terça-feira, junho 27

A foca que fala como gente

Fonte : Revista Seleções
Data : ?
Autor : Richard Wolkomir

Que é que parece foca, ginga como foca... e fala inglês com sotaque da Nova Inglaterra?

George e Alice Swallow não se admiraram quando, certa manhã de maio de 1971, apareceu Scotty, irmão de Alice, perguntando se eles não queriam uma foca. Na pequenina colônia de pescadores em Cundys Harbor, no Maine, os Swallow são conhecidos por acolherem animais feridos ou órfãos. O caso, porém, é que as focas podem pesar várias centenas de quilos.
“O melhor é a gente soltá-la”, disse George ao cunhado.
“Mas ela é tão pequenininha! Mais ou menos do tamanho do seu pé!”, insistiu Scotty. “E vive acompanhando o meu cachorro.”
George levou uns 10 minutos para chegar à casa do cunhado. Lá, na praia pedregosa, o pastor alemão de Scotty latia para uma bolinha de pelo prateado que se arrastava atrás dele por sobre as pedras. George, que então contava 57 anos, fitou os enormes olhos negros do bichinho. Era um ser patético: normalmente as focas comuns, quando nascem, pesam cerca de 10kg, mas o animalzinho não passava de 4,5kg. Pendurado na sua barriga havia ainda um pedaço de cordão umbilical.
Esquadrinhando a praia, George não viu nenhuma foca-mãe. Era bem possível que ela tivesse sido morta, pois há pescadores que consideram as focas como concorrentes deles. “É melhor você ir para casa comigo” disse George ao filhote, segurando o corpinho magro e frágil.
Aspirador. Pareciam sombrias as perspectivas de ela sobreviver. Na casa dos Swallow, a foquinha se recusou a beber leite. George ficou preocupado, mas descobriu uma pessoa que lhe ensinou o que fazer: triturar uma cavala, e enfiar a mistura obtida pela goela da bichinha. Foi com grande alegria que ele a viu engolir aquilo, e, segundo ele, “desse momento em diante, nada mais a deteve. Comia tanto que parecia um aspirador de pó, e por isso lhe demos o nome de Hoover.”
Dentro de três dias, Hoover já estava gorducho e parecia uma bola de rugby. A princípio, vivia feliz, dentro da banheira, espiando, curiosamente, por cima da beirada, toda vez que alguém passava por perto. Depois, George o levou para o laguinho atrás da casa. Aí o filhote começou a nadar e a explorar a margem oposta por entre rabos-de-gato. Satisfeito, o rapaz voltou para casa. Meia hora depois ouviu-se uma pancada na porta; nos degraus da entrada estava Hoover, esperando, impaciente, para poder entrar.
Compreendendo que o animalzinho ficaria exposto a raposas e outros predadores se dormisse às margens do lago, George resolveu armar uma barraquinha para ele no lado de fora da porta da cozinha; e, atentamente observado pelo interessado, instalou uma cerca de arame para proteger a barraca. Mal a levantou, Hoover entrou rastejando com entusiasmo e desapareceu em seus novos alojamentos. Na manhã seguinte, entretanto, os Swallow ouviram a já conhecida batida à porta da cozinha; Hoover tinha aprendido a erguer a cerca com o focinho, e a se contorcer para poder entrar ou sair à vontade.
Não tardou em estabelecer uma rotina. À noite ele se recolhia à barraca, e pela manhã percorria, rastejando, o longo caminho até o lago. A qualquer momento, porém, os Swallow podiam ouvir um barulho à porta e um choramingo impaciente: era Hoover, pedindo que o deixassem entrar.
Muitas vezes George carregou o filhote até o lago; mas, devorando entre 4kg e 4,5kg de peixe por dia, ele em pouco tempo ficou pesado. Um dia George colocou-o num carrinho de mão e levou-o até o lago. Hoover ficou em êxtase. Daí em diante estava sempre tentando subir no carrinho e pechinchando passeios.
