quarta-feira, julho 5

Se não parar, morre!

Fonte : Revista Seleções
Data : Março de 1974
Autor : Josephine J. Curto

A jovem caronista parecia inocente, completamente inofensiva – mas, então...

“Pare! Olhe o Mike”, gritou minha jovem passageira, apontando para um rapaz pedindo carona à beira da estrada.
“Não”, respondi, e pisei no acelerador. As histórias sobre os tais “bons samaritanos”, cujos corpos eram encontrados em valas, quase me tinham feito ignorar a garota caronista, alguns quilômetros atrás. No entanto, como ela parecia não passar de uma criança, resolvi parar. Mas, agora, em direção ao norte, pela auto-estrada nº 75, já me arrependia de ter-lhe dado a carona.
“Pare!”, ela ordenou de novo, e sua voz era tão fria quanto o objeto de metal que pressionava minhas costelas. O medo me assaltou, e as cenas relampejaram pela minha mente – imagens de minha mãe, 400 quilômetros à frente, em Brevard, na Carolina do Norte, e de meus amigos, 300 quilômetros atrás, em Tallahasse, na Flórida. Quanto tempo levariam para descobrir meu corpo? O que o identificaria?
“Estou avisando”, gritou ela. “Se não parar, eu a mato”. Afundou a arma em minhas costelas, e pegou o volante. O carro fez meia volta, enquanto eu tentava me controlar. Finalmente, os freios guincharam perto de uma vala profunda.
“Assim é melhor”, disse, ainda me apontando o revólver. “Lá está Mike.”
Ainda tremendo, ouvi o rapaz murmurar. “Obrigado, dona”, e entrou no carro.
“Oh, Mike, ela não queria parar, mas eu a obriguei.” A garota segurava a arma.
“Pelo amor de Deus, Dedé, guarde essa coisa. Quer se meter numa encrenca?”
“Fiz isso por você”, ela respondeu.
“Desculpe, dona. Dedé não fez por mal. Estava só assustada!”
Não fez por mal? Assustada, ela? Virando-me, olhei para meu novo passageiro. Seu cabelo longo e sujo parecia fazer parte de sua barba. “Para onde vai?”, perguntou ele.
“Para Atlanta”, Dedé respondeu por mim, enquanto conduzi de novo o carro para a estrada.
“Genial.” Mike esticou as pernas e recostou-se. “Obrigado por nos dar esta carona, dona. Nem todo mundo faria isso, você sabe.”
“E não admira”, comentei, o medo já substituído pela raiva. “Vocês dois não são os passageiros mais tentadores do mundo.”
“Nervosinha, hem?” disse Mike.
“Fique calma, e nada lhe acontecerá.”
“Sim, fique calma, como Mike disse.” Dedé aconchegou-se contra ele, ainda segurando, firme, a arma.
Como poderia me livrar deles? Calma, calma, eu disse a mim mesma. Não se apavore. Olhando pelo espelhinho retrovisor, rezei em silêncio pelo aparecimento da radiopatrulha.
Mike captou meu olhar. “Não está pensando em atrair a polícia, está, dona?” E, quando Dedé levantou a arma à altura de minha cabeça, disse: “Cuidado, boneca. Está querendo nos matar a todos?”
“Quem se importa?”
“Eu, por exemplo”, disse Mike. “Não estou ansioso para dar adeuzinho a este mundo por enquanto. E sua mamãe, boneca?”
“Mamãe! Que piada. Ela é quem liga menos.”
Olhei para a garota. “Tenho certeza de que você se engana. Todas as mães se importam.”
“Uma ova!” A voz de Dedé era de desprezo. “Todos os adultos são iguais. E você não é diferente. Você não dá a mínima para o que acontece conosco.”
“Talvez sim, talvez não”, respondi, mais calma agora. “Acha que lecionar para jovens como você durante um quarto de século significa que não ligo para o que acontece aos garotos de hoje?”
“Você é professora?”, perguntou Mike. “Gosta mesmo de ensinar?”
“Oh, pare com isso” explodiu Dedé. “Daqui a pouco ela vai perguntar o que um rapaz simpático como você está fazendo numa estrada dessas.”
“Está bem”, concordou Mike, e fechou os olhos.
Quilômetros em silêncio me deram tempo para pensar. O que poderia eu fazer? Se tentasse parar, Dedé podia cumprir sua ameaça. Então, vi uma saída à minha frente.
“Alguém está com fome?’, perguntei. “Já é quase uma hora, e comi muito cedo hoje.”
“Eu também”, e Mike deu uma risadinha. “Comi muito cedo ontem. Quem paga?”
“Se esse é o problema, devo ter dinheiro que chegue”, respondi. “Que tal ali?” Apontei para um anúncio luminoso. “Diz primeira à direita”.
“Claro, vamos lá.”
Com meus jovens carcereiros me cercando, entramos na lanchonete. Mike empurrou Dedé para frente e ordenou em voz baixa: “É sua vez, dona. Estou bem atrás.” Apertou um objeto frio contra as minhas costas. “E lembre-se, Dedé não é a única com uma arma.”
“Quero isto, e isto, e isto.” Dedé encheu a bandeja, enquanto eu escolhia uma salada. Mike, que não comia desde a véspera, só quis uma salada.
“Pensei que estivesse com fome.” Dei-lhe um pedaço de torta. “É melhor pedir outra coisa, ainda.” Acenei para o garçom. “Dê-lhe um rosbife e aquele prato de batatas fritas.” Mike resmungou: “Obrigado, dona.”
