quinta-feira, julho 6

Tudo demais enjoa

Fonte : Revista Seleções
Data : Março de 1974
Autor : Will Stanton

Mesmo que seja uma dúzia de galinhas na garagem, 4.500 fêmeas de besouro dentro de casa, ou umas inúteis tampinhas de garrafas.

Há um velho ditado que diz: Tudo que é demais enjoa. A este, eu gostaria de acrescentar outro dito popular: Vá acertar assim no inferno.
Quando eu era garoto, pensava que toda a galinha do mundo ainda era pouca. Uma boa galinha, assada, recheada com farofa e cercada daquelas batatas douradas, era um manjar dos deuses. Assim, quando vi o anúncio, telefonei e encomendei uma dúzia.
Maggie quis saber o que faríamos com tanta galinha. “Assa-las, o que mais?”, eu disse. “Ponha no congelador e, numa noite fria de inverno, quando nos der vontade de comer galinha, é só levar ao forno.”
O fazendeiro tinha prometido entrega-las no dia seguinte. Quando cheguei em casa, na tarde daquele dia, encontrei a porta da garagem fechada, e dois cães e um gato farejando por ali.
Que diabos está havendo?”, perguntei eu, intrigado, à Maggie.
Ela apontou para a garagem. “Se nos der vontade de comer galinha em alguma noite de inverno, é só levar ao forno.”
Acontece que o fazendeiro as tinha trazido vivas, e elas estavam por toda a garagem. Aparentemente, tinham tentado se empoleirar na prateleira onde guardo as latas de tinta, e entornado tudo. Havia penas e tinta por toda parte. Pus umas roupas velhas, e consegui meter as aves na mala do carro. Maggie não foi de grande ajuda. Sua contribuição foi apenas tirar algumas fotografias, e cantar uma modinha caipira.
Quando voltei, livrei-me daquelas roupas, e meti-me na banheira. Maagie perguntou: “O que você fez com as galinhas?”
“Dei para uma família pobre”, respondi.
“E o que eles disseram?”
“Não sei. Não estavam em casa.”
Alguns dias depois, levei meu carro ao mecânico, para trocar os pneus. Ele abriu a mala, para pegar o sobressalente. Viu todos aqueles vestígios azuis e vermelhos de galinhas, e também os brancos e amarelos, mas não disse nada.
Limpei um pigarro, e expliquei: “Andei transportando umas galinhas, e a tinta não estava seca.”
Ele pegou o pneu, fechou a mala e disse: “Foi o que eu pensei.”

Sempre procuro fazer bem as coisas. É o que todo mundo diz. Pessoas que mal conheço também acham. E gosto de surpreender as pessoas. Foi por isso que encomendei aquelas fêmeas de besouro. Maggie estava tendo dificuldades com os besouros em seus gerânios; as fêmeas eram justamente o que ela precisava para se livrar deles. Maggie não estava em casa quando elas chegaram – 4.500 fêmeas, num recipiente de plástico. Eu ia coloca-las logo no jardim, mas decidi esperar para que Maggie pudesse vê-las.
Estava na sala, lendo um jornal, quando senti alguma coisa em meu pulso. Era uma fêmea de besouro. Havia outra no jornal – três, para dizer a verdade. Estavam invadindo a sala, em hordas. Corri para a cozinha e descobri que o gato tinha derrubado o recipiente da mesa. Foi quando ouvi Maggie chegando de carro.
Deve haver uma palavra melhor do que estupefata. Pois foi isso que Maggie ficou. Olhou par o rótulo do recipiente. “SE houver traças ou brocas nesta sala”, disse ela, “que Deus as ajude.”
Naquela noite, nossos amigos Al e Sylvia apareceram. Al deu um peteleco num besouro, em sua testa, e em outro na manga. “Ninguém pode negar que vocês estão bem supridos de besouros”, disse.
Maggie pescou um de seu copo. “Quatro mil e quinhentos, para ser exata”, explicou ela às visitas.
Sylvia parecia surpresa. “Vocês os contaram?”
“Não exatamente”, respondeu Maggie. “Basta contar as pernas e dividir por seis.” E começou a rir. Gastamos mais de dez minutos tentando faze-la parar de rir.

