segunda-feira, setembro 11

Coincidências: puro acaso ou nem tanto?

Fonte: Revista Seleções
Data: Novembro de 1979
Autor : Edward Ziegler

Haverá mesmo alguma força estranha por trás disso tudo?

Vai-se ao dicionário dar uma espiada numa palavra que nunca se tinha ouvido e, nos dias seguintes, a gente esbarra várias vezes com ela em oportunidades diferentes. Escreve-se para um amigo que a gente não vê há anos, e recebe-se uma carta sua imediatamente: as duas se cruzaram no ar. Seria puro acaso ou há qualquer coisa estranha por trás disso?
A ciência ortodoxa considera que coincidências assim não passam de acontecimentos fortuitos, mas elas continuam a funcionar como um extraordinário fenômeno de todos os dias – algo que poderia ter uma significação, opina Arthur Koestler, autor britânico que vem escrevendo muito sobre o assunto.
Alan Vaughan, num recente livro intitulado Incredible Coincidence ( Coincidência Incrível), resume muito do pensamento de Koestler e lista 152 “casos” de coincidências.
Um deles é a história do jornalista Irv Kupcinet, de Chicago, que se registrou no hotel Savoy, de Londres, e quando abriu uma gaveta em seu quarto, encontrou vários pertences de um amigo seu, Harry Hannin, que então fazia parte do time dos Harlen Globetrotters.
“Passados dois dias”, conta Vaughan, “Hannin mandou uma carta a Kupcinet, do hotel Meurice em Paris, dizendo: “É incrível, mas acredite que abri uma gaveta aqui e encontrei uma gravata com seu nome nela. ‘O negócio é que Kupcinet tinha estado naquele quatro meses antes.”
Foram coisas como essa que inspiraram Koestler a tentar descobrir padrões e causas em eventos que se cruzam coincidentemente assim. O esforço rendeu umas poucas respostas, porque as coincidências não deixam resíduos laboratoriais passíveis de serem medidos e analisados – mesmo quando permitem lembranças ocasionais tão fantásticas como esta:
Richard Bach, escritor de best-sellers e piloto, exibia-se em 1966 pelo Meio-Oeste americano com um biplano incomum, um Detroit-Parks P-2A Speedster de 1929, um dos únicos oito construídos. Na cidade de Palmyra, no Wisconsin, ele emprestou o avião a um amigo que, na aterragem, bateu com o aparelho. Relembra Bach em seu livro Nothing By Chance ( Não por acaso) que os dois conseguiram dar jeito em tudo, menos no problema com uma longarina, e parecia não haver esperanças pela raridade da peça requerida. Foi aí que apareceu um homenzinho e perguntou se podia ajudar. De brincadeira Bach lhe disse: “Mas claro” Você não tem aí uma longarina asa a asa para um Detroit-Parks Speedster 1929, modelo _ 2A?
O sujeito entrou no hangar e em seguida voltou com a peça pedida! “As chances de a gente ter quebrado o biplano numa cidadezinha onde morava um homem que tinha a peça, velha de 40 anos, necessária para o conserto; o acaso de ele estar ali quando a coisa aconteceu; a casualidade de termos empurrado o avião exatinho para junto de seu hangar, a três metros da peça que queríamos”, conclui Bach, “tudo isso eram probabilidades tão contra nós que pensar em coincidências não parece lá muito inteligente.”
Os céticos, porém, rejeitam esse modo de ver. Como diz Martin Gardner, escritor especializado em assuntos científicos, trilhões de coisas, grandes e pequenas, acontecem todo dia a bilhões de seres humanos. Então é claro que é inevitável que ocorram fatos surpreendentes aqui e ali.
Sob esse ponto de vista, as coincidências são meramente uma manifestação da “lei das probabilidades” – lei essa que pôs macaquinhos no sótão dos filósofos séculos a fio, conta Koestler no livro Janus*. O grande matemático John von Neumann chegou mesmo a chamar tal fenômeno de “magia negra”. “O paradoxo”, observa Koestler, “consistem em que a teoria das probabilidades seja capaz de predizer com excepcional precisão o resultado global de grande número de acontecimentos individuais, cada um dos quais, de per si, imprevisível. Em outras palavras, temos diante de nós um vasto número de incertezas produzindo uma certeza. Paradoxal ou não, tal lei tornou-se um instrumento indispensável para a física e genética, para as companhias de seguros, para os cassinos e para as pesquisas de opinião – de modo que admitimos a magia negra.”
O exemplo mais comum é naturalmente o dos índices de mortalidade das companhias de seguros. Outro exemplo, segundo Koestler, é o do decaimento radioativo. A meia-vida do tório C é de 60 minutos e 30 segundos, e precisamente neste espaço de tempo metade de uma amostra deste material radioativo se desintegra. A ação de um átomo individualmente não pode ser predita, mas no conjunto metade da amostra decai certinho no tempo previsto. “Esta lei”, anota Koestler, “não se aplica através de forças físicas; ela flutua, por assim dizer, no ar.”
O certo, portanto, é que tudo pode acontecer, mesmo uma seqüência de fatos tão improváveis como os que aqui se seguem e foram narrados por Koestler no jornal londrino The Sunday Times.
É Vaughan quem relembra a coisa em seu livro: Em 1971 o escritor George Feifer, de Londres, acabara de publicar um romance, cuja ação se passava na União Soviética, intitulado The Girl From Petrovka (A garota de Petrovka). Um amigo dele tomou-lhe emprestado o único exemplar do livro em que o autor fizera alguns apontamentos para uso posterior, e perdeu-o em Bayswater. Em vão ele foi procurado, mesmo oferecendo-se recompensa a quem o devolvesse.
