quinta-feira, maio 31

O coração valente de Mel Gibson

Fonte : Revista Seleções
Data : Outubro de 1998
Autor : Linden Gross

Beleza e talento explicam só em parte seu sucesso extraordinário

Pegue uma revista sobre celebridades e você lerá o seguinte sobre Mel Gibson: é um rebelde desordeiro que passou anos embriagando-se e brigando até que finalmente domou seus demônios para tornar-se pai de família estável, sóbrio e estabelecido.
No entanto, não descobrirá o ingrediente essencial que o levou ao topo de sua profissão – e ali o mantém. Para isso, terá de voltar a 1992, quando Gibson aceitou o desafio de dirigir seu primeiro filme. O homem sem face.
Peter Weir, australiano diretor de Gibson em O ano que vivemos em perigo, encontrando-se com ele, disse:
“Ouvi dizer que você vai dirigir um filme.”
“É”, respondeu Gibson, “e estou apavorado.”
Weir, com um sorriso, disse francamente:
“E é melhor estar mesmo.”
Diante desse conselho inesperado, o medo de Gibson transformou-se em pavor. O certo é que, durante os meses em que dirigiu o filme, foi posto à prova como nunca antes. Ficou tão cansado que às vezes adormecia no estúdio. Apesar disso, estava resolvido a provar que era capaz de dirigir um filme comovente e memorável.
E conseguiu. Na estréia de O homem sem face, o Los Angeles Times declarou que se tratava de “uma realização considerável”. Outra vez Mel Gibson demonstrava a característica que mais contribuiu em sua carreira: a coragem de desconcertar as expectativas.

Mel Gibson nasceu no dia 3 de janeiro de 1956 em Peekskill, Nova York. Sexto entre 11 crianças tinha três irmãs bem mais velhas e três irmãos de idades muito próximas da sua. Os quatro garotos saltavam do telhado do celeiro, metiam-se em brigas com pedras e esmurravam-se freqüentemente. Ser rebelde era a maneira de Mel garantir que não se perderia no meio da enorme “ninhada”.
Quando a família se mudou para Sydney, Austrália, Mel, então com 12 anos, só aumentou a travessura. Certa vez, na escola, dois colegas e ele competiram para ver quem seria punido com surra mais vezes num só dia. Mel venceu longe, com 27.
No entanto, sementes de outro tipo também estavam sendo plantadas. Seu pai, Hutton, ferroviário guarda-freios e programador de computadores, era católico fervoroso que atacava constantemente o fumo, a bebida e o sexo pré-nupcial. Embora as proezas de Mel fossem uma espécie de reação contra a educação severa, ele via no pai o poder da convicção absoluta. Hoje esse legado constitui parte importante da fibra do próprio Mel Gibson.
Depois de passar com dificuldade pela escola secundária, Mel empregou-se numa fábrica de sucos. Nunca lhe ocorrera ser ator. No entanto, a irmã Mary reconheceu o potencial de ator em Mel e fez sua matrícula no Instituto Nacional de Arte Dramática de Sydney. A princípio o rapaz de 18 anos ficou aborrecido, mas detestava trabalhar na fábrica.
Gibson foi aceito, para sua surpresa. Entretanto, comportou-se desafiadoramente na escola. Certa vez quase foi expulso da turma por se recusar a fazer um exercício de representação que considerava perda de tempo. Mas quando se formou, em 1977, Gibson percebeu que descobrira sua paixão.

