sábado, maio 12

O resgate do piloto Brandt

Fonte : Revista Seleções
Data : Junho de 1985
Autor : Mark Sufrin

Ferido, o piloto encontrava-se a menos de 500m das baterias de costa japonesas, enquanto o submarino que ia salva-lo enfrentava baixios e recifes traiçoeiros.

Caças Hellcat partiam roncando do convés da Marinha norte-americana. Missão: ataques que precederiam a invasão das ilhas de Guam, Saipan e Tinian, no Pacífico ocidental. Data: 13 de junho de 1944.
Ao se aproximar de Guam, o guarda-marinha Donald C. Brandt olhou para o relógio. Eram 9:13. Embora estivesse pilotando o avião nº 13, a 13.000 pés de altitude, em sua 13º missão, no 13º dia do mês, ele deu de ombros.
Às 9:31, Brandt sobrevoava o centro de Guam, preparando-se para atacar. Viu uma rajada de fogo antiaéreo dilacerar nuvens distantes. Um segundo depois, seu aparelho foi sacudido ao ser atingido na frente por duas rajadas de metralhadora. O Hellcat começou a jogar violentamente, deixando atrás de sim um rastro de fumaça preta. Brandt fez um mergulho rasante, tentando chegar ao alto-mar antes de pular. Abriu a macela do avião e preparou-se para saltar de pára-quedas.
Apesar da velocidade de 580km por hora, foi sugado para fora do Hellcat. Aturdido, as pernas dando chutes no ar, puxou o punho de comando e abriu o pára-quedas. O velame abriu todo, mas um dos fios ficou preso por baixo de uma das tiras do arnês nas suas costas, o que lhe ocasionou uma queda lateral. O impacto quebrou-lhe as costelas inferiores do lado direito. Sentindo um grito de dor dentro da cabeça, ele se agarrou ao avião em chamas que mergulhava no oceano.
Um vento forte empurrou-o para as águas da baía de Agana, a menos de 500m da praia, ficando ele diretamente sob o fogo dos japoneses. Atordoado, puxou instintivamente da faca e cortou o arnês do pára-quedas, que foi tragado pelas águas revoltas e afundou, levando consigo a balsa de borracha que ficava dentro da mochila. O piloto inflou seu colete salva-vidas e quebrou os dois frascos de corante verde, que rapidamente se espalhou pela superfície da água. Notou então que a mão esquerda, atingida por fragmentos de projéteis, estava sangrando.
Brandt vasculhou o horizonte. Não havia sinal de navios. Hellcats aproximaram-se para lhe dar cobertura, mas ele sabia que logo teriam de bater em retirada na direção do porta-aviões para se reabastecerem e se rearmarem. Quando o ataque chegasse ao fim, naquela tarde, ele ficaria sozinho. Rezou para que algo acontecesse antes que lanchas inimigas saíssem à sua procura ou que os canhões se voltassem contra ele.
Procurou seu Colt 45, mas a arma se perdera na queda alucinante. O equipamento que usava era-lhe um estorvo. Mergulhou, tirou as pesadas botas e o cinto de munição e, ofegante, pôs a cabeça fora da água para respirar. Viu aviões voltando para o porta-aviões e sentiu-se terrivelmente só no silêncio repentino.
ÀS 10:14, o submarino Stingray, patrulhando a extremidade sul de Guam em missão de salvamento, recebeu um chamado comunicando que um piloto estava no mar. A posição de Brandt foi dada em pontos de referências codificados. O capitão do submarino, comandante Sam Loomis Jr., foi avisado de que as baterias japonesas de costa de 14cm ainda estavam em ação, respondendo que rumaria imediatamente para a área. Ficaria submerso pelos menos até o meio-dia.
Durante as primeiras duas horas, os japoneses não atiraram contra Brandt. Estavam sendo assediados por bombardeiros e não viam sua cabeça ondeando sobre as vagas. Tudo mudou a partir das 12:03.
Uma formação de bombardeiros norte-americanos que perseguia três cruzadores japoneses avistou Brandt; um dos pilotos abandonou então a caçada e largou uma balsa no mar. Brandt alcançou-a e subiu nela. Procurava mantê-la dentro do sinal verde, remando com a mão boa. Mas a dor e o cansaço acabaram por obriga-lo a parar.
