quarta-feira, junho 20

Aquela sensação doentia

Fonte : Revista Seleções
Data : Agosto de 1998
Autor : Marx Killen

Há homens que só são felizes quando pensam que estão doentes.

“Estou me sentindo meio esquisito”, anunciou Gerry, marido de Jô, certa manhã.
“Ah, de novo, não!”, gemeu Jô. “O que é desta vez?”
“Não sei”, disse Gerry, devagar. “Só sei que não me sinto bem..., uma dor estranha, atrás das têmporas...”
Os sintomas de Gerry são sempre muito vagos. Quando alguém insiste para ele consultar o médico, nega-se, dizendo que vai “aguardar para ver o que acontece.”
No dia seguinte a primeira série de sintomas é substituída por outra, apontando para um estado bem diferente.
“Bem, tenho uma boa notícia: acho que consegui vencer aquela gripe incipiente de ontem. Agora, porém, sinto dor terrível na barriga. Pode ser apenas indigestão, mas tenho a impressão de que é algo mais grave. Ui! Lá vem ela de novo. Uma agonia.”
“É bom consultar o médico.”
“Não, vou aguardar algumas horas para ver o que acontece...”
Enquanto Gerry sofre com os fantasmas de sintomas aparentes, meu marido, Giles, aguarda os fantasmas de sintomas que ainda estão por aparecer.
“´Posso parecer sadio, mas, se quer saber, é bom demais para durar. Será um milagre se eu não sucumbir a uma infecção crônica depois de sair nesse vento cortante.”
No fundo, Giles deseja a invalidez, pois isso tem para ele uma associação inconsciente com a felicidade. Quando menino, sofria de asma e passava muitas semanas de cama, sob excesso de carinhos da mãe.
“Bastava uma batida no chão com a bengala e lá vinha ela com um prato de torradas”, recorda-se com saudade. “Duas batidas e mamãe levava uma laranja, descascada e partida.”
A asma passou, porém não antes que ele aprendesse a simples equação de que doença significava amor e atenção.
Num dia quente de verão olhei para Giles depois de ter ele passado três horas impressionantes cavando buracos e plantando árvores.
“É evidente que você está forte e bem disposto”, eu disse, “do contrário nunca teria conseguido fazer isso.”
Ele não pareceu nada satisfeito.
“Acho que fiz muito. Cansei-me demais.”
“Pode ser. Pelo menos hoje não está doente.”
“Não. Hoje é o primeiro dia que me sinto bem, há meses. E sabe qual é a tragédia? Mordi a língua.”
Há pouco tempo comprei-lhe uma enciclopédia médica que ele consulta com grande interesse.
Por exemplo, descobriu que o “terçol permanente” em sua pálpebra inferior na verdade é um conduto lacrimal.
Giles certa vez foi a um ambulatório sentindo “dor de garganta clínica”. Pediu ao médico que fizesse teste de funcionamento do fígado porque achava que tinha ressacas piores do que a dos outros.
Haverá responsabilidade criminal por desperdiçar tempo de um médico?
Depois de suportar durante anos a hipocondria de nossos maridos, Jô e eu temos obtido sucesso com os diários de sintomas que começamos a escrever.
Não comentamos, mas apenas tomamos notas detalhadas das queixas. Depois, de vez em quando, temos um ajuste de contas.
Giles e Gerry: “Há algo de muito, muito errado comigo.”
Jô e Mary: “E qual é a novidade? Você está doente todos os dias.”
Giles e Gerry: “Não estou, não. Há meses eu não fico doente.”
Jô e Mary: “Fica sim (e mostramos nossos diários dos sintomas). Aqui estão as provas.”
Giles e Gerry: “Está maluca. Isso foi piada. Desta vez estou mesmo ficando doente.”
Certo dia, Gerry voltou para casa depois de ter passado três semanas na África, bronzeado e bem disposto como nunca.
“Você está incrível”, disse eu. “Uma vez na vida não pode dizer que está ficando doente.”
“É”, disse ele. “Sinto-me muito bem. Mas estou com o chapéu fantasma. Sabe..., quando você usa chapéu todos os dias, por causa do sol, fica pensando que ainda está de chapéu.”
A mãe dele continua interessada e compreensiva. Entretanto, às vezes até ela fica farta.
“Ah, bem”, gracejou ela, há pouco tempo, “pelo menos quando você morrer vai poder colocar na sua placa: ‘Desta vez ele realmente adoeceu..’”

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