sexta-feira, junho 2

Dicas culinárias de um cozinheiro-cientista

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1984
Autor : Arthur E. Grosser

Um químico explica por que a gema do ovo fica verde, o espaguete gruda e a massa da torta endurece – e ensina como evitar desastres culinários.

Quanto tinha seis anos, adoeci com catapora. Depois de ter esgotado a sua reserva de passatempos, minha mãe me explicou como se coze um ovo. “Bota-se sal na água”, começou ela. “Isso evita que os ovos estalem... mas, mesmo assim, estalam”. Ficamos a pensar um pouco sobre o assunto, e depois abanei a cabeça concordando. Quer a casca estalasse ou não, era evidente que o ovo tinha de ser “aplacado” com uma oferenda de sal.
Passados anos, eu continuava botando sal na água de cozer os ovos, e, se uma receita exigisse a utilização de uma colher de pau e eu só tivesse uma de metal, escolhia outro prato. Era tão supersticioso como um homem da Idade da Pedra, e seguia à risca todas as indicações, sem compreender por que. Era absolutamente indispensável meter essas receitas tirânicas na ordem. Na minha qualidade de químico, resolvi descobrir os princípios científicos em que se apóiam as instruções dos livros de receitas. As dicas que a seguir vou dar são resultado da minha pesquisa sobre o modo de por a química da culinária ao nosso serviço. Comecemos pelos ovos.

AVE OVO. Costuma-se dizer que uma recém-casada que não sabe cozer um ovo só é superada, em termos de incompetência doméstica, pela que deixa queimar uma torrada. A verdade, porém, é que os ovos tem o aborrecido hábito de estalar, o que deixa a panela cheia de filamentos brancos de aspecto pouco convidativo. Ainda pior é a detestável camada cinzento-esverdeada que se forma à volta da gema cozida. Todas estas “catástrofes” ensombram a delicada operação de cozer um ovo.
Comecemos pela primeira: a casca que estala. Isso acontece quando o aquecimento rápido impede que o ar ( que aumentou de volume ) contido no ovo seja expelido através dos poros na extremidade mais larga da casca. Uma das maneiras de evita-lo é fazer um furo nessa extremidade. Quando o ovo esquentar, vê-se o ar saindo por esse orifício. A casca também pode estalar quando um ovo acabado de sair da geladeira é colocado em água fervendo; portanto, ponha os ovos na água antes de leva-lo ao fogo.
Depois, bote um pouco de sal. Absurdo? De modo algum. O sal não evita que os ovos estalem, mas, se a água estiver salgada, é menos provável que se formem todos aqueles desagradáveis filamentos brancos. O sal dissolvido ajuda a acelerar a coagulação na racha e tapa-a instantaneamente.
Em seguida, tempos a pouco apetitosa camada verde. Ao esquentar, o ovo produz gás sulfídrico, a que se costuma, apropriadamente, chamar “cheiro de ovo podre” – tão desagradável é o seu odor. O ovo não está podre, está simplesmente cozendo. Se ele esfriar lentamente, o gás reage sobre a superfície da gema quente. O ferro nela contido expulsa hidrogênio e forma um depósito escuro de sulfeto de ferro. Basta passar os ovos cozidos por água fria que a gema esfria rapidamente, ficando bem amarelinha.

A MISS MASSA. O único problema com a preparação das massas é que seus canudinhos, por vezes, se grudam uns nos outros. Isso acontece quando o amido é expulso da massa e se transforma em cola, ao esfriar. Uma das soluções consiste em passar o espaguete por água quente depois da cozedura.
Existem mais duas alternativas para evitar que o espaguete grude. A primeira é coze-lo em muita água. O amido ficará distribuído por um maior volume de água; depois de escorrida, a massa ficará com menor quantidade dessa substância.
A segunda alternativa é acrescentar uma colher ( das de sopa ) de azeite, de margarina ou de outra gordura à água de cozedura. A gordura revestirá os fios de espaguete, que, desse modo, não se grudarão uns aos outros; esta solução evita igualmente a formação de espuma.

