estávamos lá!”
Quando chegou a primavera, todo o campo se encheu de pequeninas flores e pássaros. Mas ainda era inverno, no jardim do Gigante egoísta. Os pássaros não gostavam de cantar lá, porque não havia crianças, e as árvores se esqueceram de florir. Certa vez, uma linda flor ergueu a cabeça do canteiro, mas, quando viu o cartaz, sentiu tanta pena das crianças que se escondeu de novo e foi dormir.
Os únicos que estavam contentes eram a Neve e o Gelo. “A primavera se esqueceu deste jardim”, disseram. “Por isso vamos viver aqui o ano inteiro!” A Neve cobriu o gramado com seu grande manto branco, e o Gelo pintou de prata todas as árvores. Convidaram então o Vento Norte para lhes fazer companhia, e ele veio.
O Vento rugiu o dia todo, através do jardim e derrubou as chaminés. “Este lugar é maravilhoso”, disse ele. “Temos que convidar o Granizo para uma visita.” E veio o Granizo. Todo dia, durante três horas, ele castigava o telhado do palácio até quebrar quase todas as telhas. Depois, correu pelo jardim tão depressa quanto pôde, com o seu hálito gelado.
“Não posso compreender porque a primavera está custando tanto, dizia o Gigante Egoísta, sentado á janela”, e olhando o seu jardim branco e frio. “Espero que o tempo venha a mudar.”
Mas a primavera não veio, nem o verão. O outono deu frutos dourados em todos os jardins, menos no jardim do Gigante. “Ele é muito egoísta”, dise o outono. Por isso sempre era inverno lá.
Certa manhã, o Gigante estava deitado na cama, acordado, quando ouviu uma belíssima canção. A música era tão doce aos seus ouvidos que pensou fossem os músicos do rei, de passagem por ali. Na verdade, era só um pequeno pintarroxo cantando do lado de fora da janela, mas há tanto tempo nenhum pássaro cantava em seu jardim que o canto lhe pareceu a música mais linda do mundo. Então, o Granizo parou de dançar por cima de sua cabeça, e o Vento Norte deixou de rugir, e um delicioso perfume entrou pela janela aberta.
“Acho que a primavera finalmente chegou”, disse o Gigante, e, saltando da cama, olhou para fora.
O que viu era maravilhoso. Através de um pequeno buraco no muro, as crianças tinham se esgueirado, e estavam sentadas nos ramos das árvores. Em cada árvore à vista, havia uma criancinha. E as árvores estavam tão contentes por terem as crianças de volta, que se cobriram de flores, e agitavam suavemente os braços sobre suas cabeças. Os pássaros voavam por toda parte e cantavam felizes, e as flores espreitavam através da grama e riam.
Era uma cena adorável, mas num canto do jardim continuava inverno. Era o recanto mais distante do jardim e nele havia um menininho tão pequeno que não conseguia alcançar os ramos das árvores, e vagueava em volta delas, chorando amargamente. A pobre árvore ainda estava coberta de neve e gelo, e o Vento Norte soprava e rugia por cia dela. “Suba menininho”, dizia a árvore, e abaixava os ramos o mais que podia; mas o menino era pequeno demais.
E o coração do Gigante enterneceu-se quando olhou para fora.
“Como tenho sido egoísta!” disse ele. “Agora sei porque a primavera nunca chegava. Vou colocar este pobre menininho no alto da árvore, e depois vou derrubar o muro, e o meu jardim será aberto às crianças.” Estava muito arrependido com o que havia feito.
Desceu devagarinho, abriu a porta da frente com muito cuidado, e saiu para o jardim. Quando as crianças o viram, ficaram tão assustadas que fugiram todas, e o inverno voltou ao jardim. Somente o menininho não fugiu, porque tinha os olhos tão cheios de lágrimas que não viu o Gigante aproximar-se. O Gigante chegou perto dele, tomou-o gentilmente nas mãos e colocou-o no alto da árvore. A árvore imediatamente floriu, os passarinhos vieram cantar e o menino estendeu os braços ao redor do pescoço do Gigante e o beijou. E as outras crianças, vendo o que se passava, vieram correndo outra vez, e com elas voltou a primavera.
“Agora o jardim é de vocês, meninos!”, disse o Gigante, e apanhou um grande machado e derrubou o muro. E quando as pessoas passavam por lá, em direção ao mercado, admiravam o Gigante brincando com as crianças, no mais lindo jardim que já tinham visto.
Durante todo o dia as crianças brincavam, e, à noite, se despediam do Gigante. “Mas onde está o pequeno companheiro de vocês – o menino que eu coloquei em cima da árvore?”, perguntava o Gigante.
“Não sabemos, respondiam as crianças. “Foi-se embora.”
“Digam-lhe para vir amanhã, sem falta”, pedia o Gigante. Mas as crianças diziam que não sabiam onde ele morava, e que nunca o tinham visto antes. O Gigante sentia-se muito triste.
Todas as tardes, depois das aulas, as crianças vinham, e brincavam com o Gigante. Mas o menininho de quem o Gigante gostava nunca mais apareceu. O Gigante era muito carinhoso com todas as crianças, mas tinha saudades do seu primeiro amiguinho. “Como eu gostaria de vê-lo!”, costumava dizer.
Passaram-se os anos, e o Gigante ficou velho e fraco. Já não podia brincar, sentava-se numa enorme poltrona, via as crianças nas suas brincadeiras, e admirava o seu jardim. “Tenho muitas flores bonitas”, dizia ele, “mas as crianças são as mais lindas de todas as flores.”
Numa manhã de inverno, enquanto se vestia, olhou pela janela. Já não odiava o inverno, pois sabia que a primavera estava apenas dormindo, e que as flores descansavam. De repente, esfregou os olhos, admirado, e viu uma coisa maravilhosa. No canto mais distante do jardim, havia uma árvore coberta de botões brancos. Seus ramos eram dourados, e deles pendiam frutos de prata, e sob ela estava o menininho que ele amava.
Cheio de alegria, o Gigante correu para o jardim e aproximou-se do menininho. Quando chegou perto dele, seu rosto ficou vermelho de raiva. “Quem se atreveu a machuca-lo?”, gritou. Pois, nas palmas das mãos da criança, havia a marca de pregos, e também nos pés havia a mesma marca.
“Quem se atreveu a machuca-lo?”, gritou outra vez o Gigante. “Diga-me, que eu pegarei minha espada e irei mata-lo!”
“Não”, respondeu a criança. “Estas são as feridas do Amor.”
“Quem é você?”, perguntou o Gigante. E, um temor estranho o invadiu, e caiu de joelhos diante do menino. O menino sorriu para o Gigante, e disse: “Você me deixou brincar uma vez no seu jardim. Hoje, virá comigo ao meu jardim, o Paraíso!”

“É dever de todo pai escrever contos de fadas para os seus filhos”, disse uma vez Oscar Wilde a um amigo. Fiel a suas próprias palavras, em 1888, quando tinha trinta e poucos anos, casado e pai de dois meninos pequenos, Wilde publicou O Príncipe Feliz e outros contos.
O volume continha cinco histórias, inclusive o terno clássico que é o Gigante Egoísta, que você acaba de ler.

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