Eu tinha um artigo que ensinava a fazer uma casinha de brinquedo usando tampinhas de garrafa, mas aquilo requeria centenas delas. Assim, disse a Roy e Sammy que compraria todas que eles pudessem encontrar, na base de cinco por um centavo. Queria que eles aprendessem o que é ganhar o próprio dinheiro, em vez de esperar que ele caísse do céu.
Horas depois, voltaram trazendo uma bolsa de compras carregada de tampinhas. E tinham três outras bolsas lá fora. Quase todas as tampinhas eram de garrafas de cerveja. Tinham falado no assunto com um antigo amigo meu, chamado Ernie B. Bahoon, que disse achar maravilhoso ver dois garotos fazendo aquilo pelo papai, e que se prontificava a ajudar, levando os meninos a todos os bares e espeluncas da cidade.
“Ernie foi muito bonzinho, não foi, papai?”, perguntou Roy.
“Foi. Demais.”
“Disse até que o prazer foi dele”, comentou Sammy.
“Não duvido nada”, respondi.
Mantive as bolsas no armário da sala durante algumas semanas, até que resolvi leva-las para o carro. Dias depois, Maggie disse: “Sabe? As tampinhas de garrafa na mala do carro? O forro da mala estava úmido, e as bolsas se desfizeram. Há tampinhas por toda parte.”
Peguei uma pá, e dirigi-me para o depósito de lixo. Daí alguns minutos, notei que o colega que descarregava o carro, ao meu lado, estava me olhando com o rabo do olho. Endireitei-me. “No caso de que você esteja fazendo uma idéia errada”, eu disse, “essas bebidas não foram consumidas pela minha família.”
“Não?”, respondeu. “Pensei que os lixeiros recolhessem essas tampinhas nos bares.”
“Como vou saber? Não trabalho num bar. Trabalho num escritório.”
“Está bem. Mas se houver uma vaga no seu escritório, não deixe de me informar.”

Acho escandaloso o preço da lenha. Quando vi a companhia de eletricidade derrubando uma árvore, conversei com o encarregado, e perguntei se podiam dá-la para mim e me entregá-la em casa.
Quando cheguei em casa, naquela noite, havia uma imensa pilha de lenha. Alguns pedaços eram tão grandes que podia se construir uma canoa com eles. Um jardineiro meu amigo estava trabalhando no quintal do vizinho. Perguntei-lhe como podia cortar aqueles troncos, para que coubessem na lareira. Ele balançou a cabeça, e disse: “Estão muito verdes. Você não conseguirá corta-los. Além disso, eles não queimarão em menos de uma ano ou dois. O melhor é você se livrar deles.”
Perguntei como. Disse-me que seu irmão tinha um caminhão, e que poderiam transportar a lenha se houvesse um lugar para descarregar aquilo tudo. “O depósito de lixo não aceita nada tão grande. O melhor é levar os troncos ao meu irmão e queima-los”, acrescentou ele.
“Você não disse que eles não queimavam?”, perguntei.
“Jogue querosene, que eles queima”, respondeu.
Eu disse: “Está bem!”
Os garotos estavam se divertindo com os troncos, e ficaram tristes quanto tive que leva-los. Roy perguntou: “Por que papai contratou aquela gente para trazer esta lenha para cá, e depois contratou outros para leva-la embora?”
“Apenas uma transação comercial”, respondi. “Você entenderá quando crescer.”
Maggie disse: “Espero que sim. As pessoas normais pagam para ter lenha que possa ser queimada em casa. Mas conosco acontece precisamente o contrário. Em vez de pagarmos para ter a lenha em casa, nós pagamos para que a levem embora e a queimem em outro lugar.”
“Eu nunca lhe disse que era perfeito, disse?”, perguntei.
Ela não respondeu.

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