sexta-feira, agosto 24

Minha vergonha secreta

Fonte : Revista Seleções
Data : Fevereito de 1999
Autor : Simon Hoggart

É o pior pesadelo de todo homem e está me levando à loucura

Sofro de um mal desolador. Algo de que as pessoas nunca falam, porque é embaraçoso demais. Se você é homem, com certeza sabe que esse é um assunto que jamais pode ser levantado em uma conversa com outros homens.
Minha mulher tem se mostrado compreensiva, mas é tão difícil para ela que até já sugeriu, algumas vezes, que eu procurasse um especialista. Um dia talvez o faça, mas tenho relutado, por causa do medo já profundo de que talvez seja muito tarde para isso: não há mais nada que possa me ajudar.
Veja você, não consigo estacionar. Sou incapaz de estacionar um carro. Aposto que esta é a primeira vez que um homem admite isso, por escrito. É muito vergonhoso.
Eu consigo colocar o carro em um estacionamento vazio ou quase vazio, ou até mesmo estacionar em acostamentos, se houver pelo menos o espaço correspondente a três carros, para que eu possa entrar – sempre de frente, claro.
Conheço as regras de estacionamento, como entrar de marcha à ré, olhando para trás sobre o ombro, esperando o momento exato de virar todo o volante. Sei perfeitamente como é que se deve calcular a distância entre o pára-choque e o carro da frente. Se um marciano chegasse à Terra e quisesse saber como estacionar, provavelmente conseguiria explicar a ele, verbalmente. Também conheço todas as regras do xadrez, embora não saiba jogar direito.
Minha mulher sabe estacionar. Aponte-lhe uma vaga, digamos apenas uns dois centímetros maior do que o nosso carro, e escorregará para dentro dela com a maior graciosidade, com um único movimento, só interrompido para um sorrisinho sarcástico diante do meu oferecimento para saltar e ajudar.
Outros homens sabem estacionar. É algo que todos os homens que se prezam sabem fazer, assim como aqueles consertos domésticos. É como se me faltasse algum gene vital.
Geralmente deixo o carro com a traseira afastada do meio-fio, num ângulo de 30º em relação à calçada, o que faz lembrar aquela cena em Noivo neurótico, noiva nervosa, na qual, num esforço extremo para agradar a Diane Keaton, Woody Allen diz: “Está bem! A gente pode caminhar daqui até o meio-fio.”
No meu trabalho como jornalista, é comum eu me ver quase em apuros. Em época de eleições, seguir os políticos pela cidade pode exigir grande habilidade na direção. Os colegas normalmente pedem carona, que tenho prazer em oferecer. Começamos, então, a percorrer o longo caminho até onde deixei o carro.
“Mas está a uma distância quilométrica!” exclamam, observando minutos vitais serem desperdiçados.
Invento qualquer desculpa esfarrapada, como estacionei ali para tomar um cafezinho, ou digo que errei ao consultar o mapa – qualquer coisa, menos admitir que aquela havia sido a primeira vaga que encontrara, onde achava que haveria alguma chance de conseguir entrar.
Costumo percorrer distâncias enormes tentando disfarçar minha fraqueza. Certa vez, precisei me hospedar em Bordeaux. Os franceses são campeões mundiais de estacionamento. Conseguem parar em vagas menores que seus carros, empurrando-os, sem que ninguém perceba, para a frente e para trás. Meu hotel não tinha garagem, mas o proprietário muito amável, disse que havia guardado uma vaga, duas ruas adiante. Se eu o seguisse, ele tiraria seu carro da vaga e eu poderia entrar bem rápido, antes que algum motorista voasse para dentro dela.
Mas é claro que eu não consegui entrar. Tentei a primeira vez e o carro ficou com a mala na calçada e o capô quase no meio da rua. Tentei novamente e quase amassei o Mercedes na vaga da frente. A terceira tentativa foi melhor – quase aceitável -, a não ser pelo fato de que a velha e estreita rua ficou bloqueada a qualquer coisa um pouquinho maior do que uma motoneta.
Atrás de mim, alguns franceses zombeteiros observavam, assombrados com meu desempenho. Atrás deles, dezenas de outros motoristas se penduravam na buzina. Minha vergonha foi tamanha que dirigi por alguns quilômetros, até um subúrbio distante, onde achei vagas com o comprimento de uma quadra de esportes e onde pude ter certeza de que não encontraria nenhuma daquelas testemunhas da humilhação por que havia passado um pouco antes.
Então peguei o ônibus, de volta.

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