segunda-feira, julho 10

Você só vai saber se eu disser

Fonte : Revista Seleções
Data : Julho de 1977
Autor : Jane Lindstrom

Muitas vezes esquecemos quanto pode significar um elogio espontâneo

Uma chuva fria de primavera batia na janela, agravando meu estado de ânimo, deprimido pela longa convalescença de uma operação. Já tinham parado de chegar os cartões desejando-me melhoras. O crisântemo murcho, oferta de alguns professores colegas meus, era tudo que restava das flores que eu havia recebido. Sentia-me só, insignificante, esquecida por um mundo que aparentemente passava muito bem sem mim.
Então, chegou o correio, trazendo-me um cartão de uma vaga conhecida, uma professora por quem eu passava todas as manhãs a caminho da escola. “Querida Jane”, dizia ela. “Minha classe está quase começando, mas tenho de lhe escrever estas poucas linhas antes que meus alunos cheguem. Senti falta de seu sorriso e de seu cumprimento esta manhã, como a tenho sentido todos os dias desde que você adoeceu. Desejo que se ponha boa depressa. Talvez você fique surpresa por receber estas linhas, mas o mundo para mim é um lugar menos feliz sem você, e como é que você vai saber se eu não lhe disser?”
Subitamente, aquela paralisante sensação de desespero desapareceu. Alguém sentia minha falta; alguém precisava de mim. Saber disso foi mais eficaz do que qualquer remédio que o médico me receitasse.
Reli as palavras cuidadosamente, saboreando-as uma a uma. A última frase prendeu a minha atenção: “Como é que você vai saber se eu não lhe disser?” Eu não poderia sabe-lo, é claro, e teria continuado só e deprimida. Como pode cada um de nós saber o que está no pensamento e no coração dos outros, sem uma palavra, sem um gesto?
A maioria das pessoas, nesta época sofisticada e desumana, tende a pôr freios nessas emoções. Retemos palavras de carinho, admiração e aprovação, mas essas palavras podem dar a alguém infeliz um momento de alegria ou ajuda-lo a enfrentar um profundo desespero. Poderão até tornar-se os poucos fios brilhantes do monótono tecido que é a vida.
Lembro-me de que, na minha última ida ao supermercado, o homem na minha frente sorriu calorosamente para a atarefada moça da caixa e elogiou-a por seu extremo cuidado em empacotar as compras. Ela pareceu surpreendida com o louvor inesperado, mas seu rosto iluminou-se, e as tensas linhas de cansaço desapareceram. Agradeceu-lhe simpaticamente e depois virou-se para me atender com um sorriso radiante e cheia de palavras amáveis. As centenas de pessoas a quem ela atendeu nesse dia devem ter sentido essa corrente de simpatia e passaram-na a outras.
Todo mundo, para dar de si o melhor, precisa sentir-se notado e apreciado. Temos todos oportunidades sem conta ( no trabalho, na escola, no ônibus ) de nos exprimirmos e satisfazer essas necessidades. E, ao faze-lo, podemos estabelecer um círculo de boa vontade.
Naturalmente, há momentos em que se justificam críticas adversas, mas há muitas maneiras de faze-lo. Conheço uma mulher que é sincera quando não está satisfeita, mas antepõe às suas queixas o reconhecimento de qualquer realização louvável. Se tem oportunidade e pode faze-lo discretamente, sugere idéias. Suas críticas, ela descobriu que são em geral bem recebidas, e suas sugestões, aceitas com urbanidade.
Também descobriu que, em geral, as pessoas tentam agradar mais aos outros que a si próprias. Muitos de nós queremos que nos digam como é que nos estamos saindo, mas se os nossos melhores esforços só encontram silêncio, temos tendência a descuidar-nos e tornar-nos negligentes.
Todos os dias enfrentamos alternativas. Podemos falar ou ficar calados. Nossa decisão pode não afetar ninguém, mas também pode afetar. Em algumas raras ocasiões, pode mesmo alterar o rumo de uma vida humana.
Conheci certa vez uma jovem professora que foi nomeada para ensinar durante uma semana num centro escolar ao ar livre. Preparou conscientemente e com entusiasmo diversas experiências para os meninos da cidade, esperando partilhar com eles seu amor pelos campos e bosques. A semana, porém, foi um desastre completo. Choveu em quatro dos cinco dias, e as crianças ficaram turbulentas e não colaboraram. Quando, por fim, os meninos estavam fazendo as malas para regressar à cidade, a jovem veio ter comigo em lágrimas. “Eu não tinha certeza antes”, disse ela, “mas agora já sei. Nunca conseguirei trabalhar com crianças. Não sirvo para isso.”
Que grande perda! Só mais um pouquinho de maturidade e experiência, e essa jovem boa e sensível teria dado uma ótima professora; mas eu sabia perfeitamente que não poderia faze-la mudar de idéia.
Então, quando os garotos disputavam os lugares no ônibus, uma menina se deixou ficar para trás e, após um momento, disse para a professora. “Quero agradecer-lhe por esta semana e pelas coisas que nos ensinou. Sabe, eu nunca tinha escutado o vento nas árvores. É um som lindo e nunca o esquecerei. Aqui está um poema que eu escrevi para você. Quase não lhe entreguei.” Tirou do bolso um pedaço de papel e em seguida correu para junto dos outros.
Depois de ler as poucas linhas rabiscadas a lápis, a jovem levantou os olhos cheios de lágrimas.... agora lágrimas de felicidade. Rezei uma prece de agradecimento a essa criança que tinha feito a escolha certa. Sabia que, por causa de seu gesto, inúmeras crianças iriam ter a afeição e a orientação de uma ótima professora.
Se as palavras de carinhosa aprovação são tão importantes no princípio de uma carreira, são ainda mais valiosas no princípio da vida. As crianças não aprenderam ainda, pela experiência, que o tempo cicatriza a maior parte dos desgostos; que depois da tempestade vem a bonança; que os fracassos são habitualmente intercalados de sucessos. Na realidade, elas precisam ser guiadas e sentirem-se sob disciplina contínua para se tornarem bons cidadãos; mas, acima de tudo, as crianças necessitam de afirmações de amor e aprovação. O amor fechado em nossos corações não chega a elas; é como escrever uma carta e não a enviar. Para se tornarem emocionalmente seguras, devem ouvir dizer: “Gosto de você. Estou orgulhosa de você. Que bom você estar aqui.” Uma voz doce, olhos amigos e palavras gentis transmitirão a mensagem, mesmo a um bebê.
Pessoas de todas as idades e meios sociais, em todos os momentos de sucesso ou fracasso, necessitam de amor e de ser reconhecidas para viverem felizes. Precisamos de tais palavras para vencermos estes dois grandes inimigos: a solidão e a insignificância.
Nenhum de nós deseja enganar, adular ou transmitir emoções que não sente. Tal insinceridade é facilmente reconhecida e não beneficia ninguém; na verdade, é uma forma de embuste; mas não será também uma trapaça guardar conosco palavras que alguém necessita ouvir?
O bilhete que originou esta linha de pensamentos ainda estava na minha mão quando me surgiu uma idéia. Eu tinha uma mensagem, já antiga e merecida, para fazer chegar a alguém – e a entregaria pessoalmente tão depressa quanto possível. A alguns quilômetros de minha casa, uma fazendeira idosa havia tirado o lixo da beira da estrada e ali plantado flores. Nunca mais passei por lá sem experimentar um sentimento de alegria, uma elevação de espírito que durava o dia inteiro. Com certeza a fazendeira iria sentir-se feliz por saber isso, mas... como iria ela saber se eu não lhe dissesse?

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