Sentados, devíamos parecer um trio estranho: uma garota magra e pálida, comendo como se estivesse morrendo de fome; um rapaz molambento, tentando não devorar a comida; e uma mulher ligeiramente grisalha, beliscando sua salada entre nervosos goles de café.
“Vigie bem, Mike. Tenho de ir ao banheiro.” Dedé empurrou sua bandeja, vazia agora, com apenas alguns pratos lambidos.
“Claro, boneca, pode ir.”
Quando Dedé sumiu de vista, Mike se inclinou para frente, e começou a falar depressa. “Escute, dona, não a conheço, mas confio em você. Aquela garota fez um papelão em casa. Encontrei-a ontem, numa vala da estrada, chorando. Algum cretino a tinha apanhado e se metido a gostoso.”
“Por que está me contando isso?”, perguntei, quase simpatizando com o rapaz, muito contra a minha vontade.
“Porque acho que você pode ajuda-la. Eu sei o que acontece a garotas como ela em Atlanta. Primeiro, se envolvem em drogas. Eu sei bem. Já passei por isso.”
Quando Dedé voltou, eu só conseguia sentir pena dela. Com apenas 14 anos, um ano mais velha do que minha sobrinha, ela fugira de sua casa, em Miami, havia três dias. O que Mike me tinha proposto era que ele “daria no pé”, e me deixaria para convencer Dedé a voltar para casa.
Já sem medo, voltei para o carro com eles. “Bem, boneca”, disse Mike enquanto eu abria a porta do carro, “é aqui que eu caio fora.”
“Vai embora?” Seus olhos se arregalaram. “Não vai conosco?”, perguntou, com tristeza.
“Não, boneca, não vou.”
”Então vou ficar com você” Dedé estava batendo o queixo de medo.
“É aí que você se engana, boneca. Já estou de olho numa garota que vi na lanchonete.”
“Maldito, maldito!” Dedé soluçava. Você também não presta!”
“Claro, é isso mesmo.” E voltou para a lanchonete.
“Vem comigo?”, perguntei.
Dedé hesitou um instante, e depois sentou-se ao meu lado. Lágrimas rolavam pela sua face. “Ele me disse que me amava. C... c... como?...”
“Não passava de palavras”, respondi tranqüilamente, levando o carro para a estrada. “Pensou que ele fosse diferente, não?”
“Cale a boca!”, ela gritou, e limpou o rosto com as costas da mão. “Ele... ele disse que íamos nos divertir em Atlanta, que eu seria a garota dele. E agora, o que vou fazer?
“Que tal voltar para casa?’
“Nunca!”
Esperei em silêncio.
“Nada dá certo desde que mamãe se casou outra vez. Antes disso, eu e ela éramos amigas. Mas agora que ela tem um marido e o pequeno Bobbie – não dá a mínima para mim.” Sua voz se descontrolava.
“Que idade tem Bobbie?”
“Quase seis meses.”
“Aposto que ele é muito espertinho.”
Seu rosto se iluminou. “E é mesmo. Todo mundo diz que ele se parece muito comigo.”
“Sente falta dele, não? Por que não paramos e voltamos para casa?’
“Que adianta isso? Não posso voltar. Nem tenho dinheiro.” Sua voz terminou numa lamúria. De repente, vi o que tinha a fazer: “Já viajou de avião?” perguntei. Manda-la de volta num ônibus levaria muito tempo, e ela poderia tentar fugir de novo. “Não se incomode com o dinheiro. Tenho alguns cartões de crédito.”
“Quer dizer... que depois que ameacei mata-la, você...”
“Deve haver um telefone na próxima parada”, eu disse. “Vamos chamar sua mãe, Dedé.”
Quando encontramos o telefone, eu já ficara sabendo que o nome verdadeiro de Dedé era Sue Anne. “Quer falar com ela primeiro?”, perguntei, ao ouvir o telefone tocando.
“Não... não...”
Quando uma voz de mulher atendeu, identifiquei-me, e expliquei a situação. Mantendo o fone ao alcance do ouvido de Sue Anne, deixei-a ouvir as lágrimas e os agradecimentos de sua mãe.
“Mamãe... mamãe.... Eu... “ Sue Anne também prorrompeu em lágrimas, e tomei-lhe o telefone. Assegurei a sua mãe que ela estava bem, e disse. “Vou ligar de Atlanta para informa-la em qual vôo ela está seguindo.”
Com os olhos arregalados de espanto Sue Anne me acompanhou ao aeroporto, em Atlanta, e esperou, enquanto eu lhe comprava uma passagem no primeiro vôo para Miami.
“É daqui a 30 minutos. Não prefere ir lavar o rosto e pentear o cabelo, enquanto eu ligo para sua mãe?”
Sue Anne assentiu, e foi ao banheiro, enquanto eu entrava numa cabine telefônica. Ouvindo a voz de sua mãe, entrecortada por lágrimas, tive certeza de que tudo sairia bem para Sue Anne.
“Como posso lhe agradecer?”, perguntou a mulher, com voz muito emocionada, do outro lado da linha.
“Não precisa”, respondi. “Leve o pequeno Bobbie para receber a irmã no aeroporto.”
Quando Sue Anne se dirigiu para o portão de embarque, com o rosto rosado de pó e os cabelos bem penteados, uma idéia súbita me ocorreu.
“É melhor me dar sua arma”, disse eu. “Todos os passageiros são revistados, você sabe.”
Seu rosto enrubesceu, enquanto ela tirara o revolver da bolsa e mo entregava. “Obrigada”, sussurrou. Depois, me beijou, e correu para o portão de embarque.
Fechei os olhos e respirei fundo. Então, olhei para o “brinquedo” em minha mão. Brinquedo? Tive que rir. Era mesmo um revólver de brinquedo.

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