quinta-feira, agosto 2

Comemorando toda uma vida

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1997
Autora : Mary E. Potter

Era o dia dele, mas era nosso também – um momento de olhar para o futuro e para o passado.

Os diplomados estão enfileirados, posando como uma tribo de índios guerreiros num filme clássico do faroeste. Mas, em vez de se precipitarem pelo gramado bem cuidado, gritando e fazendo baderna, marcham lenta e decorosamente, com suas becas pretas agitando-se na brisa fresca da manhã.
O vento também capta a música da banda, elevando-a sobre as cabeças dos espectadores, enquanto nos mexemos e viramos em nossas cadeiras dobráveis, esforçando-nos para ver o desfile. Um rastro de bolhas cristalinas, refletindo as cores do arco-íris, flutua atrás de uma garota que, sem constrangimento, sopra num canudo de plástico. Nas compridas fileiras de barretes pretos de formatura, inclinados em todos os ângulos, consigo ver meu filho.
No momento em que Jeff passa, vem-me à cabeça a imagem dele aos 10 anos, vestindo uma roupa velha de professor. Naquele ano, Jeff usou beca feita em casa e um barrete, com cabelos de barbante; velhos óculos de aros de metal escorregavam pelo nariz, enquanto ele, com dificuldade, carregava um dicionário com os dois braços.
A recordação daquele menino se esforçando está justaposta à visão do belo rapaz que vai marchando. Hoje, o barrete e a beca são verdadeiros, mas ele carrega os conhecimentos – além das responsabilidades que acompanham este privilégio – na cabeça e no coração, e não nos braços.
O reitor da universidade pede aos pais que se levantem. Todos aplaudem, reconhecendo que este também é o nosso dia. Lá na frente, a garota continua sua atuação. Torrentes de bolhas flutuam preguiçosamente até nós, em meio a brilhantes manchas douradas da luz do sol. Cada uma delas me parece trazer recordação de Jeff quando estava crescendo.
Eu o vejo aos 2 anos de idade, sentado no colo de Richard, apontando as letras do alfabeto, construindo uma fortaleza no mato e instalando o escritório em seu quarto – que sempre foi um foco de atividade, onde cada espaço disponível ficava empilhado de livros, coleções de pedras, tampas de garrafas, figuras de jogadores e selos. Meus pensamentos saltam para uma lembrança de Jeff, aos 12 anos, sentado à mesa da cozinha, aprendendo sozinho a datilografar, “catando milho” na velha Remington que comprara com o próprio dinheiro numa liquidação. E depois assisto ao diretor chamar o autor da peça de Natal da sexta série. No palco aparece Jeff, vindo dos bastidores, as faces coradas de orgulho e constrangimento diante dos aplausos.
As bolhas continuam a esvoaçar. No meio delas estão minhas recordações. Eu me pergunto como passei tão depressa da cadeira em que assisti à peça de Natal da sexta série para a cadeira onde estou assistindo hoje à formatura. Como todos aqueles dias – de reuniões de escoteiros, treinos dos juvenis e longas viagens à escola – transformaram-se em anos tão rapidamente? No final da cerimônia, que de certo modo marcará o fim de nossos anos de mentores de Jeff, o que devo dizer? Encontramos nosso rapaz no largo gramado verde atrás das cadeiras. Todos estão circulando por ali com alegria. É hora dos cumprimentos. Mas quando me sinto envolvida pelos braços carinhosos de Jeff, em sua beca preta, não encontro palavras.
Tudo bem. Não tenho nenhum aforismo apropriado nem palavras polidas de sabedoria engarrafada para meu filho levar em sua viagem pela vida, como excesso de bagagem. Meu trabalho como mãe já foi feito, em momentos tranqüilos, quando lhe contava histórias na hora de dormir, nas longas conversas na cozinha, nos ensinamentos e sermões, assim como nas demonstrações através de exemplos das nossas vidas diárias
Agora, minha cunhada Gloria nos faz posar para uma foto. Os garotos mais novos, Robert e John, ficam na frente, sorridentes e orgulhosos. Jeff se posta na fila de trás, entre Richard e eu. Sinto a mão de Richard em meu ombro. Gloria bate a foto e nos congela no tempo.
Amanhã, Jeff pode passar ao futuro. Por hoje, vamos parar só um instante, festejar e aplaudir uns aos outros, dirigindo nossa visão tanto para a frente quanto para trás, enquanto as bolhas deslizam por nós, delicadas, efêmeras, esvoaçando pelo sol e pela sombra e, por fim, erguendo-se para o céu límpido e sem fim.

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