quinta-feira, maio 24

Última chance para os garotos perturbados

Fonte : Revista Seleções
Data : Maio de 1998
Autor : Lawrence Elliott

Em sua fazenda, o pai adotivo dá o exemplo decisivo do que significa ser um homem

Quando o carro afinal parou em frente a uma casa de fazenda desgastada pelo tempo, a primeira a saltar foi Laurel Anderson, assistente social infantil.
“Você vai gostar dos Potter”, disse ao menino ao seu lado.
Mark Bissonette Jr. Olhou para as montanhas que se elevavam em volta do vale Willamette, on Oregon. Parecia desconfiado.
Dentro de casa, Tom e Maryann Potter os receberam com simpatia e Laurel retirou-se. Caminhando em direção ao carro, a assistente social implorou ao silêncio que a rodeava: “Por favor, que isso dê certo.”
Mark, que ainda não estava na sexta série, era um problema. A mãe não conseguia mais controla-lo. O pai, divorciado havia seis anos, não mantinha contato regular com ele. Mark mentia, era um vândalo no colégio e roubava os colegas. Diagnosticado como portador de distúrbio por deficiência de atenção, falava compulsivamente, negando, justificando ou vangloriando-se do que fazia. Muitas vezes agredia os outros a socos. Já tinha sido expulso de dois lares adotivos.
Por isso fora levado para os Potter. Eles tem oferecido lar para garotos que ninguém mais aceita – meninos que praticamente não tem outra oportunidade, figurando entre os casos mais difíceis da divisão do Serviço Estadual de Assistência para Crianças e Famílias do condado de Lane. Maryann tem um coração que não sabe dizer não. Tom, fazendeiro durão, ensina os garotos como encilhar e montar um cavalo, laçar um boi e caçar para comer. Também lhes diz a verdade mais dura de todas: “No final das contas, só há uma pessoa no mundo que pode derruba-lo ou leva-lo para cima, e essa pessoa é você.”
Na tarde de verão em que Laurel levou Mark, já estavam morando lá dois garotos problemáticos, além dos filhos dos Potter, Scotty e Jennifer.
“Aqui somos uma família”, disse Tom a Mark. “Nas horas boas ou más. Acha que quer vir morar aqui?”
“O que tenho de fazer?” indagou Mark, desconfiado.
“Gostar de nós do mesmo modo que vamos gostar de você. Como se faz nas famílias.”
Mark deu uma risada.
“O que tenho de fazer de verdade?”
Tom Potter puxou o rosto do menino para junto do seu.
“Já disse. Amor. Você sabe amar?”
O menino negou, com a cabeça.
“Bem, antes de tudo, pare de viver tendo pena de si mesmo. O amor é uma rua de duas mãos. Você o deseja? Tem de dá-lo.”
Tom propôs a Mark o que chama de trato de 30 dias. Mark podia ir morar lá, com o direito de desistir a qualquer momento antes de decorrido um mês, sem discussão.
“Depois disso”, disse Tom, “estamos presos um ao outro. Se você fizer algo errado, eu o castigo. Se fugir, vou busca-lo. Porque aí você já será parte da família, entende? E as famílias são unidas.”
Mark concordou. Ninguém imaginava que ele fosse agüentar.

Amor difícil
Os Potter não começaram a vida como pais adotivos. Tom, depois de um período no Vietnam, tornou-se policial. Em seguida tentou vários outros empregos até resolver assumir a profissão de criador. Pouco depois de se casar com Maryann – representante de um serviço de saúde particular – instalou-se como criador de gado e cavalos.
Um belo dia Maryann comoveu-se ao ler um artigo de jornal sobre adoção.
“Todos querem bebês”, disse a Tom. “Mas as crianças mais velhas estão ficando de lado.”
Os dois resolveram tornar-se pais adotivos. Logo o primeiro de muitos filhos adotivos foi morar com eles.
Poderia ter sido o último. Wes Alford, robusto, 17 anos, era fujão crônico, com experiência de drogas e solto por sursis. Tom dedicou muito tempo a conversar com Wes e pensou ter feito progressos. No entanto, certa noite Wes mandou Maryann calar a boca e empurrou-a para passar.
Quando percebeu, tinha sido atirado no sofá e Tom, furioso, o dominava.
“Escute, filho”, disse Tom. “Enquanto estiver nesta casa, Maryann Potter é sua mãe. Agora, levante-se e peça desculpas.”
“Não peço”, foi a resposta abafada. “E vou dizer a meu assistente social que você me agrediu fisicamente.”
“Tudo bem. Vamos fazer isso já.” Tom agarrou Wes pela gola e o puxou para o telefone. “Diga que estará na casa dele dentro de 15 minutos!”
Doze anos depois, recordando aquele instante crítico de sua vida, Wes disse: “Ficamos ali nos encarando, com raiva. Minha primeira reação foi lutar com Tom. De repente, entendi que não podia passar a vida abrindo meu caminho a tapa.”
Pediu desculpas a Maryann e ela o abraçou. Ele teve dificuldade em falar, mas afinal disse:
“Obrigado por me salvar.”
Aos poucos, Wes começou a assumir nova identidade. Hoje, casado, com emprego firme, deu o nome de Tom ao primeiro filho. “Sem a influência dos Potter, nem sei onde eu estaria hoje”, diz Wes.
Será que Tom realmente o teria expulso, há 13 anos? “Digamos que foi importante para ele acreditar que eu o faria”, responde Tom.
Em certa manhã de 1989, Tom foi acordar o filho, Scotty, e encontrou um de seus amiguinhos, Robbie Wilkinson, na outra cama.
“Briguei com meu pai de novo”, explicou Robbie, depressa. “Nunca mais volto para casa. Nunca.”
“Vamos tomar café”, retrucou Tom. “Depois falamos sobre isso.”
Robbie foi ficando. Tom verificou que a mãe dele concordava e fez com que Robbie fosse visitá-la sempre. Os Potter o tratavam como filho, mas não o deixavam esquecer-se de que tinha pais na cidade. E seis anos depois, aos 19 anos, Robbie fez as pazes com o pai e voltou para casa.
A chegada de Robbie foi um marco. Os Potter resolveram que, se tinham espaço para ele, poderiam receber até mais do que um ou dois garotos adotivos que vinham criando.

Vai ficar?
Os primeiros 30 dias de Mark, no verão de 1988, foram turbulentos. Roubou 20 dólares de Maryann e deixou cair de propósito uma pilha de pratos. Aprendendo a montar a cavalo, esporeou o animal com tal força que o fez sangrar. Por essas faltas passou muito tempo limpando as baias dos cavalos e carregando e empilhando pedras.
No entanto, deu gritos de alegria ao ver as botas de vaqueiro que Maryann lhe comprou. Começou a chamá-la de mãe e Tom de pai, como faziam os outros meninos. E quando começaram as aulas, perguntou se podia matricular-se como Mark Potter.
“Vai ficar?” indagou Tom.
“Se me quiserem”, respondeu.
Tom estendeu a mão.
“Combinado, Mark Potter.”
Entretanto, nunca ficou claro se Mark conseguiria ficar. Tom tinha de repetir tudo o que lhe dizia e nem assim ele parecia entender.
“Não se esqueça de verificar a cilha, para a sela não escorregar.”
Sem ligar, Mark punha o pé no estribo e, claro, a sela rolava para baixo do cavalo e o garoto acabava no chão.
“Não disse?”
“Ora, que diabo, qual é o problema?” retrucava Mark.
Aquilo lhe custaria duas horas espalhando esterco do estábulo para os cantos mais distantes do pasto, pois Tom não tolerava falta de respeito. Mas isso não curou Mark.
“Observe as orelhas do cavalo”, dizia ele ao menino, enquanto cavalgavam. Elas telegrafam o que ele vai fazer em seguida. Se as aponta para trás, isso pode significar problemas.
Mas quando Tom olhava para Mark, só via olhos vidrados e a boca em movimento incessante.
Tom e Maryann tampouco conseguiam que ele se desse bem na escola. Os anos iam passando e Mark estava sempre em recuperação. Mesmo assim tinha notas baixas.
“Escute”, disse-lhe Tom, certa vez, “quer passar a vida enchendo tanques de gasolina ou carregando lixo?” É só isso que pode esperar sem um diploma de curso secundário.”
“Estou fazendo o melhor que posso”, respondeu o garoto, emburrado.
“Não creio. Já o vi dando o melhor que pode. E é um bocado acima do que nota abaixo de quatro.”
Aquilo estimulava o menino por algum tempo, mas inevitavelmente sua atenção se desviava. No entanto, Mark se importava com o problema. Desejava muito ser tão bom quanto os outros garotos, só não queria que soubessem o quanto estava se esforçando.
Por vezes a fúria que fervilhava dentro dele explodia. Certa noite, quando Mark tinha 16 anos, um dos outros implicou com ele por causa da dificuldade que apresentava com os deveres de casa. Quando Mark avançou na direção do provocador, Tom agarrou-o no meio do caminho.
“Ei, garoto! Calma!”
“Ouviu o que ele disse?” berrou Mark.
“Ouvi, e foi errado”, disse Tom. “Mas quebrar a cabeça de seu irmão por isso seria pior.”
“É, é sempre assim. Você sempre defende os outros!” gritou Mark.
“Você nunca me enganou com todo esse papo de família e amor. Pode ser que você ame esses caras, mas nunca me amou.” Então correu para o quarto e bateu a porta.
No meio da noite, Scotty foi acordar os pais para avisar que Mark tinha fugido. Tom pegou o furgão e dirigiu-se para a cidade.
Meia hora depois, o vulto desamparado de Mark surgiu à luz dos faróis.
“Entre”, disse Tom.
Mark viu que não podia discutir.
“O que pretende fazer?”, indagou Tom.
“Arranjar trabalho.”
“Você já tem trabalho. Está trabalhando para ter um diploma do curso secundário, lembra-se? Pensa que sua mãe e eu não sabemos como tem sido difícil para você? E agora que está quase vencendo, quer largar tudo e virar um vagabundo? Esta terra não precisa de mais um vagabundo, Mark.”
“Ora, você não está ligando.”
Em seguida ficaram calados. Por fim, Tom disse que o levaria aonde ele quisesse ir.
“Quero ir para casa”, disse Mark.

