sábado, junho 23

Confissões de um criador de palavras cruzadas

Fonte : Revista Seleções
Data : Agosto de 1998
Autor : Merl Reagle

Passatempo, arte ou esporte?

Estreita linha separa o divertimento da tortura. Sei disso. Passo a vida fazendo palavras cruzadas. No “negócio dos quebra-cabeças”, sou conhecido como criador. Venho fazendo isso há muito tempo. Vendi minhas primeiras palavras cruzadas para o The New York Times quando tinha 16 anos. Mesmo nessa época já era veterano.
Quando criança, gostava de todos os tipos de brinquedos de construção. Ao aprender o significado das palavras, passei a usa-las do mesmo modo. Fiz minhas primeiras palavras cruzadas aos 6 anos. Utilizando uma folha de papel quadriculada e lápis, comecei a escrever nela todos os nomes de meus colegas de classe, organizando-os no estilo de palavras cruzadas.
Depois de ter feito pequenas palavras cruzadas como essa durante vários dias, minha mãe disse:
“Ah! Vejo que você está escrevendo versões em Neanderthal dos nomes das pessoas no papel.
Olhei para ela entusiasmado e respondi:
“Obrigado, mamãe!”
Depois fui procurar o significado de Neanderthal.
Ainda guardo a carta que recebi em 1966 da primeira editora de palavras cruzadas do The New York Times, Margaret Farrar. Na carta ela explicava por que duas das três palavras cruzadas que lhe enviara não foram aprovadas.
Uma delas tinha as chaves Mortinho da Silva e Podre em dinamarquês -, “expressões não muito agradáveis”, justificou ela. O outro usava edema e estertor (a última é “respiração de um moribundo, nada agradável também”). Na carta ela dizia: “As palavras cruzadas são divertimento. Evite referir-se a morte, doença, guerra e impostos. O passageiro do metrô que tenta soluciona-las já encontra material suficiente sobre isso no resto do jornal.”
Divertimento? Preencher palavras cruzadas no metrô? Essas idéias nunca tinham passado por minha pobre cabeça. O terceiro quebra-cabeça, porém, estava bom. Foi assim, não sendo inconveniente, que vendi as primeiras palavras cruzadas ao jornal.
Atualmente trabalho para vários jornais. Nem todas as palavras cruzadas são criadas do mesmo jeito, mas a maioria delas, pelo menos as de jornais, segue regras. E há grande número de normas.
As palavras cruzadas foram inventadas em 1913 por Arthur Wynne, editor do antigo World, de Nova York. Tornaram-se verdadeira mania no início da década de 20 quando outra editora, Margaret Petherbridge, assumiu o cargo.
Em 1924 Petherbridge foi apresentada a Richard Simon, que desejava fundar uma empresa de publicações com seu amigo Max Schuster. Simon pediu-lhe que o ajudasse a publicar o primeiro livro de palavras cruzadas. O livro obteve sucesso surpreendente e a Simon & Schuster nasceu.
Logo Petherbridge deixou o World, tornou-se a senhora Farrar e continuou a editar livros de quebra-cabeças. Em 1942, quando o Times decidiu publicar uma seção de palavras cruzadas, Farrar foi chamada. Ela é responsável por praticamente todas as regras de criação de palavras cruzadas que os entusiastas seguem hoje.

Por exemplo:
01 – O diagrama deve ser “diametralmente simétrico”, isto é, o arranjo dos quadrados negros deve parecer o mesmo quando visto de cabeça para baixo.
02 – Os quadrados negros não devem ocupar mais do que um sexto do diagrama.
03 – Os diagramas devem ter números ímpar de quadrados em um dos lados. Isso cria um quadrado central e permite que os decifradores sigam de um lado a outro ou para baixo do centro do quebra-cabeças.
04 – Todas as palavras devem ter três letras ou mais. (Palavras de duas letras são deixadas para os principiantes.)
No início a regra era: se está no dicionário e combina, é permitido. Entradas de mais de uma palavra geralmente não são permitidas. Pode-se ter Big e Ben, mas não Big Ben.
Infelizmente, isso significa que qualquer palavra estranha ou sua variante ortográfica pode ser usada para fechar um canto.
Quanto mais esses tipos de palavras proliferam, mais as palavras cruzadas se afastam do mundo real. Tento evitar variantes ortográficas e palavras obscuras.

Para ter chance de ser chamado de cruciverbalist (termo da moda para o fã de palavras cruzadas), não há lugar igual ao Torneio Americano de Palavras Cruzadas, realizado anualmente em Stamford, Connecticut. Will Shortz, editor da seção de palavras cruzadas do The New York Times desde 1993, começou a realizar o torneio há duas décadas.
Quase sempre tenho participado como juiz. Meus deveres incluem reunir os quebra-cabeças, classifica-los e ajudar Shortz a tira-los de seu carro e carrega-los.
Entre os melhores participantes das principais apresentações desse torneio inclui-se o vencedor de 1997 e cinco vezes campeão, Doug Hoylman, atuário de 54 anos. Praticamente a única palavra que Hoylman diz durante todo o fim de semana é “feito”, quando completa o quebra-cabeças do campeonato antes de todos os outros.
Felizmente para os competidores, o presidente Clinton não participa da competição. Consegue liquidar o quebra-cabeças da edição de domingo do Times em cerca de 20 minutos – à tinta, sem erros. Para poupar tempo, usa a técnica do e minúsculo, preferida pelos melhores competidores. Uma vez que o E maiúsculo exige aqueles três movimentos da caneta consumidores de tempo e que pode haver 30 ou mais Es em um quebra-cabeça, essa técnica poupa preciosos seis segundos.
É verdade que decifrar palavras cruzadas deve ser o principal esporte sem espectadores, e que passar o fim de semana com 300 fanáticos em palavras cruzadas não deve ser a idéia que a maior parte das pessoas tem de um bom passatempo. Basta dizer que o torneio é como uma grande sabatina – totalmente verbal, sem Matemática. Mas para mim é uma reunião em que as pessoas expressam seu amor por quebra-cabeças.

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