Além dos limites
Embora seu objetivo estivesse definido, a ousadia natural de Gibson muitas vezes era desviada para confrontos sem sentido. Uma semana antes de fazer o teste para Mad Max, aventura pós-apocalíptica australiana, ficou tão contundido e ferido numa briga de bar que quase faltou ao teste. Mas acabou ganhando o papel. O diretor, George Miller, achou que as fotos do rosto machucado de Mel combinavam exatamente com o aspecto de gladiador embrutecido que imaginara para o personagem do policial solitário. Mad Max (1979) tornou-se o maior êxito de bilheteria daquele ano na Austrália.
Nessa ocasião Gibson morava numa pensão em Adelaide, Austrália, onde conheceu Robyn Moore, atraente enfermeira. Tornaram-se amigos e após um ano a amizade transformou-se em amor. Casaram-se no verão de 1980 e no ano seguinte tiveram uma filha, Hannah.
Pouco depois, como protagonista em Gallipoli e Mad Max 2 – A caçada continua, Gibson consolidou-se como atração de bilheteria. Para espanto seu, porém, o talento era considerado secundário diante do seu aspecto físico. Queria continuar desempenhando papéis importantes. Tentou, mas não conseguiu, o papel de Mozart em Amadeus.
De 1983 a 1985 estrelou cinco filmes consecutivos, mas não se sentia feliz com a fama recém conquistada. Isso, aliado à separação quase constante da família – a qual aumentara com o nascimento em 1982 dos gêmeos Edward e Christian, e William, dois anos depois – pareceu levá-lo além dos limites.
Irritado, começou a beber muito. Logo o álcool se tornou um problema grave. “Tudo vem acontecendo depressa demais”, confessou, aos 27 anos. “Tenho de dar uma freada nisso, senão vou acabar me arrebentando.”
Na noite de 24 de abril de 1984 o ator, embriagado, provocou um acidente quando dirigia em Toronto. O nível de teor alcoólico no sangue estava acima do limite legal, e ele foi preso. Quando Mel ligou para Robyn contando o acontecido, ela ficou furiosa. “Que diabo está acontecendo com você?”, perguntou.

Restabelecimento
Gibson reconheceu que precisava de descanso das filmagens e foi com a família para seu rancho em Victoria, Austrália. Alimentou e cuidou de 200 cabeças de gado de corte, reconstruiu uma cabana com o pai e uniu-se à mulher e aos filhos. A simples normalidade do dia a dia rejuvenesceu Gibson.
Após o período de ano e meio, voltou para Hollywood, dessa vez para filmar Máquina Mortífera, em 1987. A interpretação de um tira durão impulsionaria Gibson à órbita de superastro. No entanto, como sempre, os críticos focalizavam mais o aspecto físico do que o talento. Um escreveu sobre sua “tendência a ficar parado com ar de bonitão internacional”.
Novamente Gibson sucumbiu às tentações do excesso de trabalho e de bebida. No final da década de 80, quando as histórias de suas bebedeiras chegaram aos jornais, ele finalmente percebeu como o álcool estava afetando sua vida. Parou de beber.
Exorcizando seus demônios, Gibson agora estava pronto para desempenhar um dos papéis mais improváveis de sua carreira: Hamlet, de Shakespeare.
Nenhum estúdio se mostrava disposto a financiar o filme, pois ninguém acreditava que Gibson conseguiria interpretar bem aquele papel. O ator salvou o projeto fundando a própria produtora.
O filme superou as expectativas. “Gibson nunca esteve tão impressionante”, escreveu certo crítico. “Seu desempenho é inteligente, soberbamente físico e isento de posturas poéticas.” Por fim, as pessoas começavam a perceber o talento por trás do rosto.

