sexta-feira, setembro 22

Pequeno drama no portão 67

Fonte : Revista Seleções
Data : Dezembro de 1981
Autor : Ray Jenkins

Não havia lugar no vôo que ele tinha de tomar e isso era uma crise terrível.

Na melhor das hipóteses, o aumento de tráfego com os feriados já teria sido demais para o congestionado aeroporto de Atlanta, Geórgia. Pois acresça-se a isto a tempestade de neve com que a natureza vinha mimoseando há uns 10 anos aqueles dias próximos do Natal e que retinha milhares de passageiros.
Do lado de fora, todos os motores a jato estavam silenciosos. Com uma regularidade deprimente, os alto-falantes anunciavam, com voz de robô, que a companhia aérea lamentava que a decolagem do vôo 421 houvesse sofrido mais um atraso. Até o café estava acabando no aeroporto por causa da procura.
Soava a meia-noite e viajantes fatigados amontoavam-se em torno dos balcões de passagens, discutindo com funcionários, cuja boa vontade havia evaporado há muito; afinal, eles também ansiavam por voltar para casa. Outros andavam para cima e para baixo em torno das bancas de livros e folheavam em silêncio revistas e livros de bolso. Havia quem conseguisse cochilar, contorcendo-se em poltronas pouco confortáveis.
Se havia um laço comum entre essa multidão diversificada, era a solidão sufocante; mas o hábito exigia que cada viajante mantivesse como que uma barreira invisível contra todos os outros. Melhor estar sozinho que envolver-se, o que inevitavelmente significaria ouvir lamentações, e Deus sabe que cada um já tinha queixas suficientes para si próprios.
O próprio Patinhas. Pairava até certa hostilidade competitiva no ar. É que havia mais passageiros que lugares disponíveis. Quando ocasionalmente um avião conseguia levantar vôo, ficava em terra mais gente do que conseguia embarcar.
“Lista de espera”, “Reserva Confirmada” e “Passageiros de Primeira Classe” eram palavras que estabeleciam prioridades e significavam dinheiro, poder, influência, previsão – ou a falta disso tudo.
O portão 67 era um microcosmo do aeroporto. Pouco mais que uma pequena sala, envidraçada, estava superlotada de viajantes esperançosos de voar para Nova Orleans, na Louisiana, Dallas, no Texas, e outros pontos no Oeste. Mais de uma vez, o aflito funcionário afixara a hora presumível da partida, apenas para anunciar mais tarde ainda um novo atraso. A multidão cresceu até só haver praticamente lugar para se ficar de pé.
Exceto entre os passageiros que viajavam acompanhados, havia pouca conversa. Um vendedor olhava com ar ausente para o espaço, como se estivesse resignado. Uma mãezinha bem jovem acalentava um bebê no colo, balançando-o e mimando-o suavemente num esforço em vão para acalmar sua irritação e mal-estar.
Havia também um homem impecavelmente vestido que parecia impermeável aos problemas coletivos. Notava-se um ar de tranqüilidade indiferente em seu jeito. Parecia muito absorvido com sua papelada – calculando lucros anuais da companhia, talvez. “Tem toda a cara de ser o próprio Tio Patinhas.”, poderia pensar alguém, de mau humor.
O embarque. De repente, o silêncio mal humorado foi quebrado por um movimento repentino. Um homem jovem, de uniforme, parecendo ter no máximo 19 anos, discutia acaloradamente com o funcionário do balcão. Exibia um bilhete de classe turística, mas implorava que precisava chegar a Nova Orleans e lá tomar o ônibus para o obscuro vilarejo de Louisiana onde ficava a sua casa.
O agente explicou-lhe exaustivamente que havia poucas esperanças para as próximas 24 horas, talvez, por mais tempo ainda.
O rapaz ficou louco. Ia ser mandado para a guerra; se não pegasse esse vôo, talvez nunca mais pudesse passar o Natal em casa.
Até o homem de negócios levantou dos seus cálculos misteriosos os olhos, demonstrando certo interesse. O agente estava visivelmente comovido, até mesmo embaraçado, mas só podia oferecer simpatia, nenhuma esperança. O rapaz andou em volta do balcão de embarque lançando olhares aflitos e ansiosos pela sala superlotada, como se procurasse ao menos um rosto amigo.
Por fim, o funcionário anunciou que estava tudo pronto para o embarque. Os passageiros ergueram-se, reuniram suas bagagens e moveram-se pelo estreito corredor em direção ao avião que os esperava. Vinte, 30, 100... até lotarem o aparelho. O funcionário virou-se para o jovem aflito e encolheu os ombros. Por um momento constrangido, parecia que o rapaz ia realmente tentar à força sua entrada a bordo.
Lufada de ar. Mas, inexplicavelmente, o homem de negócios ficara para trás. Depois, veio até o balcão. “Minha reserva está confirmada”, disse ele tranqüilamente ao funcionário. “Gostaria de ceder o meu lugar a este jovem.”
O funcionário olhou-o incrédulo. Incapaz de falar, com lágrimas escorrendo pelo rosto, o rapaz fardado apertou a mão do homem de terno cinza, que simplesmente murmurou: “Boa sorte. Aproveite o Natal. Boa sorte.”
Quando a porta do avião se fechou e os motores começaram a funcionar, o homem, sobraçando sua pasta, dirigiu-se ao bar, aberto a noite inteira.
Apenas alguns entre os milhares isolados no aeroporto testemunharam aquilo no portão 67: para estes, a tristeza, a frustração, a hostilidade, tudo se dissolveu num sorriso.
As luzes do avião que partia brilharam como estrelas, enquanto o aparelho mergulhava na escuridão da noite. O bebê dormia agora silencioso no colo da jovem mãe. Talvez um outro vôo partisse dali a muitas horas; mas aqueles que presenciaram a cena estavam menos impacientes. Uma distensão suave flutuou naquele pequeno espaço de vidro e plástico do portão. 67.

Nenhum comentário: