sábado, maio 19

Precisa fazer um discurso?

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1998
Autora : Peggy Noonan

Algumas dicas de uma ex-redatora de discursos presidenciais.

Como alguém já disse: “A mente é algo maravilhoso. Começa a funcionar no minuto em que você nasce e não pára nunca... até o dia em que você tem de falar em público.”
Pesquisa feita nos EUA há alguns anos mostrou que, de todas as coisas das quais as pessoas tem medo na vida, nada apavora mais do que falar em público. Não fiquei surpresa. Eu mesma tive essa fobia até os 40 anos, quando fiz meu primeiro discurso.
No entanto, o temor do palco é apenas parte do desafio. Em primeiro lugar precisamos saber o que vamos dizer. E é aqui que muitos ficam paralisados, imóveis diante da crença de que os discursos são algo mágico, espécie de combinação entre bruxaria e show business, inalcançável para um comum mortal.
Bem, mas discursos nada tem a ver com mágica. O discurso é essencialmente a combinação de informação e opinião, escrita no papel e falada. Se você é capaz de manter uma conversa inteligente, provavelmente será capaz de escrever e proferir um discurso bem articulado.
Aqui vão alguns pontos que aprendi como redatora de discursos, que podem ser úteis.

Duração de no máximo 20 minutos
Geralmente, embora paradoxal, é correta a afirmação de que, quanto mais importante a mensagem, menor o tempo necessário para transmiti-la. Devo acrescentar que 40 anos de televisão afetaram a maneira como as pessoas recebem a informação. Elas estão acostumadas a trechos de 15 a 18 minutos em programas como o 60 minutos e a segmentos de 12 minutos como parte do drama de Plantão Médico, com comerciais interrompendo o fluxo de pensamento. Por isso, não se esqueçam do conselho que, dizem, foi dado pela mulher de Hubert Humphrey: “Querido, para que um discurso seja imortal, ele não precisa ser interminável.”

Focalize um ponto
Somos humanos, com tendência a ter vários pensamentos (geralmente fragmentados), além de várias opiniões, idéias e deduções. É preciso fazer uma seleção.
Focalize um assunto. Evite detalhes paralelos alheios à questão. Inclua e desenvolva apenas aqueles que sirvam para explicar e reforçar seu ponto de vista.
Imagine-se como um garimpeiro que vasculha os campos com um cavalo de carga que leva os instrumentos de trabalho. Se você não sobrecarregar o cavalo, poderá movimentar-se com mais facilidade, cobrindo área maior, e quem sabe até encontrar ouro. Se o cavalo estiver pesado demais, porém, vai acabar desabando e você não vai chegar a lugar nenhum.

Escolha palavras com cuidado
É importante lembrar que suas palavras precisam ser ouvidas e compreendidas de imediato. Muitas palavras tem sons semelhantes. Por exemplo, sabre e padre soam quase iguais se pronunciadas por alguém que está a cerca de 20 metros de distância. Você pode estar querendo dizer que o homem carregava um sabre e a platéia entender que ele carregava um padre.
Em geral se compreende o significado pelo contexto global, porém às vezes isso não acontece. Leia seu discurso em voz alta para a família ou para os amigos, a fim de que eles avisem se o estiverem achando confuso. Você pode até manter a palavra que queria usar – se acreditar que ela é mesma a mais correta – desde que a torne mais compreensível, dando mais detalhes: “O soldado sabia que ainda possuía uma arma, um sabre, preso à cintura.”
Às vezes os problemas de compreensão decorrem não de uma palavra, mas de uma frase. Certa vez, quando trabalhava em um discurso para o vice-presidente George Bush, tentei expressar o que ele pensava sobre trabalho voluntário. Cheguei à conclusão de que o que ele realmente queria era uma espécie de altruísmo muscular. E coloquei essa expressão no discurso. Alguns dias depois John Sununu, à época assessor da campanha – e que no futuro se tornaria chefe de pessoal do presidente Bush -, disse para mim, com uma cópia do discurso nas mãos: “Tire esse altruísmo muscular. Parece doença.”
Eu ri. Ele tinha razão. Se Bush falasse em “altruísmo muscular”, as pessoas pensariam em “distrofia muscular”. Por que? Porque é uma expressão comum e elas estão acostumadas a ouvir as duas palavras juntas, “distrofia” antes de “muscular” e não “altruísmo”.

Para comover, use a lógica em vez do drama
Geralmente os políticos dizem aos redatores de seus discursos: “Quero emocionar de verdade. Quero música e poesia.” Os executivos pedem o mesmo: “Quero um discurso emocional, cheio de sentimentalismo.” Hoje, as pessoas costumam pensar que bom discurso é aquele que faz chorar.
No entanto, nada seca mais os canais lacrimais do que um discurso claramente orientado para que o público caia em soluços. Lembro-me de certa senhora que fez um pronunciamento há alguns anos diante de um grupo de conservadores, a respeito do futuro do movimento. Falou com grande sensibilidade a respeito do Congresso e da legislação pendente. Entretanto, no fim contou história que ouvira sobre Eisenhower em seu leito de morte, quando ele teria feito uma saudação de despedida para um amigo. Ao terminar, ele própria fez a saudação.
Silêncio. Em seguida, aplausos tímidos. A audiência não respondia como se estivesse comovida: as pessoas reagiam como se alguém tivesse tentado manipula-las.
Até quase o final ela fizera bom discurso. Mas evidentemente se rendera à idéia de que é preciso encerrar com um argumento bombástico. Ao contrário, é necessário tentar ajudar o público a pensar. Um bom caso, bem argumentado e contado, é sempre capaz de comover.

Humor é fundamental
Todos os discursos precisam de humor e o seu também, provavelmente logo no início. Ronald Reagan queria sempre uma piada no começo de suas falas porque precisava conquistar rapidamente a audiência através da risada. Isso o ajudava a relaxar, e ao público também.
Se você for capaz de inventar as próprias piadas, ótimo. Esse processo, no entanto, pode ser demorado. Por isso, comece a pensar no assunto a partir do momento em que elaborar o discurso. Se pedir ajuda, diga aos amigos exatamente do que se trata: onde você vai falar e por que, qual o assunto, quem é o público.
Pense a respeito do momento em que vai pronunciar o discurso. Algum campeonato de futebol está acontecendo na mesma época? Então você pode fazer referências aos jogos ou algum comentário engraçado sobre aquele técnico famoso ou sobre a velha rivalidade entre esse e aquele time.

Não deixe de agradecer
O velho clichê diz que você deve, no início do discurso, agradecer àqueles que o convidaram e à pessoa que o apresentou. O novo clichê diz que você jamais, no início do discurso, deve agradecer àqueles que o convidaram ou à pessoa que o apresentou. Normalmente isso é considerado maçante e previsível.
Eu, porém, não acho maçante ser educado. E fazer os agradecimentos no início tem uma razão prática. Enquanto você o faz, a audiência se distrai pensando e se aquieta. Eles vão se distrair de qualquer maneira em algum momento, e é melhor que isso aconteça antes que você chegue ao cerne da questão.
Agradeça com a forma, ou o tom de alguém que, tendo sido convidado para uma festa, sente-se feliz por estar a li e acaba de entrar para apertar a mão do dono da casa. Ofereça um cumprimento, uma palavra calorosa. Não é necessário mais do que isso.
Há também velhas fórmulas para as introduções. Uma de que sempre gostei foi dita por Lyndon Johnson ao abrir um de seus discursos: “Gostaria de que tanto meu pai quanto minha mãe estivessem aqui. Meu pai teria gostado de minhas palavras e minha mãe teria acreditado nelas.”

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