Para ele a vida era uma brincadeira sem fim. “Levou menos de 10 minutos para aprender a saltar por um arco”, diz George. Obedecendo a outras instruções, aprendeu também a dar cambalhotas lentas dentro da água, e executava essas manobras com a precisão de um piloto de acrobacias aéreas.
As façanhas que ele mais curtia, entretanto, era nadar de mansinho até chegar debaixo de uma tartaruguinha que com ele partilhava o lago, dar um piparote no infeliz réptil, e com o focinho atira-lo para o alto. Outras vezes ele agarrava George ou Alice suavemente pela mão ou pela bainha da calça, e puxava-os para dentro do lago.
Quando George ia à sua procura, Hoover escondia-se entre as plantas. “Ei, sai daí”, gritava George com sua voz áspera e intonações características da Nova Inglaterra. Desprezando a ordem, Hoover mergulhava lentamente, divertindo-se à grande, conforme o revelava o brilho de seus olhos.
A foca passou a ser uma personalidade do bairro, e o quintal da casa muitas vezes se enchia de crianças que achavam um barato empurrar o carrinho de mão para que ela pudesse passear. Dentro do lago e diante da sua platéia entusiasmada, Hoover nadava em círculos, executava cambalhotas lentas e dava piparotes na desditosa tartaruga. À guisa de apoteose, ele ia nadando como um torpedo até a beira, onde se achavam as crianças às gargalhadas e dava-lhes um banho de borrifos de água.
Embora curtisse o carrinho de mão, Hoover gostava mais ainda de andar no automóvel dos Swallow, com George na direção e ele, deitado, atravessado no colo do motorista, olhando atentamente pela janela.
A fala! George conversava muito com Hoover. Toda vez que entrava com o carro, trazendo um carregamento de peixes para a foca, ele batia na porta com a mão e chamava: “Ei, seu burrão, vem cá!”. Quando Hoover se escondia entre as plantas do lago, ele gritava: “Sai daí.” Outras vezes perguntava: “Como vai, bicho?’
Hoje em dia George relembra: “Eu não estava tentando ensinar Hoover a falar; apenas conversava naturalmente. Quando ele fazia algum barulho engraçado, eu o imitava. Talvez isso tenha lhe metido qualquer idéia na cabeça.”
Umas seis a oito semanas depois de a foca ter ido morar com os Swallow, apareceram algumas crianças alvoroçadas correndo, vindas do lago, e disseram a George: “Hoover está falando! Ele disse: “Alo´, você ai!” George sorriu. “Claro, claro”, respondeu.
Uma tarde, porém, encontrou Hoover no caminho que conduzia ao lago, e disse a ele. “Alo, você ai”, ao que a foca respondeu com um ruído esquisito, meio estridente, dando a impressão de estar repetindo as mesmas palavras. Alguns dias depois George ouviu distintamente Hoover dizer “Sai daí!” quando ele se aproximou do lago, mas achou difícil acreditar no que estava ouvindo.
Em agosto de 1971, Hoover já estava pesando 35 kg, e George começou a leva-lo para se alimentar nas águas da baía. Além disso, raciocinava ele, estava na hora de o bicho começar a conviver com seus semelhantes.
Hoover, entretanto, não se considerava uma foca. Ele e George passavam horas perambulando pela praia rochosa, o bichinho saltando para dentro e para fora do esquife vermelho de George, brincando com as plantas marinhas e com pedaços de madeira que boiavam.
De momento parecia impossível devolver Hoover à natureza. Saberia ele defender-se sozinho? Além disso, havia perigo no hábito que ele tinha de saltar para dentro dos barcos. Portanto, quando o New England Aquarium, de Boston, se prontificou a ficar com Hoover, George e Alice sentiram-se aliviados... mas logo depois caíram em si. Aposto que no aquário ele não vai passear de carrinho de mão”, resmungou George. O casal já estava sentindo um vazio em suas vidas.
“Chorei durante toda a viagem até Boston”, relembra Alice.