“Passados 26 meses”, conta Feifer, “fui a Viena para escrever um artigo sobre a filmagem do romance. Anthony Hopkins, que tinha um dos papéis principais da fita, contou-me então um estranho incidente ocorrido no verão anterior. Ele assinara o contrato para desempenhar aquele papel na película e fora a Londres comprar um exemplar do livro. Andou pelas livrarias e não o conseguiu, mas na volta deu de cara com um livro esquecido num banco do metrô na Leiceste Square. Virou-o para cima e era simplesmente The Girl From Petrovka. Mas ainda estava perplexo com certas anotações rabiscadas em várias páginas. ‘Será que este exemplar tem algum sentido pessoal para você? perguntou-me ele.”
Alguns cientistas sentiram-se atraídos pela idéia de haver uma qualquer força desconhecida por trás das coincidências, alguma coisa ainda não detectada. O físico e matemático britânico Adrian Dobbs, já falecido, aventou que hipotéticas forças mensageiras, os psitrons, agiam como uma espécie de radar varrendo uma dimensão em outro tempo e tomando amostras de futuras probabilidades, que depois traziam de volta ao nosso aqui e agora. Registra Koestler em The Roots of Coincidence ( Fontes de coincidência) que Dobbs levou adiante uma especulação, supondo que esses tais psitrons ultrapassavam os sentidos e deflagavam certa forma de iluminações diretamente no cérebro.
Outra teoria citada por Koestler se deve ao psicanalista C. G. Jung, que colaborou com o físico Wolfgang Pauli num livro que utilizava o termo sincronicidade em lugar de coincidência. Um dos exemplos dados por Jung foi relatado pelo astrônomo francês Camille Flammarion:
“Um certo Deschamps, quando era criança em Orléans, uma vez ganhou um pedaço de pudim de ameixas de um senhor chamado De Fortgibu. Dez anos mais tarde ele viu um desses pudins num restaurante de Paris e pediu uma fatia, mas o doce já tinha sido reservado... pelo Sr. De Fortgibu.”
Muitos anos mais tarde, Deschamps foi convidado para a degustação de outro pudim de ameixas. Enquanto o comia, pensou que a única coisa que faltava ali era por certo o Sr. De Fortgibu. Naquele mesmo instante a porta se abriu e um senhor de idade, completamente desorientado, entrou: era o Sr. De Fortgibu, que irrompia assim de sopetão naquela festa por engano.”
Pauli, colaborador de Jung e detentor de um Prêmio Nobel por haver estabelecido certo princípio fundamental da física moderna, vislumbrou que as coincidências eram vestígios de princípios não passíveis de investigação. Por seu lado Jung consignou tudo a que não podiam ser imputadas relações de causa e efeito que pudessem influencias o “inconsciente” – um reservatório subterrâneo de lembranças agregadas através das quais as mentes conseguem comunicar-se.
Jung, porém, ver-se-ia em dificuldades para aplicar sua teoria no caso do destino póstumo do ator canadense Charles Francis Coghlan. No livro Incredible Coincidence, Vaughan conta que Coghlan, natural da ilha Prince Edward, faleceu quando fazia uma tournée por Galveston, na ilha do mesmo nome, no Texas, em 1899, e foi enterrado lá, num caixão chumbado, dentro de uma câmara mortuária de granito.
Menos de um ano depois, o grande furacão de setembro de 1900 atingiu a ilha, inundando seu cemitério. O caixão de Coghlan, arrancado de sua prisão granítica, flutuou pelo golfo do México, foi levado à deriva em torno da Flórida e acabou atirado ao Atlântico. Ali a Gulf Stream carregou-o para o norte.
Pois bem, passados oito anos, em outubro de 1908, pescadores da ilha Prince Edward, no Canadá, encontraram nas águas uma grande caixa, corroída pelas intempéries. Trouxeram-na para a praia e encontraram nela uma plaquinha de metal com o nome de Coghlan gravado. Seus restos mortais vieram bater à praia precisamente a pouca distância de sua cidade natal. Com o respeito apropriado, conclui Vaughan, Coghlan foi novamente enterrado, mas desta vez junto da igreja onde foi batizado.
Puro acaso? Pode ser, mas, como observa Koestler, as pesquisas biológicas, assim como as da física, mostram uma tendência fundamental da natureza para criar uma ordem onde a desordem existe; qualquer coisa além das influências conhecidas existe em ação.
“Vivemos cercados por fenômenos cuja existência ignoramos”, prossegue ele em The Roots of Coincidence. “Se eles não podem ser ignorados, nós os desprezamos como superstições. Por séculos o homem não se deu conta de que estava cercado por forças magnéticas.” Assim, bem que se poderia pensar que vivemos imersos numa espécie de campo psicomagnético que atua sobre coisas assim como as coincidências. Por que não?

Mas como resumir o que é uma coincidência? Koeslter tem uma boa definição: “Coincidências”, diz ele, “são trocadilhos do destino.”
E o caso nº 100, dos que Alan Vaughan conta, parece oferecer uma clara confirmação de que há maus em uma sugestão de humor em muitas coincidências. Veja só o que narra Anthony S. Clancy, um irlandês de Dublin: “Nasci no sétimo dia da semana, no sétimo dia do mês, sétimo dia do ano, sétimo ano do século; fui o sétimo filho de um sétimo filho, e tenho sete irmãos – o que perfaz sete setes.”
Quando fiz 27 anos, fui às corridas de cavalos e joguei no sétimo páreo num cavalo de número sete chamado Sétimo Céu, que tinha sete pontos de handicap. As probabilidades eram de sete contra uma. Apostei então sete shillings nele:.... e o cavalo chegou em sétimo lugar.”

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