Três pilotos sobrevoaram Brandt a baixa altitude, protegendo-o toda vez, porém, que um aparelho fazia um vôo rasante sobre a água, os artilheiros japoneses localizavam-no e abriam fogo. Os projéteis passavam raspando sobre a cabeça de Brandt, que se comprimia contra o fundo da balsa.
“Todos os pilotos que ainda tem munição fiquem a postos e mantenham os japoneses longe dele”, ordenou o comandante do agrupamento aéreo. Embora os caças acompanhassem os rastros luminosos dos disparos e atacassem, não conseguiam silenciar a artilharia inimiga.
Trouxeram, então, franco-atiradores japoneses; Brandt ouvia seus tiros como se fossem uma tosse distante, seguida de um ganido que percorria a água. O fogo automático também batia ameaçadoramente na água, ao lado da balsa. Brandt não conseguia atinar como é que alguém ia poder salva-lo. Os aviões de busca munidos de flutuadores eram muito lentos e frágeis, e um submarino não se arriscaria em águas rasas e recifes traiçoeiros como aqueles.
Às 12:19, o submarino Stingray entrou na baía de Agana. A mais ou menos 2,5km do litoral, emergiu e aproximou-se a baixa velocidade.
Loomis vasculhou o mar com o binóculo; não havia sinal de Brandt.
Duas bombas caíram na água, a uns 400m do seu lado esquerdo.
“Vigias, desçam! Evacuar a ponte!”, gritou Loomis, pulando pela boca da escotilha da torre de comando. “Mergulhar! Mergulhar!”
Loomis olhou pelo periscópio de ataque. Duas bombas caíram na água, a menos de 200m.
“Baixar o periscópio. Mantê-lo a 16m. Todos à frente dois terços.” Da sala de torpedos de proa, um tripulante transmitia as profundidades. O leito do oceano subia rapidamente, e Loomis começou a suar. Às 12:30, Loomis voltou a vasculhar a superfície. De repente, seu corpo ficou rígido. Através de um pálio de fumaça e névoa, localizou a balsa, com o piloto acenando desesperadamente.
“Lá está ele”, disse Loomis. “Bem à frente. Posição um cinco zero.”
Os Hellcats continuavam atacando para desorientar os artilheiros, mas Loomis achava um milagre que os japoneses ainda não tivessem acertado em Brandt. Enquanto o mar estivesse agitado e a balsa fosse um alvo em permanente movimento, o piloto tinha alguma chance. “Só há uma maneira de tirar esse cara dali”, disse Loomis ao seu imediato. “Vamos dar-lhe uma carona no periscópio.”
“Vamos torcer para que lhe tenham ensinado isso.”
“Sabendo ou não, vai ter de ser.”
O método de salvamento pelo periscópio era a mais nova tática da Marinha para salvar pilotos abatidos. Se um submarino salva-vidas fosse impedido de emergir, o piloto se amarrava ao periscópio e era rebocado até ficar fora de perigo. O plano estava sendo utilizado havia dois meses. Brandt só fora instruído sobre isso na véspera.
O Stingray avançou para o local onde ele estava, com os dois periscópios à vista. Pelo de ataque, Loomis viu o piloto com a mão levantada e percebeu o ferimento, que sangrava. Loomis continuou avançando contra o som surdo do fogo de canhão caindo à esquerda.
O submarino avançava sempre, correndo lentamente por baixo da balsa. Brandt desapareceu do campo do periscópio, mas Loomis já sabia que a tentativa fracassara.
O alto-falante anunciou: “Leito do oceano à frente.” O submarino deu uma guinada para bombordo e livrou-se. Às 13:52, estavam prontos para uma segunda tentativa.
Uma vez mais o nariz grosso do Stingray aproximou-se de Brandt. Este tremia. Como vou conseguir passar a corda nessas toneladas de aço?, pensou ele. Temendo que a balsa virasse, pendurou-se nela de lado, com o submarino navegando a três nós. Tentou aproximar-se da popa para amarrar a corda, mas não foi suficientemente rápido.
Loomis viu a balsa então se afastar. “Ele foi para longe! Baixar periscópio.”
Brandt não conseguia ver o submarino em parte alguma; convenceu-se de ter sido abandonado.
