terça-feira, maio 15

Os 325 dólares eram a nossa salvação

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1999
Autor : Marvin J. Wolf

Minha família estava desesperada. Quem poderia nos emprestar aquele dinheiro?

Fiquei na ponta dos pés e mostrei o cartão com a oferta de emprego, tirado do quadro de avisos de minha escola, para o homem alto, de rosto vermelho, que estava atrás do balcão da Mort’s Deli, em Los Angeles. Ele usava um chapéu engomado de cozinheiro e um avental branco impecável. Antes mesmo que eu abrisse a boca, já estava balançando a cabeça, com a testa franzida.

- O trabalho é pesado demais par um garoto como você – disse. – Preciso de alguém maior e mais forte.
Aos 16 anos, eu aparentava menos idade e não passava de 1,52m de altura.
- Trabalhei no verão passado lavando pratos num acampamento de meninos – retruquei. – Não tenho medo de água quente nem de pratos sujos, ou de carregar pesos.
- Olhe, nós realmente precisamos de alguém maior do que você – respondeu ele. – Vai achar um trabalho mais fácil do que isto aqui, rapaz.
Estávamos em setembro de 1957 e minha família tinha acabado de chegar à Califórnia. Afiliado havia pouco tempo ao sindicato local, meu pai, metalúrgico, com muita sorte conseguia trabalho dois ou três dias por semana. Nossas parcas economias tinham se esgotado e, como o mais velho de cinco irmãos, com o sexto a caminho, eu era o único em condições de ajudar. Tinha tentado emprego em lojas, mas, sem referências, os comerciantes relutavam em me deixar lidar com dinheiro.
- Vamos fazer um acordo – disse eu. – Deixe-me trabalhar até o fim da semana. Se não gostar do meu trabalho, não precisa me pagar.
O homem alto me olhou e em seguida assentiu.
- Meu nome é Mort Rubin. E o seu?
Na loja de Mort, um fluxo interminável de utensílios, bandejas, potes e panelas sujos abastecia as pias. Eu lavava, enxaguava e esfregava. Ao fim do primeiro dia de trabalho, que começava após a escola, sentia dores agudas nas pernas por ficar de pé durante quatro horas, sem descanso.
No sábado, quando estava chegando a hora de fechar, eu já me sentia em agonia. Não tinha a menor idéia se Mort iria me pagar. No fim do dia, ele me chamou na frente da loja.
- Qual era o salário que estava no anuncio? – perguntou.
- Um dólar por hora – murmurei. – O mínimo.
Eu estava pronto para aceitar menos.
- Isto é pouco par alguém que trabalha duro como você – disse Mort. – Vai começar com US$1,25.
Ao longo das semanas seguintes, aprendi muito sobre Mort. Um pouco mais velho do que meu pai, ele viera de Chicago e tinha uma filha de minha idade. Quando o movimento diminuía, costumava contar histórias dos tempos de Exército. No início da 2ª Guerra Mundial, tinha escapado por pouco da morte numa batalha terrível em Nova Guiné. Passara um bom tempo se recuperando do grave ferimento sofrido na cabeça.
A loja não abria aos domingos, por isso todo sábado à noite Mort me fazia levar para casa a sopa que sobrava, numa jarra imensa. Um caldo nutritivo feito com peru, arroz e vegetais, aquela sopa era por si só uma refeição – um banquete para minha família, que lutava com dificuldades.
Meu pai costumava ir me buscar no trabalho nesses dias, porque era difícil transportar a sopa de bicicleta. Até que num sábado ele deixou levar o automóvel.
Terminado o trabalho, fui para casa e estacionei o carro. Com a jarra ainda morna nos braços, atravessei o gramado e passei diante da janela da sala. Ao olhar para dentro, quase deixei cair a jarra. Na cadeira de meu pai – justamente em sua cadeira! – estava sentado um homem gordo e careca, que ameaçava meu pai, a voz cheia de desprezo. Meus irmãos e irmãs estavam sentados, imóveis como estátuas. O rosto de papai parecia de pedra. Mamãe chorava.
Esgueirei-me até a cozinha, deixei a sopa no balcão e fui escutar atrás da porta. O homem queria tomar nosso carro. Papai propunha pagar as três parcelas que estavam atrasadas, mas o homem queria o valor total – 325 dólares – ou o carro de volta.
Saí sem ser visto, empurrei o carro até a esquina, liguei o motor e dei uma volta pela vizinhança, a cabeça a mil. Quem poderia ter os 325 dólares? Quem sequer consideraria a hipótese de me emprestar aquela enorme quantia?
A única pessoa que me vinha à mente era Mort. Voltei à loja, bati à porta dos fundos e esperei até que a persiana na janela fosse levantada. Então me vi diante do cano de uma pistola 45.
- O que você quer? – grunhiu Mort, baixando a arma.
Gaguejando, contei-lhe a história: o homem careca, as ameaças, a exigência ultrajante.
- Será que você poderia emprestar 325 dólares a meu pai? – perguntei, afinal, percebendo como aquilo soava absurdo.
Os olhos de Mort estavam cravados em mim. Seu rosto ficou vermelho e os lábios começaram a tremer. Ao ver que ele ainda segurava a arma, dei um passo para trás. Nesse momento, Mort sorriu.
- Não vou atirar em você – disse, abaixando a arma.
Em seguida, ajoelhou-se e levantou um ladrilho vermelho já gasto no chão, sob o qual havia um cofre. Então começou a mexer o segredo.
Mort contou o dinheiro duas vezes, colocando-o num envelope velho.
- Aqui estão os 325 dólares – disse. – Quando começarem as férias, você vai trabalhar em tempo integral. Vou descontar metade de seu salário até que a dívida esteja paga.
- Muito obrigado! – falei, tremendo ante a responsabilidade. – Quer que meu pai assine um papel?
Ele balançou a cabeça.
- Não, filho. Estou apostando em você.
Entrei pela porta da cozinha como se fosse um rei. Papai veio correndo até mim, com o homem careca atrás.
- Rápido! – gritou meu pai. – Leve o carro embora!
E eu, com toda a calma, entreguei o envelope ao homem.
- Conte o dinheiro, dê o recibo a meu pai e depois suma de nossa casa – disse, fazendo o discurso que tinha ensaiado no caminho.
Naquela noite, fui o herói da família. Mas o verdadeiro herói era Mort Rubin, que não apenas nos salvou da penúria, como também foi aos poucos, todo mês, aumentando meu salário, até que no verão eu já ganhava US$ 2,50 por hora, o dobro do ordenado inicial.
Trabalhei para Mort até me formar, dois anos mais tarde. Continuamos a nos falar por várias décadas, mas acabei perdendo contato com ele há alguns anos e hoje nem sei se ainda está vivo.
Mas disso estou certo: Mort Rubin fez do mundo um lugar melhor.

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