quarta-feira, julho 19

Uma questão de honra

Fonte : Revista Seleções
Data : Agosto de 1971
Autor : Allan Sherman

Honra! Parece perdida. É raro estudarmos sobre Honra no colégio, porque a Honra não pode ser medida, pesada em balança nem contada em notas ou moedas. A Honra tornou-se coisa de trouxas. A Honra é para os ingênuos, os quadrados, os idiotas – uma relíquia infantil dos tempos do Rei Artur e Dom Quixote. Mas será mesmo?
Considerem estas histórias reais, escolhidas ao acaso.

Uma esquadra de banheiras
No dia 26 de maio de 1940, quando os exércitos de Hitler devastavam a França, dezenas de milhares de soldados ingleses e franceses recuaram até o pequeno porto francês de Dunquerque. Além de Dunquerque não havia para onde ir a não ser para dentro do Canal da Mancha.
A poderosa Marinha inglesa possuía poucos navios suficientemente pequenos e ágeis que pudessem se aproximar para evacuar os homens. Nada restava ao Mundo livre a não ser sentar-se ao pé do rádio para aguardar com frustração e angústia a notícia de que esses vastos exércitos de homens corajosos tinham sido aniquilados.
Então, nas primeiras horas da madrugada do dia 27 de maio, um milagre começou a se desenrolar. De todos os recantos das Ilhas Britânicas eles surgiram – pobres pescadores em seus barcos caindo aos pedaços, nobres em seus iates, desportistas em barcos de corrida e lanchas a motor. Os primeiros componentes dessa esquadra heterogênea, capitaneada por homens desprovidos de armas ou de uniformes, levantaram âncoras ao luar em Sheerness e prosseguiram através das águas infestadas de minas e de submarinos. Quando o Sol da manhã brilhou sobre as praias de Dunquerque, as primeiras das centenas de embarcações atracaram nas praias. Os vivas dos soldados encurralados foram abafados pelos estrondos da Luftwaffe castigando e bombardeando a praia, e pelas metralhadoras dos Spitfires ingleses tentando rechaçar os aviões inimigos.
Debaixo daquele inferno nos céus, o milagre de Dunquerque prosseguiu durante nove dias e nove noites. Ao todo foram salvas 338.226 vidas inglesas e francesas.
No dia 18 de junho, Winston Churchill declarou: “Preparemo-nos, pois, para cumprir nossos deveres e para nos comportarmos de tal modo que, se o Império e a Comunidade britânicos ainda perdurarem por mil anos, os homens ainda digam : Essa foi a sua melhor hora.”
Para os homens da Esquadra de Banheiras de Sua Majestade, a melhor hora de todas – a hora de maior honra – desenrolou-se nas praias de Dunquerque.

Um coração aberto
Minha tia Edith, viúva de 50 anos, trabalhava como secretária quando os médicos detectaram o que era então geralmente considerado uma lesão cardíaca muito grave – um aneurisma.
Tia Edith não se deixa abater facilmente; começou a estudar relatórios médicos na biblioteca. Encontrou uma nota numa revista a respeito de um famoso cardiologista e cirurgião, o Dr. Michael DeBakey, de Houston, Texas, que tinha salvado a vida do Duque de Windsor. O artigo dizia que os honorários do Dr. DeBakey eram astronômicos; tia Edith não podia alimentar a menor esperança de contratar os seus serviços. Mas talvez ele recomendasse alguém cujos honorários ela pudesse pagar.
Tia Edith escreveu-lhe. Ela simplesmente enumerou as razões que faziam desejar continuar a viver: seus três filhos, que dentro de mais três ou quatro anos estariam independentes; seu sonho de menina de viajar e conhecer o mundo. Não havia uma única palavra de autocomiseração; apenas calor e humor e a alegria de viver. Ela enviou a carta, sem esperar realmente receber uma resposta.
Alguns dias mais tarde, a campainha da minha porta tocou. Tia Edith não esperou para entrar, ficou em pé na entrada e leu em voz alta:
Sua linda carta tocou-me profundamente. Se puder vir a Houston, não terá despesas com o hospital nem com a operação. Assinado – Michael DeBakey.
Isso foi há sete anos. Desde então, tia Edith já fez a volta ao mundo duas vezes. Seus três filhos estão bem casados. Para a idade dela é uma das pessoas mais jovens e cheias de vida que eu conheço, e tudo por causa de um cirurgião magnânimo que soube honrar sua profissão e abrir o seu próprio coração.