Às 14:18 Loomis voltou a ordenar o levantamento dos periscópios. O fogo pesado do inimigo, com pelos menos oito bombas caindo bem perto, encurralava o submarino, que então se imobilizou, silencioso, até as 14:00, quando Loomis considerou seguro fazer outra tentativa.
“Ele está aprendendo”, disse alguém pelo alto-falante, relatando o que acontecia do convés para cima. “Ele está enfrentando o fogo; está segurando acorda. O cara tem muito peito. Está ferido e resistindo ao vento e à água. Lá vem ele. Jogar a corda...”
Loomis acionou o periscópio nº 2 de popa e acompanhou a silhueta que lutava diminuindo de tamanho, quando uma onda varreu a balsa para longe. “Droga!”, berrou Loomis. “Errou outra vez.”
Brandt percebeu o periscópio levantando-se. Esperou até ver a espuma branca na sua base e certificou-se de que o submarino vinha na sua direção. Medindo o tempo de aproximação, remou vigorosamente com a mão. Rajadas de metralhadora perfuravam a esteira que a balsa deixava. A massa do periscópio de ataque, maior e mais escorregadio do que imaginara, veio então se aproximando, agitando a água. A balsa começou a rodopiar. Estavam 1m à frente do periscópio quando ele se ergueu; laçou-o com uma bolina corrediça, amarrou firme e atou a mão direita à corda. Fez um sinal com a esquerda, ferida, ouviu o motor do submarino aumentar a velocidade e sentiu um violento puxão desfazer a folga da corda. A balsa foi arrastada quando o Stingray tomou o rumo do alto-mar.
Ajoelhando-se, Brandt acomodou seu corpo fatigado na balsa. O mar era uma massa indistinta, enquanto sua embarcação saltava, batendo na crista das ondas e rodopiando loucamente. O Stingray navegou em velocidade 57 minutos, à procura de águas serenas.
Às 16¨:13, suas máquinas pararam. Loomis olhou Brandt pelo periscópio. O piloto tinha um ar súplice, ao fazer sinal para ser recolhido a bordo, mas ainda não era possível. Loomis tinha de ter certeza. Esquadrinhou o mar e o espaço com o periscópio.
Quando ia subir à superfície, detectou dois caças japoneses que escoltavam três bombardeiros rápidos de mergulho. Loomis viu Brandt fazer sinal de que ia se fingir de morto e decidiu não mergulhar.
O piloto largou a corda e deitou-se de costas, imóvel. Os aviões seguiam um curso em linha reta, parecendo não tê-lo visto. De repente, um caça ficou para trás e inclinou as asas, para em seguida tornar a juntar-se aos bombardeiros. Desapareceram, sem terem visto o Stingray pouco abaixo da superfície.
Loomis esperou mais cinco minutos. Depois, o submarino emergiu lentamente. Brandt, perto da exaustão, fremiu de alívio ao ver o casco cinzento elevar-se sobre as águas. Membros da tripulação acorreram ao convés para ajuda-lo. Loomis esperava para saúda-lo. Sorrindo, trocaram um aperto de mãos.
Brandt foi levado para baixo, onde, lembra ele, o companheiro da farmácia “fez um belo trabalho ao costurar minha mão. Os nervos haviam sido secionados. (A mão ainda está entorpecida, embora funcione até hoje.)”
Depois do salvamento – a primeira vez em que o método do periscópio foi empregado na Segunda Guerra Mundial – Brandt navegou no Stingray durante um mês, trabalhando na decodificação de sinais de rádio, “para pagar a estada”. Quando o Stingray ancorou em Majuro, nas ilhas Marshall, Brandt voltou para o seu agrupamento aéreo e recebeu uma Cruz da Aviação por distinção na batalha de Leyte Gulf.

Depois que as forças dos Estados Unidos capturaram Guam, em agosto de 1944, foi encontrado um diário de um soldado japonês morto. Na tarde do dia 13 de junho de 1944, esse homem assistira ao resgate de Brandt e deixou escritas suas impressões: “Os norte-americanos são muito estúpidos. Arriscam um submarino por um homem. Acho-os muito insensatos.”

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