No aquário, George mencionou o fato de ter ouvido, em duas ocasiões, Hoover falar, mas a equipe não se impressionou. Nunca houvera qualquer registro científico de mamíferos que imitassem a fala humana. Além disso, as focas comuns, geralmente consideradas espécie mansa, nem sequer ladram tanto como as outras.
Naquela noite, os Swallow permaneceram muito tempo ao lado de Hoover, na beira da piscina das focas, comentando os velhos tempos e acariciando o filhote já crescidinho. Por fim George disse: “Bom, acho que chegou a hora, seu burrão.” Levantou Hoover nos braços, e este lhe sapecou no rosto um beijo molhado e bigodudo. George o pôs no chão e o casal se afastou depressa. Atrás deles a foca começou a berrar, indignada e surpresa. Nem George nem Alice disseram muita coisa durante a viagem de volta a Cundys Harbor.
A princípio o casal ia visitar Hoover com freqüência, mas, cada vez que os dois se despediam dele, era um sofrimento horrível. Por fim resolveram que seria melhor para Hoover deixa-lo em paz.
Enquanto isso, em Boston, começou a acontecer algo de estranho na piscina das focas. Todos os dias os tratadores anotavam suas observações sobre os animais. Em 1974 a ficha de Hoover revelava que ele estava fazendo ruídos ásperos e grunhidos.
No decorrer dos anos seguintes esses sons se aceleraram, e no dia 11 de novembro de 1978 o tratador escreveu. “Ele diz ‘Hoover’ claramente... tenho testemunhas!” Em pouco tempo o vocabulário da foca desabrochou e ela passou a enunciar as frases de George... com sotaque da Nova Inglaterra.
Não tardou que se tornasse um astro nos veículos de comunicação, e os cientistas da Smithsonian Institution, de Washington, acorreram para estudar o estranho talento daquele animal. Continua, entretanto, sendo um mistério para os pesquisadores o motivo por que só ele imita a fala humana.
Em Cundys Harbor, os Swallow ouviram as notícias sobre Hoover, o superastro falante... e isto veio tornar mais difícil ainda respeitar a proibição das visitas que eles mesmos se haviam imposto. Foi assim que, cinco anos depois de o verem pela última vez, George disse a Alice: “Ele não deve lembrar-se de nós. Vamos visita-lo.” No dia seguinte o casal tomou o carro e foi para Boston.
Quando chegaram ao aquário, o que eles viram foi uma foca plenamente desenvolvida, com um manto mosqueado preto e cinza – uma foca que falava diante de câmaras de televisão.
Naquele dia Hoover se tinha recusado a comer, devido a um mal-estar qualquer. Enquanto os Swallow observavam a cena, um tratador tentou atrair o animal com um arenque, mas Hoover não ligou. George então foi até a beira da piscina. “Ei, seu Burrão, vem até aqui!” gritou.
Ao ouvir aquela voz áspera, o grande mamífero fez uma pausa nos rodopios, e olhou para os recém-chegados. Então explodiu de alegria dentro da água. Com um estalo, veio deslizando até sair da piscina, e com a maior delicadeza pegou com a boca a mão de Alice, procurando puxa-la para a borda, exatamente como, em seus tempos de filhote, ele tentava fazer naquele laguinho do Maine.
George pegou no balde de peixes e atirou um para Hoover. “Vocês precisavam ver como ele avançou!” conta George com um tremor na voz rude. “Devorou aqueles peixes todos num piscar de olhos!”
Hoje, Hoover é o orador residente do aquário, “entrevistado” com freqüência pelos jornalistas, e aparecendo em programas de televisão.
Toda vez que os Swallow vão à Boston, passam por lá para ver o velho amigo. Enquanto isso, Hoover continua a impressionar os cientistas e também os não-cientistas. Muitas vezes um passante que olhe para a piscina das focas, altas horas da noite, se assusta ao ouvir uma voz rouca, vinda das águas escuras, a perguntar: “Como vai, meu chapa?”

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