terça-feira, agosto 28

Uma escola para Dave

Fonte : Revista Seleções
Data : Fevereito de 1999
Autor : Peter Michelmore

Ele tinha mais a aprender com Frank do que imaginava.

Numa tarde do outono de 1993, Dave Blair, 17 anos, estava mais uma vez “matando” aula, seguindo para a porta da escola.
Dave não gostava de estudar e deixava isso claro. Conseqüentemente, os professores nem sempre gostavam de Dave. Eles o acusavam de ser “impulsivo e grosseiro”. Talvez fosse mesmo, mas Dave não se importava com isso. O rapaz de cabelos escuros era extrovertido e popular entre os colegas, mas se sentia perdido na sala de aula. Lia com dificuldade e, quando empacava em algum trecho, percebia o desagrado dos professores.
“A escola não adianta nada para mim”, costumava dizer. “Acho que vou desistir.”
Ele só hesitava porque iria desapontar a mãe divorciada, que mantinha três empregos para poder pagar as contas. Agora, fora da escola, Dave viu um amigo aproximar-se de um trailer estacionado nos fundos do prédio desde agosto.
“O que esse trailer está fazendo aí?” perguntou.
“Vou mostrar a você”, respondeu o garoto.
Numa área ampla, oito adolescentes espalharam-se por algumas mesas.
“Eis aqui alguém que pode ajudar você” disse o amigo de Dave, apresentando-o a Sue Scott, mulher de cabelos castanhos e uns trinta e poucos anos, de pé, diante do grupo.
Dave não sabia o que pensar daqueles garotos estranhos. Estava claro que se tratava de uma turma para deficientes – adolescentes com autismo, paralisia cerebral, deficiência mental. Um deles disse algumas palavras incoerentes, em voz alta, mas a maioria permaneceu em silêncio.
Apontando para um jovem de ombros largos, olhos estreitos e oblíquos, Sue Scott disse:
“Este é Frank Howard, ele vai apresentar você a todos.”
Sorrindo timidamente, Frank, um rapaz de 20 anos portador da síndrome de Down, acompanhou Dave até cada um deles, enquanto a professora pronunciava em voz alta seus nomes. Nem Frank nem Dave disseram palavra.
“Este é o nosso recreio”, explicou Sue Scott, fingindo não perceber a surpresa no rosto de Dave. “Estamos brincando com um jogo de dados chamado Yahtzee.”
Dave observou os garotos chocalharem e lançarem os dados. A princípio sentiu pena deles. Mas, à medida que iam dominando o jogo, Dave viu o rosto deles brilhar. Logo Dave também estava participando.
“Muito bem, Frank!” gritou quando o jovem lançou os dados, conseguindo boa jogada.
Ei, gostei disso, disse Dave a si mesmo quando retornava às suas aulas. Talvez eu volte para outra visita.

A melhor fase de sua vida. Dave descobriu que Frank Howard fazia parte de um projeto experimental para integrar jovens deficientes à escola Hayes. E soube que a professora Sue Scott desenvolvia um programa destinado a levar jovens a agirem como defensores, mentores e amigos dos deficientes.
Para alegria de Sue Scott, Dave reapareceu no trailer na tarde seguinte. Quando entrou, Frank Howard correu para o seu lado.
“Oi!”, disse Frank, ansioso.
Os dois sentaram-se juntos enquanto Sue Scott e alguns voluntários faziam uma demonstração da comunicação por sinais. Toda vez que Frank entendia corretamente um gesto, Dave assentia com a cabeça e Frank abria um largo sorriso.
Um dia Frank, com uma expressão de orgulho nos olhos, encontrou Dave na porta. Frank tinha falado muito pouco com ele, mas agora parecia estar a ponto de dizer algo. Finalmente conseguiu.
“Dave”, disse ele, em voz baixa mas clara.
Esse simples som, seu nome, emocionou Dave de uma forma que o surpreendeu.
Ele logo percebeu que poderia ser útil na turma de Sue Scott. Ela enfatizava as capacidades e não as deficiências. Isso lhe disse alguma coisa. Sabia o que era enfrentar as próprias dificuldades. Também viu como Frank estava sempre ávido por aprender, embora tudo fosse difícil para ele. As visitas de Dave ao trailer tornaram-se uma rotina diária.
O espírito alegre e caloroso de Frank despertou o senso de humor de Dave. Um dia, fazendo palhaçadas, Dave imitou o rosto severo de um professor e ordenou a Frank que deixasse de brincadeiras. Sabendo que o outro estava fingindo, Frank começou a imitar o modo como Elvis Presley dançava, o que fez Dave rolar de rir.
Mais tarde, quando alguns amigos, intrigados, perguntaram por que ele andava com Frank, Dave respondeu:
“Temos mais coisas em comuns do que diferenças.”
Em um bilhete para Sue Scott, a mãe de Frank, Donna, escreveu:
“Meu filho está vivendo a melhor fase de sua vida.”
Não era só divertimento, porém. Usando fotos de sinais de trânsito, Dave ajudava Frank a reconhecer palavras como perigo e pare. Com o auxílio de um livro de receitas com ilustrações, ensinou Frank a fazer panquecas. Com a ajuda de Dave, Frank também praticava caligrafia, preenchia cronogramas e aprendia a encontrar as salas de aula.
Dave, por sua vez, sentia-se útil. Durante uma aula de química queimou a mão acidentalmente em vidro derretido. Na aula que se seguiu, com a queimadura latejando, pediu à professora permissão para ir buscar uma bolsa de gelo.
“Você está fingindo”, censurou ela. “Não pode estar doendo tanto.”
Magoado com a repreensão, Dave saiu tempestuosamente da sala. Ainda estava zangado quando entrou pisando forte no trailer.
“Para mim chega!”, disse para Sue Scott. “Vou abandonar a escola”
Nesse momento, seu olhar fixou-se em Frank, que acenava para ele. Aos poucos a mágoa de Dave passou. Ele não podia simplesmente ir embora. Não sentiria mais pena de si mesmo, decidiu, não falaria mais em sair da escola.
“O que há, grande Frank?”, disse por fim, indo até ele.

Dançando num concerto de rock.
Durante o inverno e a primavera de 1994, Dave ajudou a promover a integração dos jovens deficientes na vida estudantil. Um rapaz começou a freqüentar regularmente as aulas de matemática; outros, as de economia doméstica, trabalhos com madeira e educação física. A maior parte deles estava aceita.
Um dia, quando fazia compras com o filho, Donna viu um grupo de adolescentes vir na direção deles.
“Oi Frank!”, disseram calorosamente.
“Vocês estudam na escola Hayes?”, perguntou Donna.
“Estudamos, foi lá que conhecemos Frank”, respondeu um garoto.
Donna logo percebeu por que eles eram tão amáveis com Frank.
“Tchau, Frank, dê um alô para o Dave”, disse um deles quando se afastaram.
No piquenique do fim de ano escolar, ela notou como Dave e seu filho eram amigos.
“Dave está ajudando Frank a desenvolver todas as suas potencialidades”, contou-lhe Sue Scott. “E Frank deu a Dave a oportunidade de se destacar quando mais precisava disso.”
Instintivamente Donna confiou em Dave e pensou como seria bom se Frank saísse uma noite com o amigo. Lembrou-se das quatro entradas que tinha comprado para um show de rock, duas das quais eram para a sua filha, Aimee, e uma amiga.
Armando-se de coragem, Donna perguntou a Dave:
“Você levaria meu filho ao show do Aerosmith?”
“Seria um grande prazer”, respondeu Dave.
No anfiteatro Frank pulava ao ritmo da música e dedilhava uma guitarra imaginária, os olhos cheios de entusiasmo. Mais tarde, espremidos na multidão, Dave emprenhava-se em não se perder do amigo. Aimee ficou observando os dois descerem a escada.
“Dave não se importa com o que as pessoas pensam”, disse para a amiga. “Ele está segurando a mão de Frank.”

“Amigos para sempre”. Quando Dave conseguiu um emprego à noite e nos fins de semana em um restaurante, encontrou um jeito de incluir Frank Uma organização não lucrativa tinha um programa de treinamento profissional para deficientes. A organização concordou em treinar Frank para lavar pratos no restaurante. Dave, porém, tinha outras idéias.
Os membros do programa de amigos dos deficientes que paravam para comer ficavam encantados em ver Frank arrumando e tirando as mesas.
“Quero que ele conviva com as pessoas”, dizia-lhes Dave.
Mas as muitas horas no restaurante aumentavam os problemas de Dave na escola.
“Nesse ritmo você não vai se formar”, observou o orientador no último ano. “Você corre o risco de voltar no próximo período.”
Enquanto isso, Sue Scott elaborou para seus alunos uma escala de notas avaliando assiduidade, atenção, comportamento, asseio e companheirismo. Frank iria obter o certificado e formar-se com o restante da turma.
Quando Dave soube da notícia, disse para Sue:
“Vou me formar com Frank. Não perco isso de jeito nenhum.”
E estudou como nunca.
Num belo dia de sábado, em junho de 1995, Dave ouviu com orgulho o nome de Frank Howard ser chamado e viu o amigo receber o certificado. Os olhos de Donna Howard brilhavam quando ela ouviu os aplausos e testemunhou a aceitação do filho. Nunca tinha sonhado que isso fosse possível. Então Dave atravessou o palco para receber seu diploma. A mãe dele estava eufórica por ver o filho concluir o curso.
Mais tarde, na festa, Dave tirou do bolso dois cordões de prata com pendentes também de prata em formato de trevo e deu um deles para Frank. Em um dos lados de cada trevo ele mandara gravar seus nomes e a data da formatura. No outro estava escrito: “Os melhores amigos.”
Nesse momento, o rosto de Dave estava molhado de lágrimas. É verdade que conseguira o diploma, mas tinha feito algo que prezava ainda mais. Fora importante para a vida de alguém. Abraçando Frank, ele disse:
“Vamos ser amigos para sempre!”

Hoje Dave dirige um caminhão da prefeitura de Delaware e faz o curso de educação especial. Frank Howard trabalha numa linha de montagem. Eles se encontram com freqüência e foram a outro concerto do Aerosmith.

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