sexta-feira, julho 21

Papai sabe tudo?

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1974
Autor : Will Stanton

Na escola de nossos garotos, os prêmios de fim de ano são constituídos por : Medalha de Ouro, Medalha de Honra e menção Honrosa. Estávamos visitando alguns amigos, no outro dia, quando por acaso fiz referência à Menção Honrosa ganha por Roy.
“É mesmo?”, disse Al. “Curtis também ganhou Menção Honrosa há alguns meses. Por causa disso, está sem ver televisão até hoje, de castigo.”
Isso me pareceu a princípio meio irracional, até descobrir que aquela era a primeira vez que Curtis não havia ganho a Medalha de Ouro. Que caque, heim? Como eu disse a Maggie no caminho de volta para casa: “Se há uma coisa que eu não suporto é ver pais se gabando de seus filhos.”
“O que esses prêmios provam, afinal de contas?” “Prefiro ter garotos normais e saudáveis, como os nossos. O único problema deles é que são vagabundos. Não há razão para que não ganhem Medalhas de Ouro todo ano. Quer saber de uma coisa? A partir de agora, eu próprio vou passar a fazer os deveres de casa com eles todas as noites!”
No dia seguinte, depois do jantar, chamei os meninos e disse que queria ver os deveres de casa. “Se Curtis pode tirar nota 10 em todas as matérias, não há razão para que vocês não possam.”
Sammy respondeu que Curtis era um boboca e que passava a vida estudando. “Pois eu gostaria que vocês fossem tão bobocas como ele”, acrescentei.
“Vamos ver o que vocês sabem de história”, sugeri. “Quem foi Cristóvão Colombo?”
Eles responderam que Colombo era “um cara que tinha descoberto algo há cerca de mil anos”, e isso era tudo. Assim, tive de contar-lhes a respeito de todas essas viagens e de como Colombo pensava que havia descoberto a Índia. “Ele queria provar que se podia atingir o Leste, navegando-se para Oeste”, expliquei.
“Que coisa mais burra!” disse Roy. “È como dar a volta ao quarteirão para se chegar á casa do vizinho.”
“Ou circundar a casa só para se chegar à cozinha”, acrescentou Sammy.
“Chega!”, berrei. “Se fossem menos engraçadinhos, talvez tirassem melhores notas. Aposto que Colombo nunca foi reprovado em geografia.”
“É possível”, disse Sammy, “mas aposto também que ele nunca teve uma professora ranzinza como a nossa.”
“Não mudem de assunto. Os marinheiro de Colombo pensavam que a Terra era plana e que, quando o navio chegasse na beiradinha, se despencaria lá para baixo.”
Sammy não acreditou. Roy concordou. “Ninguém pode ser tão burro para acreditar nisso. Se o navio caísse quando chegasse na beiradinha, o mar também cairia e não haveria mar.”
“Nós sabemos disso”, expliquei, “mas eles não sabiam. Não faziam a menor idéia de que o mundo era redondo.”
“Qual é a diferença?” perguntou Sammy. “Se você entornar água numa mesa, ela se derramará pelo chão, quando chegar na beirada. O mesmo acontece com o mar.”
“Isso mesmo, disse Roy. “Se o mar continuasse entornando todos aqueles anos, para onde iria?”
“Eu não disse que ele ia para lugar nenhum”, respondi.
“Mas tinha de ir. É por isso que um mundo plano nunca daria certo”, sentenciou Sammy.
“Está bem, está bem”, tive de admitir. “Agora contem-me o que sabem sobre Colombo.”
“Bem”, arriscou Roy, “ele pensava que a América era a Índia, por isso chamou os seus habitantes de índios, na viagem de volta, afundou a nau Santa Maria e o dia 12 de outubro passou a ser comemorado.”
“Chega de história por hoje”, suspirei já farto de tanta bobagem.