ALHOS SEM BOGALHOS. O alho contém um produto químico, a aliina, e uma enzima a aliinase. Quando estas duas substâncias entram em contato, produzem o “gosto de alho”. As membranas das células, contudo, evitam, normalmente, essa reação, que só ocorre quando se tira a barreira da membrana. Isso significa que o sabor a alho será tanto mais pronunciado quanto mais picado ou esmagado ele for, pois é durante essa operação que as membranas são destruídas. A cozedura também reduz o gosto de alho, visto que diminui a reação enzímica.
Nas cebolas produz-se uma reação semelhante, que excita as glândulas lacrimais da pessoa que as descasca. Como as moléculas que provocam as lágrimas são solúveis em água, se você descascar as cebolas sob água corrente, essas moléculas serão eliminadas antes de atingirem seus olhos.

LOUVE SUA COUVE. Tanto as couves-de-bruxelas, como as couves comuns, os brócolos, os nabos e as couves-flores contém elementos que produzem igualmente gás sulfídrico.
O cheiro durante a cozedura pode tornar-se desagradável para os que apreciam esses legumes. A solução é coze-lo rapidamente.
Utilize grande quantidade de água, e coloque os legumes só quando ela estiver fervendo, para que a ebulição recomece pouco depois.

FRUTOS E FRUTAS. Alguns frutos ( maçãs, damascos, abacates, bananas, cerejas, figos, uvas, pêssegos e pêras ) ficam marrons à temperatura ambiente, depois de serem cortados ou descascados. Esses frutos sensíveis contém uma substância que se torna marrom ao oxidar-se ( ou seja, quando átomos de oxigênio vão juntar-se à sua estrutura ). A reação começa assim que a polpa do fruto é cortada, porque esse composto pode então absorver rapidamente o oxigênio do ar.
Há duas maneiras de evitar esse fenômeno. Uma é impedindo, por meio de um revestimento de maionese, a absorção de oxigênio; é o método utilizado na salada Waldorf. A outra consiste em borrifar as superfícies cortadas com suco de limão. O suco de abacaxi e o vinagre dão o mesmo resultado.

CAFÉ COMO É. Há tantas maneiras de estragar o café que parece quase impossível preparar uma boa xícara. Para começar, há quem deixe a água ferver demasiado – o que expele todo o ar e provoca um sabor insípido. Em qualquer bebida quente, utilize sempre água acabada de sair da torneira e ferva-a ao menos possível.
Lavar, lavar, lavar.... é uma regra de ouro na preparação de um bom café. Os utensílios devem estar impecavelmente limpos, pois o café contém um óleo, que dificilmente se retira do metal, e um pouco mais facilmente da cerâmica e do vidro. Como qualquer outra gordura, essa película oleosa pode rançar e dar origem a sabores desagradáveis.
Os grandes apreciadores de café apostam nos moinhos ( que devem estar sempre limpos )... e tem razão. Muitos dos componentes que dão ao café todo o seu aroma são voláteis e a moagem liberta-os. O café moído e guardado dentro de um saco de papel à temperatura ambiente perderá rapidamente o aroma. É muito melhor conserva-lo num recipiente hermético dentro da geladeira, onde a baixa temperatura preservará o sabor e o aroma.

TORTA DIREITA. Qual é o pormenor indispensável de uma boa torta? Uma massa quebradiça. Como consegui-la? Preparando-a com elasticidade suficiente, para ser estendida sem quebrar, e espalhando pedacinhos de gordura regularmente por toda a massa.
Se estiverem frios e consistentes, esses pedacinhos de gordura não terão tempo de derreter e de se incorporar na massa enquanto você a estende. Esfrie previamente a tigela e o rolo, e use água gelada. O emprego de uma espátula para introduzir a gordura na massa, e de um garfo para incorporar a água, evitará que os seus dedos a aqueçam.
Antes de estender a massa esfrie-a . Durante a cozedura formam-se bolhas de vapor em volta da gordura e a massa fica quebradiça.

Além de melhorarem os seus cozinhados, espero que estas dicas de ciência culinária satisfaçam sua curiosidade a ajudem a surpreender as amigas. Bom Appétit!

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