segunda-feira, maio 21

Quando a criança é superdotada

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1998
Autor : Tom Crabtree

Música, esporte, matemática, dança – seja qual for o talento, merece ser cultivado.

Quando eu trabalhava como psicólogo infantil, o diretor de uma escola primária telefonou-me. “Estou perplexo”, disse-me. “Um de meus alunos escreveu um ensaio intitulado ‘As propriedades do núcleo’. O professor dele não entendeu uma palavra. Nem eu!”
Fui à escola. Mark tinha 8 anos, cabelos ruivos, sardas e um nariz pingando. Pareceu-me um garoto muito comum. Emprestei-lhe meu lenço e comecei a aplicar um teste de inteligência.
Ele completou todos os testes com rapidez de relâmpago, inclusive um de Matemática adequado para crianças em nível muito mais avançado. Então, olhou-me como quem diz: “Não arranja algo mais difícil?”

Eu já vira crianças talentosas, porém aquele menino era fora de série na avaliação do Q. I.
Também já tinha visto o que pode acontecer com crianças que tem algum talento especial – não forçosamente intelectual -, mas cuja família e professores não sabem como lidar com isso. Elas passam a almejar menos.
Conheci um garoto que poderia ter-se tornado grande engenheiro. Tornei a encontra-lo por acaso quando estava com 23 anos. Era mecânico de automóveis, trabalhando muito para ter a própria oficina. Não posso deixar de pensar no que poderia ter sido, com o devido encorajamento.
O diretor de Mark e eu providenciamos para que ele tivesse aulas particulares com um professor de Ciências na escola primária. Em muitos sentidos, porém, era apenas uma criança normal. Teria de fazer amigos, aproveitar a vida ao máximo. Queríamos que fosse socialmente ajustado, além de intelectualmente brilhante. Assim, resolvemos que por enquanto ficaria na turma com crianças da sua idade. Perguntei aos pais o que achavam dele.
“Ele sabe ser difícil” disse a mãe. “Faz cada pergunta impossível!” E concluiu, sorrindo: “Mas nós o amamos muito.”
Aquilo era importantíssimo. Como a maioria de nós, crianças talentosas precisam ser amadas. O pai de Mark ensinou-o a jogar xadrez. Ele conseguiu o diploma de aprovação com louvor e é hoje presidente da própria companhia de computadores, casado e feliz com dois filhos.
Calcula-se que uma em cada 25 crianças possui alguma aptidão especial, seja acadêmica, artística ou esportiva. Pode ser talento oculto, que precisa ser descoberto e cultivado. Era o caso de Karen que, aos 14 anos, estava deprimida e não ia bem na escola. Tinha uma irmã gêmea inteligente e popular.
Karen estava na minha sala de espera, curvada como um ponto de interrogação, parecendo muito insegura. Seu belo cabelo era castanho avermelhado e os olhos, grandes e castanhos. Quando se descontraia um pouco, tinha um lindo sorriso. Notei seus dedos compridos, de artista.
Ela me confiou que detestava a escola. A única disciplina de que gostava era pintura. Fui à sua escola, onde a professora de artes me mostrou alguns trabalhos de Karen. Eram originais e coloridos.
Pedi à professora para passar tarefas a Karen e elogia-la freqüentemente. “Temos de desenvolver sua auto estima”, aconselhei. Sugeri aos pais que lhe comprassem um bloco de desenho e material para aquarela. “Ela tem muito talento”, disse-lhes.
Muitas vezes o trabalho de psicólogo infantil é fazer com que os adultos vejam a criança de um novo ângulo. Os pais de Karen passaram a aprecia-la mais; os mestres, a acreditarem nela. Mais importante, Karen começou a acreditar em si.
Pode ser difícil ter um filho talentoso. É preciso tempo, dedicação e apoio constante para garantir que os dons da criança floresçam.
Sei disso por experiência pessoal. Aos 7 anos ficou evidente que minha filha Sally era ginasta excepcional. Na adolescência, fez parte da equipe de ginástica britânica e obteve bolsa para treinar em Moscou.
Seu talento significava que tinha de treinar seis dias por semana e competir por todo o país. Tivemos de garantir que o sucesso dela não ofuscasse nossos dois outros filhos, enquanto lhe dávamos constante apoio material e emocional. Na Rússia, nos exercícios de chão, disseram a Sally que seus dedos eram tortos. Levamos semanas para convence-la de que eram perfeitos.
Numa festa ao ar livre, conversei com a mãe de uma campeã de natação. A filha tinha de levantar-se de madrugada para treinar na piscina.
“Faria tudo de novo?” indaguei. “Eu não” respondeu a mãe. “Minha filha, sim. É isso que importa”.
Crianças talentosas podem representar desafio, mistério e trabalho duro. Também podem encher-nos com sensação de assombro, alargar nossos horizontes, abalar nosso mundo. Dão-nos prova de talento. Merecem tudo o que temos de melhor.

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