terça-feira, junho 26

O prazer de não fazer nada

Fonte : Revista Seleções
Data : Agosto de 1998
Autor : Anthony Schmitz

Às vezes, profundamente mais significativo do que o turbilhão de atividades que caracteriza nosso dia.

No verão, quando minhas filhas choramingam demais, ou escrevem nas paredes, ou ainda deixam rastro de migalhas no chão que acabou de ser aspirado, peço-lhes para brincarem lá fora. Para mim, a cena está arraigada desde a infância. A voz de minha mãe ecoa em minha cabeça. Vejo-a em pé ao lado da porta aberta da cozinha, a mão com luva de borracha respingando, apontando para o jardim.
“Voltem para casa quando tocar o sino da igreja.”
Meu irmão e eu nos olhamos aparvalhados, avaliamos o purgatório castigado pelo sol diante de nós e então contestamos:
“Não tem nada para fazer!”
“Encontrem algo.”
Quando minha mãe fazia essa declaração, falava sério. Eu, pai moderno que sou, permito que minhas filhas, 12 e 15 anos, fiquem sem nada para fazer por, digamos, uns cinco minutos, antes de ser atormentado por dúvidas.
Se estão entediadas no gramado, chego a pensar que talvez pudéssemos até brincar juntos de esconde-esconde. Ou jogar futebol. E antes de me dar conta, junto-me a elas, impondo-lhes diversão.
Por que não deixa-las por sua própria conta? Por culpa e medo, os costumeiros suspeitos. Tanto minha mulher como eu receamos estar dedicando tempo demais ao trabalho. Além disso, temos medo de que, caso um de nós não esteja de guarda, as crianças possam perambular por aí e desaparecer para sempre.
Recordo-me porém de que, no passado, uma das maiores delícias do verão era enfrentar o fato de não ter nada para fazer. Na pequena cidade onde cresci, só havia três meses no ano em que se podia vadiar no ar livre sem correr o risco de hipotermia. Assim, meu irmão e eu, depois de esgotado o repertório de atividades – brincando de apanhar a bola de beisebol, explorando um desfiladeiro na vizinhança, atirando maçãs verdes um no outro -, encontrávamos um lugar à sombra onde nos instalávamos e observávamos as nuvens passar.
Não tínhamos as aulas nem os acampamentos nem os esportes para preencher o tempo em torno dos preciosos momentos desfrutados com mamãe e papai. Em vez disso, sobrava-nos tempo para sonhar e passávamos dias apenas fitando o céu por horas a fio.
A ociosidade não só era tolerada nas crianças como também era o que se esperava de todos, aos domingos. Nossas igrejas proíbem o trabalho no sétimo dia. Nem pensar em correr ao mercado, pois as lojas ficavam bem trancadas. Íamos à igreja. Comíamos. Estendíamo-nos sobre a relva. O tempo passava.
Recentemente, depois de passar um dia correndo da aula de balé para as aulas de natação e de lá para as compras, com intervalos para refeições rápidas, deixei escapar um desabafo. Minha mãe, declarei, tinha razão. O mundo não vai acabar se as crianças forem confrontadas com metade de um dia sem nada para fazer.
As nuvens ainda estão lá em cima, no céu. As crianças não precisam de mim para mostrar qual se parece a um coelho ou a um cãozinho. Além do mais, seria bom para todos nós um pouco de “nada para fazer”. É necessário um dia na semana para pararmos e nos lembrarmos de quem somos.
Minha mulher comentou que se o mundo não muda, nós podemos mudar. Podemos pedir às crianças para brincar lá fora. Poderíamos parar, respirar, conversar e pensar. E abrir espaço em nossas vidas, para...não fazer nada.
Resumindo, ela me fez entender o quanto eu estava equivocado.
É possível levarmos isso adiante, caso consigamos afastar algumas barreiras. Mais importante, teremos de nos convencer de que não fazer nada é, às vezes, mais significativo do que o turbilhão de atividades que caracteriza nosso dia.

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