Os meninos não tinham muitos problemas com matemática, exceto numa ou noutra questão de terminologia. “Vamos começar”, anunciei.
“Suponham que 42 escoteiros estão indo a uma festa em sete carros. Quantos escoteiros em cada carro?” Seguiu-se um longo silêncio. “Sammy, não me diga que não sabe dividir 42 por sete?”
“Claro que sei”, respondeu, “mas como se consegue dividir escoteiros por carros?” O professor deles vivia lhes dizendo que não se podem subtrair pêras de maçãs. Tive de dizer-lhe que ele não estava subtraindo; estava dividindo, e isso era muito diferente. Ele reconheceu que talvez a coisa funcionasse com carros, mas não com ônibus. “Não seja ridículo”, ameacei. Ele continuou insistindo. “Está bem”, concordei, “Passe-me um problema que eu irei fazer tudo para tentar resolve-lo.”
“Suponha que 393 crianças vão a um jogo em 20 ônibus. Quantos irão em cada ônibus?”
“Essa é fácil”, respondi. “Vinte para 39, igual a 19, noves fora...”
“Espere aí!” interrompeu Sammy. “São 20 ônibus e 393 crianças. Você não pode subtrair.”
Olhei para o papel. O garoto tinha razão. Se você subtrair ônibus de crianças, termina com o que? Peguei o lápis e ataquei de novo o problema. “São 19 em cada ônibus, e ficam 13 de fora.”
Sammy me olhou espantado e perguntou: “Quer dizer que 13 crianças não podem ir ao jogo?”
Roy disse que talvez as mães delas as levassem de carro, Sammy resmungou que isso era injusto, se todas as outras iam de ônibus. Roy sugeriu que alugassem outro ônibus. Levei um minuto para calcular. “Assim vão 18 em cada ônibus e 15 ficam de fora.”
“Está piorando cada vez mais”, disse Roy.
“A culpa é dessa aritmética maluca”, comentou Sammy.
“Não ponha a culpa na aritmética. Como vocês sabem, ela não falha”, tentei argumentar. Sammy disse que isso não bastava.
Mais tarde, ele veio me dizer que já tinha resolvido o problema: “Basta pedir emprestados mais seis garotos de algum outro problema e alugar outro ônibus”. Mandei-o para a cama.

Certa tarde, eu estava dando uma olhada no livro de ciências de Roy e decidi experimentar um de seus ensinamentos. O primeiro envolvia o princípio das roldanas. Atarraxei o apontador de lápis na janela da cozinha, tirei a tampa e amarrei a ponta de uma corda no seu eixo e a outra ponta num balde no chão. Então mostrei aos meninos como levantar o balde girando a manivela. “Grande coisa”, comentou Roy, “içar um balde vazio.” Respondi: “Está bem, vamos içar um cheio.” Sammy queria enche-lo com água, mas fui contra a idéia. “Ache alguma coisa que não faça bagunça, se entornar.”
Roy encheu o balde com alguns livros de culinária e Sammy pôs um imenso cacho de bananas em cima deles. Estava bem pesado.
Roy começou a girar a manivela, a corda se retesou, o balde virou e o apontador saiu fora. “Olhe só”, disse Sammy, “a coisa funciona.”
“É!”, admitiu Roy, “mas quantas vezes na vida você precisa arrancar um apontador da parede?”
“Vocês não estão entendendo nada”, respondi. Peguei alguns parafusos mais fortes e atarraxei o apontador na parede, mas agora com firmeza. Desta vez deu tudo certo. Deixei os garotos se distraindo com a manivela. Um minuto depois, Sammy me chamou para ir ver o que tinham inventado. Aproximei-me para olhar. Ele havia içado o balde o mais alto que podia e o estava segurando.
“E daí?”, perguntei.
“Inventamos um apontador automático”, disse Roy. Enfiou um lápis no buraquinho, Sammy soltou a manivela, e o balde desceu como uma bala – sobre o meu pé.

Quando Maggie chegou em casa, vinda das compras, quis saber por que eu estava mancando. “Os garotos estavam tentando me ensinar como se pode machucar o pé no apontador de lápis automático e o balde caiu em cima do meu pé.”
“Um balde vazio?”, ela perguntou. “Não, cheio”, respondi. “Cheio de que?”, ela quis saber. “Ora, cheio de livro de receitas e bananas.”
Ela interrompeu o que estava fazendo e olhou para mim. “Hoje em dia não se está a salvo nem em casa.”
Fui ajuda-la com as compras.
“Não acha que pode estar tentando ajudar demais os rapazes?”, perguntou. “Quero dizer, eles podem se tornar demasiado dependentes.”
Contemplei por alguns instantes uma caixa de cereais. “Maggie, sabe o que decidi fazer? Vou ensinar os rapazes a caminhar com os próprios pés – a pensar por si próprios. Vou deixa-los fazer seus deveres de casa exatamente como meu pai sempre me deixou fazer os meus.”
“Boa idéia”, concordou Maggie.

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