segunda-feira, agosto 27

Meu primeiro emprego

Fonte : Revista Seleções
Data : Fevereiro de 1999
Autor : Marcelo Carneiro

Brasileiros de sucesso contam que o importante não é o salário, mas sim o que se aprende

A professorinha de inglês
Aos 18 anos, às vésperas de ingressar na Faculdade de Psicologia – um sonho antigo -, decidi procurar meu primeiro emprego. Não foi difícil. Quase uma década debruçada sobre livros de inglês e uma fluência invejável me garantiram uma vaga como professora no curso Ibeu (Instituto Brasil Estados Unidos), à época um dos mais conhecidos. Era um trabalho até certo ponto tranqüilo, afinal sempre gostei de ensinar e parecia preparada para a função. Controlar alunos na fase entre infância e adolescência foi o maior desafio.
Lembro-me de um dos alunos. Era simplesmente impossível concluir uma aula na sua presença. As intervenções fora de hora, a conversa a todo instante, a desatenção na hora das provas, tudo contribuía para que eu pensasse a todo momento que não conseguiria lidar com aquela situação. Mas aos poucos fui impondo meu estilo. O moleque nunca virou um santo – acho que até hoje, já adulto, deve aprontar das suas -, mas ao fim de um ano eu já havia conseguido controlar a turma. Impor respeito diante de pessoas que tinham quase a minha idade me ajudou a pensar mais sobre as relações humanas, a importância do equilíbrio emocional em momentos de tensão, a necessidade de estar sempre pronta a ouvir, mesmo nos momentos em que talvez fosse necessário falar, às vezes até de maneira mais dura. Anos depois, vi em meu consultório que o comportamento das crianças como aquelas é bem mais comum do que eu imaginava. Agora elas eram, para mim, um caso clínico. Mais isso já é outra história.
Maria Tereza Maldonado, 50 anos, psicóloga especializada em família, tem 23 livros publicados e 800 mil exemplares vendidos.

O motorista dos ‘bacanas’.
Certo dia meu amigo Peter viu anunciado num jornal o carro que todo garoto de nossa idade sonhava dirigir. O carro estava em Búzios, balneário a duas horas e meia do Rio de Janeiro, onde eu costumava passar as férias. Resolvemos, então, ir até lá. De repente, à nossa frente, vimos um enorme Landau azul brilhante. No vidro da frente, o anúncio: vende-se.
Pelo estado do carro, percebemos logo que se tratava de uma pechincha. A negociação não durou nem cinco minutos e lá estávamos Peter e eu a bordo daquele transatlântico sobre rodas.
Na volta para o Rio, tratamos do carro com carinho. Rodas zero quilômetro, polimento no pára-choque e uma nova pintura deixaram o carro mais apresentável. Mas o que fazer com ele? Nem Peter nem eu tínhamos dinheiro sequer para pagar o combustível do nosso beberrão de luxo. A solução veio com o apelo de uma amiga. Ela decidira se casar, e mal tinha dinheiro para a festa, quanto mais para alugar um carro que a levasse até a igreja. Não tive dúvida: “Seu problema acabou, sou o mais novo motorista na praça.”
O primeiro salário não pagou nem o que eu tinha gastado com o terno, a camisa social e a gravata que precisei comprar para minha nova função. Seis meses depois, porém, não havia do que reclamar. Peter e eu tínhamos ganho dinheiro suficiente para passar o verão seguinte sem precisar da ajuda dos pais. Isso, porém, não foi o mais importante. Para mim, um garoto de classe média carioca, acostumado a transitar por todo tipo de festa como convidado, a experiência de motorista de noiva foi algo inesquecível. Por vários meses meus fins de semana à noite foram passados em frente às mansões onde se realizavam as melhores festas. Eu já tinha estado lá, só que com meus amigos, sem ter hora para sair ou qualquer responsabilidade. Agora, meus colegas de festa eram copeiros, cozinheiros e outros motoristas que se juntavam para quebrar o tédio enquanto todos se divertiam. Para mim, no entanto, aquilo também era diversão, e mais do que isso, uma lição. Ao me colocar no lugar deles, aprendi não só o valor do dinheiro, mas também o valor de qualquer trabalho, independentemente do quão grandioso ou humilde ele possa ser.
Eduardo Paes, 29 anos, foi eleito deputado federal pelo Rio de janeiro nas últimas eleições.

O garoto do armazém
Minha vida profissional começou quando eu tinha 13 anos de idade. Até então, era um menino como todos os outros de Jatobá, vila próxima de Petrolina, uma das mais importantes cidades do interior de Pernambuco. Levava a vida entre banhos no Rio São Francisco e o apoio a meu pai, um lavrador com pequenas plantações de milho, feijão e mandioca. Minha mãe, professora, tinha jurado a si mesma dar a todos os cinco filhos o ginásio, já que ela e o marido só tinham conseguido concluir o primário. Jatobá era pequena demais para esse sonho. E lá fui eu – em definitivo – para Petrolina, no lombo de um jegue.
A primeira providência foi arrumar emprego para as horas de folga do estudo. Encontrei no seu Benedito Mousinho, piauiense forte e ambicioso, o personagem que me marcaria para sempre. Dono de mercearia, seu Benedito vendia tudo que se possa imaginar: de produtos alimentícios a enxadas usadas na roça. Seus clientes eram vaqueiros do agreste pernambucano e barqueiros que cruzavam o São Francisco. Tímido e mirrado, eu não podia fugir da dura rotina do armazém. Às vezes tinha de levar no braço sacos de 60 quilos de arroz ou feijão na venda para o atacado. O esforço físico, porém, não era a tarefa mais difícil. Aprendi logo que, mesmo com a pouca idade, teria de mostrar responsabilidade. Em um ano e meio de trabalho, antes de completar 15 anos, já tinha assumido o controle da loja durante as várias viagens de Seu Benedito. Apesar de até hoje não ter entre as minhas especialidades a arte de lidar com o dinheiro – característica peculiar aos artistas -, aprendi a reconhecer o valor de alcançar, pelo próprio esforço, algo que se deseja muito. Com o dinheiro acumulado nos primeiros salários, pude comprar o tão sonhado blusão, igual ao usado por James Dean no filme Juventude Transviada. Deixava, então, de ser o menino envergonhado, bicho do mato de Jatobá. Começava a minha vida.
Geraldo Azevedo, 54 anos, é cantor e compositor, e tem 18 discos gravados.

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