quarta-feira, novembro 15

É só uma questão de estilo

Fonte : Revista Seleções
Data : Janeiro de 1974
Autor : John Ennis

Sabe aquelas pequenas façanhas, que algumas pessoas executam com naturalidade, e que você nunca foi capaz de fazer?

Conheço um homem que não consegue fazer nada certo, exceto omeletes. É baixote, morre de medo do cãozinho de sua irmã caçula, e parece incapaz de prestar a atenção necessária para não descer do ônibus no ponto errado, num dia de chuva. Mas, com uma só mão, ele consegue quebrar ovos com uma rapidez incrível, e despeja-los na vasilha sem derramar uma gota.
Com um único movimento, ele pega um ovo, quebra a pontinha na borda da caçarola, esvazia o seu conteúdo, enfia uma metade da casca vazia na outra, e joga tudo na cesta de lixo. Morro de inveja ao vê-lo desempenhar esta façanha com tanta elegância e eficiência.
Gostaria de ter o meu quinhão dessa faculdade que eu chamo de “estilística” – a atitude despreocupada que algumas pessoas assumem, ao fazer diariamente certas coisas, de uma maneira muito especial, que as torna diferentes das outras.
Infelizmente, a maioria desses truques fascinantes, tão simples para os outros, não estão ao meu alcance. Não consigo pular uma cerca dom uma só mão, nem girar enquanto danço, nem levantar uma sobrancelha, nem estacionar meu carro de uma vez só, e nem mesmo olhar as horas em meu relógio de pulo, sem antes tirar ambas as luvas, e afrouxar a abotoadura esquerda. Algumas pessoas carregam seus guarda-chuvas como se eles fossem uma Winchester 44; para mim, é como carregar uma barraca de praia.
Tem sido assim, durante toda a vida. Devo ter sido o único bebê que nunca conseguiu jogar de propósito o ursinho de brinquedo fora do carrinho, para que a babá tivesse de apanha-lo. Cheguei depois a andar bem de bicicleta – mas minhas infrutíferas tentativas de andar, largando as mãos, me causavam mais vergonha do que a dor provocada pelos inúmeros tombos que levei.
Dirigindo o meu primeiro automóvel, eu ficava fascinado por aquele som de Brambramm, que os outros faziam, na hora de arrancar. Eu só conseguia fazer um brambramm clóinc tinque tinque!, arranhando a mudança. Desisti. Mesmo os truques mais simples com um carro, era incapaz de fazer. Quando saía do automóvel, e tentava fechar a porta, fazendo aquele ruído seco de clank! a porta sempre ficava entreaberta.
Algumas pessoas não encontram a menor dificuldade em segurar a porta de um escritório apinhado, para que os clientes saiam por ela. Não sei porque, quando faço isso, as pessoas praticamente tem de ser baixar, e passar sob o meu braço, pois pareço sempre estar no caminho. Fico tenso quando vou atravessando uma rua, e vejo uma bola rolar em minha direção, não pedindo mais do que um chute certeiro que a devolva aos moleques. E lá ficam eles, a alguma distância, esperando. Aqui, estou eu, preparando-me para desferir o pontapé inábil; e ali, a um ângulo de 45 graus, está a vidraça que será a vítima dessa minha imperícia.
Por toda parte, vejo pessoas que parecem capazes de fazer as coisas mais elegantes, e com a maior naturalidade. Admiro particularmente aqueles que, como Frank Sinatra, conseguem levar a capa e o sobretudo atirado ao ombro, e usar o chapéu empinado para trás. Eu só conseguiria fazer isso, se não me importasse de ficar com um dos ombros caídos e com o queixo a me enterrar no peito.
Mesmo na monotonia de um escritório, consigo demonstrar minha incapacidade para esse tipo de coisas. Suspiro de frustração quando vejo alguém prender o telefone entre o ombro e o ouvido, e usar ambas as mãos para fazer qualquer outra coisa, enquanto fala ao aparelho. Essa simples façanha faz com que eu os anote em meu caderninho, como elementos merecedores de promoção.
Outro dia, uma importante chamada me pegou, exatamente quando estava às voltas com um maço de papel e alguns clipes – uma tarefa que requer o uso das duas mãos e alguma delicadeza. Levantando o ombro esquerdo, tentei prender o fone ao ouvido. Duas vezes o fone e a orelha entraram em desacordo com o ombro, e o fone caiu. Endireitando os ombros, virei o queixo para o ombro esquerdo, e prendi o fone com firmeza; mas, como pasta de dentes saindo pelo tubo, o fone deslizou pelas minhas costas, e acabou no bolso do meu casaco. Quando consegui refazer a importante ligação, a pessoa com que eu falava já tinha partido para três semanas de férias na Lapônia.
No terreno atlético, vi certa vez um “estilista” num trampolim, que depois de contemplar com indiferença os demais banhistas da piscina, se deixou cair, com os braços colados ao corpo, e quando ficou paralelo à água, a cerca de 30 centímetros, girou os tornozelos em parafuso, e mergulhou como uma lontra, sem levantar uma gota de água.
Foi genial e parecia fácil, por isso resolvi tentar. Tudo ia muito bem, mas, no momento vital, meus tornozelos falharam inexplicavelmente, e meu rosto foi o primeiro a descobrir isso. “Antes de repetir a façanha”, gritou um ensopado espectador, “grite Cuidado!”
Uma noite, numa festa, eu meditava sobre minhas deficiências “estilísticas”, enquanto admirava a habilidade com que meu anfitrião despejava cerveja de três garrafas, em sua mão direita, nos três copos que segurava com a mão esquerda, sem derramar uma gota. Para me consolar, eu estava jogando amendoins para o ar, e os apanhando na boca.
Um colega me contemplava, fascinado, quando deixei de abocanhar um amendoim, mas, antes que ele fosse ao chão, rebati-o com um golpe do ombro e, dando-lhe um peteleco com o punho, enviei-o diretamente à boca. “Hei!”, ele exclamou, “eu sempre quis fazer isso!”
Mastigando o amendoim, olhei para ele, e perguntei: “Para que?’

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