quinta-feira, agosto 30

Breve encontro com Hemingway

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1997
Autor : Arthur Higbee ( do International Herald Tribune )

Durante duas décadas, Ernest Hemingway e Scott Fitzgerald viveram amizade de altos e baixos. . Deve ter sido num dos baixos que Fitzgerald observou: “Ernest sempre daria a mão a um homem que estivesse acima dele.”

Encontrei Hemingway certa vez quando estava abaixo dele. Eu era correspondente da United Press no escritório em Paris – patamar de respeitável altura – mas Hemingway ganhara o prêmio Nobel. O encontro aconteceu no bar do Ritz, à época decorado com belos murais de cavaleiros do século 16.
O ano era 1956. Uma daquelas lindas noites de verão em que o ar da Île de Fance parecia cheio de ouro em pó. Eu estava a uma mesa com a garota. Era nossa despedida. No dia seguinte, toda a paixão se esgotaria, ela estaria voltando para os Estados Unidos. Eu, com o fim do amor, da esperança e sem razão para viver, entraria para a legião estrangeira francesa, iria para um mosteiro ou talvez até pulasse daquele patamar.
Começáramos uma rodada de bloody mary. Ela deu um gole, olhou em volta e subitamente, com mais vivacidade do que eu vira em semanas, exclamou:
“Aquele não é Ernest Hemingway?”
No fim do bar, falando ao telefone, havia um homem alto de barba branca, bonito e imponente o bastante para ser Deus, o Todo Poderoso.
“Sim, é Hemingway”, respondi.
“Por que não o convida para tomar um drinque conosco?”, perguntou ela, sabendo que eu não ousaria.
Que importava se o barman do Ritz me pusesse para fora? Minha vida acabara mesmo.
“Vou chamá-lo”
“Não, não!”, exclamou. “Eu estava brincando.”
“Pois eu não”, respondi, ajeitando os ombros e indo até lá.
Hemingway terminara a conversa telefônica.
“Senhor Hemingway, a jovem da última mesa e eu gostaríamos que nos acompanhasse num drinque, se tiver tempo.”
Ele olhou para mim, depois para ela. Ou porque eu estava tão obviamente em apuros ou porque ela era tão linda – mistura de Gene Tierney com Audrey Hepburn – ele respondeu:
“Tenho uma ligação para fazer, depois vou até lá.”
Quando voltei, a garota perguntou: “O que ele disse?”
“Que vem tomar um drinque conosco. Talvez estivesse só brincando.”
Minutos depois, quando ela e eu evitávamos olhar para o outro lado do bar, uma sombra surgiu sobre a mesa e Hemingway sentou-se. Pedimos outra rodada de boody Mary.
Ele nos contou que iria assistir às touradas na Espanha e que se havia recuperado completamente dos ferimentos sofridos quando seu pequeno avião caíra na selva africana meses antes. Perguntou que tipo de carro eu dirigia. Quando respondi que tinha um Triumph TR-2 – grande motor com chassis bem pequeno -, ele comentou: “Com um desses se anda mesmo!”
Conversamos alguns instantes. Depois ele olhou para o relógio e disse: “Gostaria de ficar, mas tenho um jantar. Foi bom falar com vocês.”
A garota pegou minha mão e sorriu calorosamente pela primeira vez em semanas: “Você é corajoso”, elogiou.
Pedi a conta. “Monsieur Hemingway a payé”, respondeu o garçom. O senhor Hemingway pagara os drinques.
A noite revelou-se linda – tudo como havia sido um dia. Embora a garota fosse partir na manhã seguinte – tinha compromissos familiares nos EUA – prometeu que voltaria no outono, e voltou. Mas isso é outra história.
Anos depois li que Hemingway, famoso mundialmente mas nem sempre reconhecido, gostava quando estranhos chegavam para pedir autógrafo ou oferecer-lhe um drinque.
De qualquer forma, ele estendeu-me a mão quando eu estava abaixo dele.

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