terça-feira, agosto 21

Toquem o alarme

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1997
Autor : Nick Jans

Quando a catástrofe assola esta vila, todos correm para ajudar.

Um barulhento trenó motorizado passa em alta velocidade a pequena distância. Garotos, penso, sacudindo a cabeça. Enquanto continuo trabalhando na pilha de lenha sob temperatura de 5 graus abaixo de zero, ouço cães latindo. Lá no alto, a luz difusa da aurora boreal cintila em meio às estrelas com arcos e faixas de um colorido brilhante.
Logo em seguida escuto o ruído de dois outros trenós motorizados, bem como gritos. Deixo o machado cair, corro para o outro lado de minha cabana e quase me choco com Ronald Cleveland, um dos meus alunos da escola de primeiro grau. Ele está correndo, tentando salvar a vida. Outros garotos fazem o mesmo, um pouco atrás.
“O que está acontecendo?”, pergunto.
“Fogo lá em casa!”, grita. “Fogo!”
Olho na direção da cabana da família e vejo a fumaça subindo, em forma de pluma branca, brilhando no céu. A casa próxima à deles, a de número 73, lar da família Greist, está em chamas.
A brisa muda de direção e me vejo envolvido pelo manto pungente do fogo. Um vizinho leva baldes. Corro em direção à minha cabana em busca do meu balde. Enquanto estou correndo pela trilha, ouço o barulho da sirene da vila dando o alarme. Todos os cães do povoado – centenas deles – começam a uivar em coro.
Pouco mais de 250 pessoas moram em Ambler, pequena vila esquimó no Alasca, onde sou professor. Entretanto, mais de 20 esquimós continuam chegando a cada minuto. A maioria das casas do povoado tem rádio CB (faixa de cidadão) e a mensagem transmitida – “Incêndio na 73” – fez com que todos viessem rápido. Alguns trouxeram baldes, machados e extintores.
“Todo mundo está a salvo?”, perguntam as pessoas.
“E as crianças?”
Os menores estavam dentro da cabana com uma babá e ninguém sabe onde se encontram agora. Dois homens tentam entrar para verificar, mas a fumaça os impede. Há um momento de pânico, porém logo chega a notícia de que as crianças estão salvas.
Aariga!” Isso é bom!”, exclamam as pessoas, aliviadas.
A densa fumaça sai pela porta e pelas janelas, porém as chamas ainda não são visíveis. Meu amigo Clarence Wood usa o machado para quebrar a janela e aqueles que tem extintores conseguem penetrar na cabana. A fumaça parece estar mais densa do que nunca. Um trenó chega com uma lata de lixo cheia de água e todos pedem mais.
“Onde é o hidrante?”, grita um homem. Assim como na maioria dos lugarejos da região, poucas casas tem hidrante. Esta cabana está situada a quase 300 metros do mais próximo. Não existe Corpo de Bombeiros ou caminhão de bombeiros em Ambler; somente algumas mangueiras e um grande extintor químico. Em caso de emergências, as pessoas dependem dos vizinhos e de si próprias.
Apanhando três baldes vazios, pergunto qual casa tem água corrente. “A casa de Katherine”, responde um estudante de segundo grau. Saímos em disparada vencendo os cem metros que nos separam da casa dos Cleveland. Rena, de 10 anos, abre a porta.
“O banheiro é logo ali!”, grita ela, apontando.
“Encha todas as panelas que você encontrar!”, peço-lhe. Ela concorda, fazendo movimento com a cabeça. Dois bebês seminus choram no sofá. Rena conta-me que eles estavam dentro da cabana quando o incêndio começou. Com os baldes cheios, saio correndo, espalhando água pelo piso.
Lá fora, a noite é banhada pelo brilho alaranjado. O fogo, saindo pela janela aberta, chegou ao teto da cabana e está crescendo a cada segundo.
Abaixando-me para escapar do calor e da fumaça, corro até a janela e jogo 40 litros de água bem no foco do incêndio. Não ouço sequer um chiado. Sufocado pela fumaça, afasto-me e outro homem se aproxima. O fogo nos ignora, elevando-se em nuvem exuberante, enquanto a observamos assustados.
“Afastem-se!”, alguém grita enquanto um trenó se aproxima trazendo o grande extintor químico. Vários homens o colocam em posição e direcionam a mangueira para as chamas. Durante trinta segundos ouvimos forte ruído. Uma nuvem branca cobre as chamas e a multidão aplaude. O extintor, entretanto, começa a chiar e pára de funcionar; estava com menos da metade da carga total.
Jogamos toda a água que temos, e em seguida usamos as pás para lançar neve sobre as chamas, esforçando-nos para conter a vantagem obtida pelo extintor. Porém, a língua laranja se eleva no meio da fumaça. Logo a seguir, outra ainda maior, e o teto é tomado pelo fogo, impedindo nossa aproximação.
Saio em busca de mais água. Katherine e Rena estão com vários recipientes cheios e em poucos segundos já tenho o suficiente para voltar à cabana em chamas.
Cinco viagens; seis; as chamas estão cada vez mais altas e o calor mais intenso. Lanço a água sobre o fogo e me viro para correr outra vez, mas meu vizinho Stanley segura-me o braço.
“Não adianta, camarada”, diz balançando a cabeça. “Deixe-a queimar.”
Ajoelho-me ofegando e tossindo, a 20 metros do incêndio. Meu macacão está congelado pela água derramada sobre ele; o rosto chamuscado. O teto desaba, lançando fagulhas em direção às estrelas.
Fred e Arlene Greist encontram-se de pé entre amigos e parentes, observando tudo o que tem desaparecer em meio às chamas. Enfrentando muitas dificuldades para começar – sem poupança nem seguro – só possuíam a casa que construíram juntos, onde estavam criando os filhos. Agora, em questão de minutos, vêem-se reduzidos às roupas do corpo.
Tragédias como esta acontecem em todo lugar. Mas aqui, ilhados numa região tão deserta, a perda parece maior. Os limites da vida são mais tênues e aparentes. A temperatura está abaixo de zero e continua caindo. Sem ajuda, a família Greist não sobreviveria a essa noite.
Embora o fogo já se esteja apagando, poucas pessoas vão embora. Compartilham aquele infortúnio, oferecendo apoio, simplesmente ficando juntos no meio da noite. Uma viga de madeira cede e cai, provocando explosão de fagulhas. Chamas surgem novamente.
A multidão se dispersa devagar, mas ninguém vai aceitar a derrota. Um pedido de ajuda é feito. Quando termino de trocar as roupas, Fred e Arlene já foram acomodados para passar a noite e receberam oferta de uma casa disponível que, na realidade, é melhor do que a que perderam. Voluntários vão de porta em porta recolhendo doações de comida, roupas e dinheiro.
As pessoas dão o que podem. Amanhã, um pedido de ajuda às vilas da região será enviado pelo rádio, e muitos responderão. Preencho um cheque, atiço fogo em meu fogão a lenha e vou para a cama, abalado pela experiência, porém de alguma forma animado e menos só do que antes.
Existe generosidade e auto-suficiência inerentes ao povo esquimó que me atraíram muito quando me mudei para a vila, há mais de 15 anos. Embora eu saiba que sempre serei forasteiro entre eles, sei também que encontrei meu lar.
O fogo entrou “em casa”. Estávamos todos lá.

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