quarta-feira, junho 13

O senhor do ringue

Fonte : Revista Seleções
Data : junho 2004
Autor : Roy Wenzl

Ele era apenas mais uma pessoa em dificuldades, até um amigo lhe dar uma chance

O menino franzino de 12 anos chegou ao quintal de Johnny Papin em Wichita, Kansas, numa noite de junho de 2001. Immanuel (Manny) Thompson se encostou na cerca, observando Johnny treinar um grupo de dez meninos.
Johnny examinou o recém-chegado. Um bom garoto, pensou, mas distraído e nervoso. Do tipo que as gangues adoram recrutar.
Johnny conhecia Manny desde bebê. Sabia que o menino quase fora expulso do colégio na 6ª série. E que os pais dele tinham se separado três meses antes. A mãe trabalhava num restaurante, ganhando pouco para o sustento da família.
Johnny foi até a cerca.
“O que... você... está fazendo?”, gaguejou Manny.
“Boxe”. Johnny apontou um saco de pancadas pendurado numa árvore. “Estamos treinando para lutar.”
Manny olhou para Johnny, 49 anos, ombros largos e cabeça rapada.
“Você me ensina a lutar?, perguntou Manny.
“Pode ser”, respondeu Johnny. “Mas é um esporte, não um motivo para sair brigando por aí. Ouviu?”
Manny fez um gesto afirmativo com a cabeça.
“Vá perguntar à sua mãe se ela permite.”
Manny foi embora. Se voltar, pensou Johnny, talvez possa mantê-lo afastado dos criminosos que rondam o bairro.

Johnny trabalhava no bar do Wichita Country Club quando conheceu Bill*, em 1990. Os dois conversavam sobre golfe, as notícias, o mercado de ações. Bill era herdeiro de uma fortuna, um investidor que fazia parte de diretorias de bancos.
Johnny notou que Bill, com seus 50 e poucos anos, não ostentava sua riqueza. Era simples, atencioso e educado. Johnny costumava fazer brincadeiras sobre suas roupas elegantes e Bill achava graça. Passava horas, ouvindo o amigo contar histórias sobre seus tempos de lutador de boxe.
Logo Johnny começou a fazer confidências a Bill. Contou-lhe como fugiu de casa aos 14 anos e se tornou jogador de dados e de sinuca, e contrabandista de bebidas alcoólicas. Depois, mudou-se para Los Angeles e começou a treinar como pugilista. Venceu diversas lutas como peso-pena e peso-galo, e imaginou que se tornaria um campeão.
Um dia, porém, Johnny se machucou num acidente de motocicleta e teve de largar o boxe e o dinheiro que ele trazia, retornando a Wichita em 1981. Nos anos seguintes, mais tristezas o atingiram. Em 1984, um de seus filhos foi baleado e morreu. Johnny entendeu isso como uma punição para o que havia feito de ruim.
Começou a se envergonhar de sua vida e quis melhorar. Voltou a freqüentar a igreja e trabalhou com grupos jovens.
Na época em que conheceu Bill, estivera vagando por Wichita durante nove anos sem emprego fixo. Continuava a brincar sobre a fortuna de Bill. O ex-pugilista gostava do estilo de Bill se vestir, explicou, porque ele mesmo não agüentava mais parecer “um palhaço” – camisa florida, colarinho aberto, três correntes de ouro.
No dia seguinte, Bill apareceu no clube carregando uma sacola. “Tome”, disse a Johnny. “Pode ficar com isto.” Johnny abriu a sacola: camisas e calças elegantes, chapéus. Peças bonitas, quase novas, do armário de Bill.
Johnny aprendeu que não era incomum que seu amigo rico realizasse atos de bondade sem explicações.
Naquele inverno, quando Johnny foi dispensado do trabalho, Bill e sua mulher, Mary*, contrataram-no como caseiro.
Um dia, Bill pediu a Johnny que comentasse um artigo no jornal.
“Leia a história no caderno de economia e me diga o que acha.”
Johnny olhou para o jornal e, em seguida, para o amigo.
“Não sei ler”, admitiu ele.
Sentindo-se humilhado, contou a Bill que fingia para as pessoas. Na verdade, sabia das notícias pela TV.
O amigo olhou para ele, incrédulo.
“Vamos ver o que podemos fazer para resolver isso.”
Logo Mary encontrou um professor particular. Um dia, Johnny chorou. “Houve ocasiões no ringue em que fui tão espancado que parecia uma zebra com todas aquelas marcas”, contou. “Mas nunca havia chorado até hoje.”
Ele se levantou e afirmou: “Não vou conseguir. Desisto.”
O tutor o encorajou a continuar. Nunca fizera nada tão difícil, mas, depois de dois anos, aprendeu.
“Como poderei lhe pagar?, perguntou a Bill.
“Não se preocupe com isso”, foi a resposta.