Momento de se tornar adulto
Não houve grandes mudanças. Ele continuava a falar sem parar e a ter os ataques súbitos. Entretanto, aos poucos suas notas foram melhorando e, como recompensa, Tom levou-o numa excursão por trilhas com dois homens de negócios.
Mark afeiçoou-se a eles, a boca funcionando a toda velocidade, como sempre. Quando acamparam na primeira noite, Tom desculpou-se.
“É um ótimo garoto”, disse, “mas é impossível faze-lo calar-se. Espero que ele não esteja estragando o passeio.”
“Está brincando?”, respondeu um dos homens. “Só espero poder me lembrar de tudo quanto nos ensinou.”
Então, imitando Mark, começou a repetir as lições do dia:
“Nunca se esqueça de verificar a silha, senão a sela escorrega. Observe as orelhas do cavalo...”
Tom ficou boquiaberto. Parecia uma gravação do que tentara ensinar a Mark. Mais tarde, ele passou o braço em volta dos ombros do garoto e brincou:
“Então, filho, diga-me agora o que acha da raça humana?”
Mark disse, sorrindo:
“Ora, pai.”
E eles se abraçaram.
No inverno de 1996, no meio da segunda série do secundário, Mark completou 18 anos e estava emancipado – livre para decidir sobre seu futuro. Resolveu morar com a mãe natural, que estava com a vida organizada.
“Não se preocupe, pai”, Mark tranqüilizou Tom. “Vou conseguir aquele diploma e aplicar todas essa história boa que você me ensinou, de acreditar em mim. Você vai ver, vai dar certo.”
Tom sorriu e o abraçou. Seu coração estava pesado, mas também sentia orgulho. Maryann e ele tinham dado a mão a um jovem confuso, que agora parecia ter certeza do que tinha de fazer. Era o momento de se tornar homem.
Em junho do ano passado chegou o telefonema que Tom e Maryann Potter aguardavam. Mark obtivera diploma do curso secundário.

Os Potter hoje cuidam de dois garotos e esperam em breve receber mais dois. Os jovens estão aprendendo a treinar cavalos e criar gado, adquirindo habilidades e autoconfiança ao mesmo tempo. Mais uma vez, os Potter estão ajudando seus vaqueiros a serem homens.
“Bem no fundo desses garotos há uma centelha de humanidade. Isso é um dom de Deus. Se a alcançamos e alimentamos, talvez se tenha uma chance de ajudar um garoto perdido”, diz Tom. “Existe algo mais compensador do que investir o coração e as esperanças num garoto e vê-lo vencer?”

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