O verdadeiro valor
O romance sobre um ex-professor cujo rosto desfigurado o isola do resto da sociedade comoveu tanto Gibson que ele resolveu arriscar-se a dirigir pela primeira vez. Depois de vários atores terem recusado o papel principal, ele o assumiu, com relutância.
Logo se tornou evidente por que Peter Weir lhe avisara que “era melhor ficar apavorado”. O projeto era extenuante, mas Gibson acreditava nele. A própria sensibilidade ficou evidente quando disse a um repórter: “Em meu ramo, somos julgados primeiro pelas aparências. Meu filme trata de olhar além das aparências para testar o verdadeiro valor das pessoas.”
Os críticos o acolheram calorosamente. “Gibson fez estréia promissora com um filme piegas e antiquado”, escreveu Peter Travers na revista Rolling Stone. “É aquele raro ator diretor que não concentra em si o espetáculo inteiro.”
Pouco depois os diretores da Paramount convidaram Gibson para ser protagonista de Coração Valente, filme sobre o rebelde escocês William Wallace, do século 13, que lutou para libertar a pátria. Gibson recusou, achando-se velho para o papel. Entretanto, não conseguia tirar a história da cabeça. Fez uma proposta que pareceu a muitos loucura total::: dirigir um épico tendo no currículo apenas uma experiência como diretor.
“Estão presentes todos os elementos para que a crítica o arrase”, escreveu um repórter. “Ele usa um kilt (saia escocesa) e apliques de cabelo. O rosto é borrado de tinta de guerra.” Sem falar no desafio de dar vida a uma história pouco conhecida.
Essa ambiciosa epopéia teria posto à prova até mesmo um diretor veterano. Por três meses e meio Gibson trabalhou durante 18 horas por dia. A equipe do filme percebeu que ele tinha peito, conforme disse o roteirista Randall Wallace.
A maior jogada de Gibson revelou-se também seu maior triunfo cinematográfico. “Conhecemos Mel Gibson como um dos homens mais bonitos de Hollywood”, escreveu Caryn James, do New York Times. “Quem diria que é também um dos mais sagazes? Transformou a pouco promissora história do século 13 em uma das exibições mais espetaculares dos últimos anos.” O trabalho de Gibson rendeu-lhe dois Oscars, de Melhor Diretor e Melhor Filme de 1995.

Escreva do outro lado
Hoje, seguindo a própria visão, Mel Gibson continua a desafiar e a desconcertar as expectativas de Hollywood. Reconhece abertamente sua fé religiosa. Despreza as mordomias típicas da fama. Comparece às cerimônias de Hollywood dirigindo o próprio carro em vez de alugar limusine com chofer. Nas tomadas externas, fica na fila com os outros para pegar o almoço.
No entanto, apesar da nova paixão pela direção, para Gibson a família é de suma importância. Ele afirma o compromisso com o casamento em termos que não são nada comuns em Hollywood: “Afastei a possibilidade de divórcio. Simplesmente a eliminei. Não vou fazer isso.”
Pretende passar o maior tempo possível com os seis filhos, cujas idades vão de 8 aos 17 anos. Sabendo que eles precisam da segurança de sua presença, recusa projetos que exijam separação prolongada da família. O programa e a locação do próximo filme são em grande parte determinados pelas férias de verão das crianças. “Quem cria filhos, gosta de estar presente”, diz, com simplicidade.
Uma tarde na primavera passada, Gibson entra no estúdio da Warner Brothers, onde está sendo produzido seu último filme, Máquina Mortífera 4. Vai filmar uma cena engraçada com os companheiros Danny Glover e Chris Rock. O desempenho correto fará a platéia vibrar; o errado, resultará em tédio mortal. Sabendo que a cena poderia sair de um jeito ou de outro, na véspera Gibson convidara os protagonistas a seu trailer para discuti-la. “Ele tem tantas idéias criativas! E está sempre contribuindo”, diz Glover.
Durante um intervalo atende a telefonemas sobre projetos futuros. Entre os mais promissores; uma versão do romance de Ray Bradbury, Fahrenheit 451 – a história do homem que enfrenta uma sociedade em que livros são queimados e a liberdade de pensamento é proibida. Gibson foi atraído pelo clássico por causa da citação inicial do livro: “Se lhe derem papel pautado, escreva do outro lado.”
Mais uma vez, Gibson prepara-se para abrir novos caminhos. Se a próxima jogada der certo, sem dúvida trará ainda mais elogios a seu talento. E também será mais um tributo à qualidade que distingue Mel Gibson : seu coração valente.

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