Em maio de 1995, Bill descobriu um caroço no pescoço. O diagnóstico foi um câncer inoperável e fatal.
Não muito tempo depois, Bill estava muito fraco para subir as escadas até o quarto. Johnny sentou-se ao lado do amigo e disse: “Coloque os braços em volta de mim”. Bill assim o fez. Johnny ficou de pé e carregou-o escada acima.
Após a morte de Bill em 8 de agosto, Johnny continuou a freqüentar a casa. Disse a Mary o quanto admirava seu marido.
Mary tentou consola-lo. “Isso faz parte do baú que trazemos ao nascer. Ele vem com vida, morte e tudo o mais que colocamos nele.”
Johnny lhe disse que nunca colocara muito no baú de sua vida.

Durante anos, a loja de conveniências perto da casa de Johnny foi cenário de vários tiroteios. A alguns quarteirões de distância, houve brigas de gangues. Johnny solidarizou-se com outros homens de meia idade com relação aos adolescentes que se metiam em apuros. No entanto, sentia-se mal sempre que ele e os outros criticavam os jovens.
Ele ainda trabalhava meio expediente para Mary e resolveu, então, pendurar o saco de pancadas no quintal. Sabia que os garotos adolescentes adoravam assistir a lutas de boxe.
Logo havia uma dúzia de meninos em seu quintal. “Querem aprender?”, dizia-lhes. “Então se esforcem.” Abdominais, flexões, polichinelos, corridas de 1,5 quilômetro todas as noites.
Ele criou o Clube de Boxe e Consciência Cidade da Esperança. Seu plano? Ensinar o esporte e pregar aos garotos que não se metessem em confusão. No centro de sua mensagem estavam as “Leis do Treinador Johnny”: Não xingar
Não desrespeitar.
Não usar calças frouxas nos quadris.
Não ter atitude de bandido.
O que o fez persistir foi o que certa vez ouviu uma pessoa dizer: “Se você salvar pelo menos uma criança de uma dificuldade, já terá feito algo que vale a pena.”

Manny Thompson voltou ao quintal de Johnny. Sua mãe, Brenda, desesperada com a agressividade do menino e as notas baixas na escola, permitiu que ele fosse. Talvez, pensou ela, o boxe possa reverter isso.
Duas semanas após a chegada de Manny, Johnny o colocou para treinar com um garoto mais velho. Manny o atacou com socos alucinados, sem técnica – apenas raiva e dom natural. Por fim, desferiu uma bruta combinação de esquerda direita na cabeça do garoto mais alto, que balançou e caiu para trás.
Johnny olhou para Manny. Aquele garoto tinha talento natural. “Ouça”, disse a ele mais tarde. “Você pode ser um grande lutador – talvez, um campeão. Mas, se você quer vencer, precisa aprender a golpear, deve prestar atenção ao que digo e levar os treinos a sério. Está ouvindo?”
Manny assentiu e foi para casa tão feliz que sentia vontade de dançar.

Em setembro de 2001, Johnny levou Manny para uma luta de três assaltos em Garden City. O menino sem técnica desaparecera. Em seu lugar, restava um pugilista que mal chegava aos 45 quilos, golpeando de esquerda, aplicando ganchos e defendendo-se muito bem. Manny venceu.
Pouco tempo depois, Brenda teve uma reunião com os professores do filho e soube que ele estava faltando às aulas. Ela o advertiu sobre a necessidade de melhorar na escola, e falou em contratar um professor particular. “Melhore as notas ou vou tira-lo do boxe”, ameaçou. Johnny disse ao menino que a mãe estava certa – e mais: se Manny não melhorasse as notas, Johnny também não permitiria que ele freqüentasse o clube. Manny admitiu que odiava a escola: era difícil.
“E o professor particular que sua mãe quer arranjar para você?”
“Só burros precisam de professor particular.”
Johnny não sabia se gritava ou ria.
“É isso que você pensa? Pois saiba que só aprendi a ler aos 40 anos.”
“O que?”
“E só aprendi porque tive um professor particular. Era difícil, mas não desisti. E você pode fazer o mesmo.”
Manny começou a ter aulas com um professor de matemática. Logo estava se interessando por algumas matérias.
Johnny treinou Manny com mais afinco do que os outros meninos, mandando-o correr mais e fazer mais exercícios. Manny obedeceu e ganhou muitas competições pelo estado. E usava as medalhas de ouro no pescoço para ir à escola.
Na 8ª série, Manny chegou em casa eufórico. Estava na lista dos melhores alunos, com média excelente. Brenda ergueu os braços e gritou.
No treino daquela noite, Manny foi mostrar suas notas a Johnny.
“Treinador, veja!”
Johnny colocou os óculos e pegou o papel das mãos do garoto.
“Ai, meu Deus!”, exclamou Johnny, fazendo passos de dança.
“Eu disse que se você se empenhasse, daria tudo certo. Olhe só para isso!”

Orientar Manny é apenas o início para Johnny, que acredita dever a Deus uma vida inteira de trabalho. “Nada do que eu faça por alguém vai ser suficiente”, disse. “Desperdicei muito da minha vida e agora vou passar o restante dela retribuindo.”

Nenhum comentário: