quarta-feira, novembro 29

Assuma a sua casca de laranja

Fonte : Revista Seleções
Data : Janeiro de 1974
Autora : Robin Worthington

Trata-se de um remédio seguro para os casos de aparências descuidadas.

A saúde mental, tal como a caspa, surge quando menos se espera. Um dia, por exemplo, entrei num supermercado com um lenço atado sobre os papelotes, tentando passar desapercebida. Normalmente, nunca saio de rolinhos. Mas, estavam para chegar umas visitas que tinham avisado em cima da hora, e na minha despensa só encontrei um pacote de marshmallow e duas latas de alimentos para cães.
Enfim, eu não esperava encontrar nenhum conhecido no caminho. Por favor, entendam, nenhuma das pessoas elegantes que conheço. Mas, lá estava Helen, diante do mostruário de iogurtes, absolutamente gloriosa, num conjunto de calças de linho coral. Bati em retirada com o carrinho, e rodei com ele, até ser cumprimentada com um Olá! por minha vizinha Liz, muito esbelta num conjunto turquesa.
“Olá”, respondi debilmente, tentando explicar os rolinhos.
“Nunca faço compras desta maneira.”
Certamente, pensei, deve haver alguém aqui tão mal vestida como eu. Foi quando apareceu a boa Sally, usando uma camisa desbotada, um slack todo manchado e uns tênis de florzinhas.
“Você está linda”, disse-lhe.
“Escute, por que será que topo com todos os conhecidos justamente quando estou assim?”
“O que você precisa é de algumas cascas de laranja na sua vida”, disse Sally.
“Algumas o que?”, perguntei.
“Cascas de laranja. Vou te contar um caso. No verão passado, um namorado do meu tempo de ginásio resolveu me visitar, de surpresa. Abri a porta, e dei com ele – trazendo, “a tiracolo”, a loura esposa, podre de chique.
“Alguns momentos antes de chegarem, nosso cachorro basset tinha vomitado sobre o tapete da sala de visitas. Assim, em desespero de causa, levei-os para a sala de jantar, esquecendo que o enxugador de roupas estava quebrado, e que havia calções e camisetas molhadas enfeitando os encostos de todas as cadeiras. Na cozinha, os pratos estavam ainda na pia. E enquanto eu tentava pedir desculpas e concentrar minha atenção no café, reparei naquilo que parecia simbolizar não só o desgoverno da minha casa, mas o da minha própria vida, naquele momento: uma imensa casca de laranja enrugada e suja, grotescamente encaracolada no chão da sala, como se estivesse ali há semanas.”
“Ela a viu, é claro, e ela também, e ambos me viram tentando chuta-la disfarçadamente para debaixo da mesa. Só que a casca grudou no meu tênis e eu tive de me curvar e puxa-la como se ela fosse um esparadrapo. Não me lembro do que conversamos. Só me lembro daquela miserável casca de laranja no meio do chão.”
“E o que disse o seu marido, quando você lhe contou isso?”, perguntei.
“Ele riu, e depois disse: Pense em como você os fez felizes. Ele está feliz por não ter casado com você, e ela imagina que a velha namorada não constitui nenhuma ameaça. Não pense no seu ego; pense no que está fazendo pelo casamento deles.”
“Meu ego estava ferido, mas a idéia, de tão louca, até que era interessante. Agora tornou-se uma tradição oficial da família. Sempre que um de nós é flagrado em desmazelo, dizemos simplesmente, lembre-se da casca de laranja, e as coisas mudam de figura.”
Nessa noite, ao servir aos convidados o strogonoff feito às pressas, minha lista automática de desculpas logo entrou em ação. “Normalmente, quando faço strogonoff, uso carne e cogumelos frescos e... “De repente, vi uma espiral de casca de laranja balançando diante dos meus olhos como um enfeite de árvore de Natal. Eu sabia que, se não fosse reprimida, continuaria a pedir desculpas. Firmemente, comecei tudo de novo. “Agora, falem de sua viagem.” Quando nossos convidados saíram, disseram que a noite tinha sido “reconfortante”.
Foi quando me convenci à “filosofia da casca de laranja”. A batalha para guardar desnecessariamente as aparências (ou seja qual for o nome que você dê ao perfeccionismo bajulador) rouba-nos as energias, e não contribui nem um pouquinho para nos valorizar aos olhos daqueles que estamos tentando impressionar. Como disse William James: “Desistir de pretensões é um consolo tão abençoado como o de vê-las realizadas.”

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom. Li na revista há muito tempo e estava desesperada atrás desse texto.