A costureira teimosa
No dia primeiro de dezembro de 1955, a Sra Rosa Parks tomou um ônibus no centro de Montgomery, Alabama, pagou a sua passagem e sentou-se na parte da frente da seção negra no fundo do carro. Era bom sentar-se após um longo dia de trabalho. Na parada seguinte, porém, o motorista ordenou aos negros que chegassem mais para o fundo do carro para darem lugar a uma nova leva de passageiros brancos.
Todos menos um dos negros desocuparam obedientemente os seus lugares.. Rosa Parks vacilou. O ônibus agora estava cheio; se ela se levantasse teria de viajar de pé até em casa. Um homem branco, à espera do seu assento, encarava-a impacientemente.
Naquele instante houve um estalo no íntimo de Rosa Parks. Talvez sua alma estivesse farta de tantas humilhações; talvez fossem apenas os seus pés cansados. Fosse o que fosse, a costureira recusou-se a ceder o seu lugar.
Passageiros negros e brancos olhavam fixamente para a criadora de caso. O motorista do ônibus chamou um policial. A Sra Parks foi presa.
Os 17.000 negros de Montgomery ficarm enraivecidos. Alguns queriam violência. “Queimem os ônibus, virem os ônibus.” Outros se mantiveram controlados. Auxiliados por um pregador de 27 anos que se inspirara nas técnicas da não violência de Mahatma Gandhi, eles organizaram um boicote à linha de ônibus.
O boicote durou 380 dias e custou à companhia de ônibus milhões de dólares. Finalmente, a Suprema Corte americana decidiu que a segregação nos ônibus violava a Constituição. Rosa Parks agora poderia sentar-se em qualquer lugar num ônibus. Embora a maioria já a tenha esquecido, a revolução iniciada por ela transformou a América do Norte.
No entanto, para o pregador desconhecido não havia mais retorno ao anonimato. Martin Luther King Jr. Tinha um sonho. E o mundo – pelo menos em parte por causa de Rosa Parks – estava finalmente pronto a honrar esse sonho, e a escuta-lo.

Todos os meios necessários
No dia 13 de abril de 1970, a cápsula espacial Apolo 13 sofreu uma explosão nos tanques de oxigênio a caminho da Lua. Por causa do acidente, os funcionários tiveram de avaliar o estado da nave espacial para determinar o melhor momento para o regresso e o ponto de descida. Naquelas horas de dúvidas e frustrações, com a vida de três homens corajosos em jogo, 26 nações ofereceram a sua ajuda. Este é um trecho de um dos telegramas enviados ao Presidente Nixon:
“Desejo informar-lhe que o Governo Soviético instruiu as autoridades civis e militares da União soviética para lançarem mão, caso necessário, de todos os meios possíveis para assistirem ao salvamento da vida dos astronautas americanos.”
Estava assinado: Alexei Kosygin, Primeiro-Ministro da U.R.S.S.

....Atos de Honra, todos eles. Qual é a sua essência? Que qualidades compartilham? Estas:
Um momento de verdade. Em cada um dos casos alguém reconheceu que havia algo errado, e estava disposto a enfrentar o fato.
O risco do sacrifício. Tomar uma atitude honrosa sempre implica num sacrifício, seja de tempo, dinheiro, reputação, conforto, segurança – ou da própria vida.
Integridade. A Honra requer do indivíduo que ele aja em particular da mesma maneira que agiria em público. Significa manter-se coerente consigo mesmo.
Amor. Junto com a Honra vem o sentimento de pertencer à Família Humana, e com tamanha intensidade que é capaz de apagar todas as diferenças.

Abraão Lincoln descreveu Honra há muito tempo:
Desprovida de malícia contra quem quer que seja, com caridade para todos, com firmeza quanto ao direito assim como Deus nos permite ver o que é direito.

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