quinta-feira, setembro 28

Minha correspondência com Alice H.

Fonte : Revista Seleções
Data : Abril de 1987
Autor : G. Srinivas Rao

Às vezes, pequenas coisas se transformam em experiências importantes. Levei 20 anos para compreender essa verdade.
Tudo começou uma manhã em que eu, que era um estudante universitário de 21 anos, li uma coluna de uma revista popular de Bombaim, com endereços de jovens de todo o mundo, que gostariam de corresponder-se com jovens indianos. Vira colegas meus recebendo grossos envelopes aéreos de pessoas desconhecidas. Era a moda do momento. Por que não havia eu de tentar também?
Por isso copiei o endereço de uma Alice H., de Los Angeles, e comprei papel de carta cor de rosa. Uma colega minha me havia dito uma vez que adorava receber cartas escritas em papel daquela cor. Sim, eu também devia escrever a Alice em papel cor de rosa.
“Querida correspondente”, comecei, tão nervoso como um ginasiano no seu primeiro exame. Não havia muito a dizer, e a caneta corria devagar, às vezes ficava parada. Foi preciso um esforço para colocar a carta no correio.
A resposta, vinda da Califórnia Longínqua, chegou mais cedo do que eu esperava. “Não sei como o meu endereço foi parar na coluna de correspondentes do seu país, pois nunca pedi nenhum”, escrevia Alice. “Mas é bom ter notícias de alguém que nunca vimos e de quem nunca ouvimos falar. Seja como for, você quer corresponder-se comigo – e aqui estou eu.”
Não sei quantas vezes li aquele curto bilhete; achei-o uma beleza, e senti-me no Sétimo Céu!
Eu era supercuidadoso nas minhas cartas; não escrevia nada que pudesse ofender uma moça americana desconhecida. Para Alice era fácil, pois o inglês era sua língua materna, mas para mim era uma língua estrangeira, aprendida com muito custo. Eu era muito sentimental, tímido até, nas minhas palavras e frases, mas no meu coração havia um quê de romance que não ousava expressar-se. Alice escrevia longas cartas na sua bela caligrafia, mas pouco revelada de si própria.
Grandes encomendas contendo livros e revistas, bem como pequenas lembranças, chegavam-me às mãos vindas de milhares de quilômetros de distância. Não tinha dúvidas de que Alice era uma americana rica, e tão bonita como os presentes que me mandava; nossa amizade por correspondência era um sucesso.
Um pormenor, porém, me preocupava. Seria indelicado perguntar a idade a uma moça, mas que mal haveria em pedir-lhe uma fotografia:? Fiz o pedido e finalmente veio a resposta. Alice dizia que simplesmente não tinha nenhuma fotografia naquele momento, mas que um dia me enviaria uma. Acrescentava que qualquer “garota americana comum” era mais bonita que ela.
Estaria brincando de esconder comigo? Oh, as manhas femininas!
Os anos foram passando. Minha correspondência com Alice tornou-se mais irregular, mas nunca paramos de nos escrever. Continuava enviando-lhe cartões de Natal e, à minha humilde maneira, alguns presentinhos. Cresci, arranjei emprego, casei-me e tive filhos. Mostrava as cartas de Alice a minha mulher. Tínhamos todos muita vontade de conhecer Alice.
Um belo dia recebi um grande embrulho, endereçado com uma letra desconhecida, inconfundivelmente feminina. Havia sido enviado dos Estados Unidos, por via aérea, o remetente era da cidade natal de Alice. Quem seria aquela nova correspondente? Abri depressa o embrulho.
Continha algumas revistas e um curto bilhete. “Como amiga íntima de Alice Hl, que você tão bem conhecia, lamento informa-lo de que ela morreu num desastre de automóvel no domingo passado, quando voltava para casa depois de ter ido à igreja. Sendo muito idosa, pois completara 78 anos em abril último, não viu o carro que se aproximava em grande velocidade. Alice dizia-me freqüentemente como se sentia feliz por receber notícias suas. Era uma pessoa sozinha, e ajudar os outros conhecidos e desconhecidos, distantes e chegados, era para ela uma alegria.”
Terminava pedindo-me que aceitasse uma fotografia de Alice, que a havia deixado com a recomendação de que eu a recebesse somente após a sua morte.
É um rosto cheio de beleza e compaixão; um rosto que eu teria estimado, mesmo quando era um rapaz tímido e ela uma mulher já idosa.

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