sexta-feira, junho 1

Na cozinha do palácio

Fonte : Revista Seleções
Data : Dezembro de 2002
Autora : Beatriz Portugal

Antes de chegar ao Planalto, ela teve de vender cachorro-quente para sustentar a avó

Contratada para fazer um jantar na casa do então ministro da Justiça José Gregori, a chef Roberta Sudbrack preparava os pratos quando o ministro entrou na cozinha para avisar que teriam mais dois convidados de última hora. Roberta disse que havia comida suficiente. “Então ele falou que eram o presidente Fernando Henrique Cardoso e dona Ruth, e eu gelei”, lembra ela. Apesar do nervosismo, teve de manter a calma aparente para conseguir levar o jantar até o fim. Chamada à sala após o jantar, Roberta foi muito elogiada. Naquele momento nem desconfiava que sua vida estava prestes a mudar radicalmente.
No início, o arroz não podia misturar com o feijão, que não podia misturar com o legume, que não podia misturar com a carne... Para satisfazer a neta, a avó comprou um prato com divisões e assim os alimentos ficavam separados. A neta, Roberta, era uma menina de bochechas rosadas, que, em vez de ler histórias em quadrinhos, folheava livros de culinária.
Hoje, aos 34 anos, solteira e sem filhos, essa gaúcha tornou-se a primeira chef fixa nos 42 anos de história do Palácio da Alvorada. No comando da cozinha do presidente há cinco anos, Roberta já preparou jantares para várias personalidades, como o rei Juan Carlos da Espanha, o ex-presidente Bill Clinton, o tenista Guga e até a seleção brasileira de futebol. Antes de sua chegada, os banquetes mais sofisticados eram preparados por chefs contratados apenas para a ocasião. Roberta não só conquistou o cargo ao encantar dona Ruth e o presidente, como ganhou elogios efusivos de chefes de Estado.
Criada pela avó Iracema e pelo avô Fontoura, Roberta tem uma das características fundamentais para um chef de cozinha: a organização. “A cozinha profissional é muito diferente da cozinha do dia a dia, porque você está sempre trabalhando contra o relógio”, explica ela. “É preciso ter uma disciplina quase militar para que tudo saia certo, e paixão para que a comida desperte emoções.”
Foi num momento difícil que Roberta teve seu primeiro contato com a culinária. Quando o avô morreu, ela passou a vender cachorros-quentes para sustentar a avó. Roberta tinha 17 anos e, para começar o negócio, comprou em dez prestações um freezer e a trocou por um trailer. Montou sua barraquinha, o Canil Quente & Cia., em uma quadra residencial de Brasília.
Hoje, há centenas de carrinhos na cidade, mas na época era uma novidade. “Nas primeiras semanas foi complicado, porque as pessoas não entendiam o que eu fazia ali. Então pedi a alguns amigos que deixassem o carro estacionado em frente ao local, e só então as pessoas entenderam que era simplesmente parar e comer.” De bônus, Roberta dava cachorro-quente para os amigos. “Funcionou, e fiz uma boa clientela.” Em dias movimentados, ela chegava a vender até 300 cachorros-quentes e, em dias ruins, cerca de 80. O freezer ela quitou na quarta prestação.
O segredo do cachorro-quente? “Trabalhar sempre com os melhores ingredientes possíveis”, revela. “Não utilizávamos nada de um dia para o outro. Jamais. Era tudo feito no dia.” Foram três anos, de segunda a segunda, debaixo de chuva e sol, vendendo cachorro-quente, das 4 da tarde até as 3 da madrugada.

Banquete do comandante
Até que Roberta decidiu viajar. Vendeu o seu trailer, pegou as economias e foi estudar nos Estados Unidos.
Começou a cursar veterinária numa faculdade perto de Washington, mas logo percebeu que não gostava de ver animais doentes sofrendo. Trancou o curso e decidiu se dedicar ao inglês. Morando sozinha, Roberta foi obrigada a cozinhar. Aprendeu lendo e seguindo receitas. Com o tempo, a necessidade virou paixão. Passava horas em livrarias folheando livros e mais livros de culinária. Sem dinheiro para estudar numa grande escola de gastronomia, montou a própria escola em casa. “Se o livro dizia para passar x horas cortando legumes, eu passava x horas cortando legumes”, recorda. Cortou os dedos várias vezes, mas não desistiu, até ganhar intimidade com as facas – que hoje são o seu xodó. Roberta coleciona facas de todos os tipos e tamanhos.
Depois de dois anos e meio morando fora, já decidida a ser chef de cozinha, voltou para junto da avó. Mas uma dúvida a perturbava: como reagiriam a família e os amigos? A família achou uma loucura, mas a avó aprovou: “Se é o que você quer, faça então da melhor maneira.”
Roberta começou a preparar jantares particulares para até 15 pessoas. No boca-a-boca, ficou conhecida na cidade. Nunca repetia os mesmos pratos e era responsável por tudo, desde a escolha do menu até a compra dos ingredientes.

Um mês depois do jantar na casa do ministro Gregori, recebeu uma ligação do cerimonial do Palácio da Alvorada: queriam que ela fizesse um banquete para 48 pessoas. Durante o jantar, enquanto os cozinheiros acomodavam tortinhas de maçã com sorvete nos pratos, o mordomo entrou na cozinha.
Disse que ainda não podiam servir a sobremesa porque o “comandante” falava demais e ainda não tinha terminado de comer. O “comandante” era Fidel Castro. “Parece que foram tirar o prato dele e ele deu um tapinha na mão do garçom”, conta ela rindo. “O único problema foi que o sorvete derreteu e tivemos de preparar 48 sobremesas de novo.”

Tropa na cozinha
Daí para o convite a chef permanente no palácio foi um pulo. A única exigência de dona Ruth foi que Roberta mantivesse a equipe de cozinheiros, um grupo de soldados das Forças Armadas acostumados a fazer comida de quartel. A primeira providência foi ensina-los a valorizar ingredientes frescos. “Tivemos de re-aprender o be-a-ba”, conta Sérgio Dias, membro da equipe de cinco aprendizes, hoje cozinheiros.
Na expectativa da transição do governo, Roberta divide seu tempo entre Brasília e o Rio de janeiro, onde pretende abrir um restaurante no início do ano que vem. Ela dá um conselho, ou melhor, uma receita para o sucesso: “Primeiro fazer o que você gosta. Segundo, muita determinação para vencer os obstáculos. Misturando tudo isso, você vai conseguir ótimos resultados.”

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