terça-feira, novembro 7

Uma verdade universal

Fonte : Revista Seleções
Data : Fevereiro de 2002
Autor : Naomi Judd

Como um físico ganhador do Prêmio Nobel mudou a idéia que eu fazia do meu lugar no mundo

No ano retrasado, ao descobrir um grave problema em meu casamento, fiquei assustada e emocionalmente arrasada. Passei dias enfurnada em minha fazenda. Senti-me reconfortada ao saber que muitos amigos me procuraram, mas o sofrimento era recente demais para ser partilhada. Abri uma exceção: quando Leon me ligou, e o atendi. Passei uma hora deitada no tapete rosa e felpudo do meu banheiro, a porta trancada, o fone grudado no ouvido, escutando.
Leon me disse: ‘Não contorne a dor, suporte-ª não a negue, nem queira parecer forte.’ Com isso, ele me deu licença para deixar que a dor me invadisse. Faz parte da sua genialidade mover-se sem esforço entre o mundo da ciência e o dos relacionamentos humanos.
Somos um par estranho, o dr. Leon Lederman e eu: o físico ganhador de um Prêmio Nobel e a caipira. O fato de nossos caminhos terem se cruzado foi uma alegria inesperada para nós dois. Em 1993 fui empossada na american academy of achievement, organização sem fins lucrativos dedicada à educação dos jovens que seleciona pessoas que representem a excelência nas ciências, no serviço público e nas artes. Leon já era membro fazia anos.
Naquele ano a comemoração foi realizada no Glacier Nacional Park. Na primeira noite, num churrasco com danças rituais indígenas, eu procurava um lugar para me sentar quando avistei Leon e Ellen, sua notável mulher, num banco improvisado. Perguntei a eles:
“Olá! Este fardo de feno está ocupado?”
Leon ergueu a mão e disse:
“Oi! Mim Chefe Papo-furado”
Nossa ligação foi imediata.
Ficamos ali sentados, ele falando e eu escutando, fascinada. Ele conhecia a paisagem que apreciávamos, os cavalos, as roupas dos dançarinos e o mau tratamento dispensado aos nativo-americanos. Leon também era divertido. Tinha cabelos brancos como a neve, um brilho nos olhos e estava em plena forma. Só no dia seguinte eu soube que era um físico aclamado do Instituto de Tecnologia de Illinois. Em 1988, recebeu o Prêmio Nobel de Física por sua atuação na descoberta do múon-neutrino, partícula subatômica que é parte essencial da matéria. Ainda bem que não sabia disso naquela primeira noite: teria ficado intimidada demais pra pronunciar uma só palavra.
Era cômico alguém como eu estar ali, rodeada de cientistas premiados e líderes mundiais. Venho de uma cidade pequena, de uma família de trabalhadores. Meu pai administrava um posto de gasolina, fumava cigarros sem filtro e assistia a lutas de boxe. Eu amava meu pai, que hoje teria a idade de Leon se fosse vivo. Mas ele não poderia ter sido mais diferente de Leon em suas aspirações. E eu nem freqüentei a escola no último ano, porque estava grávida de wynonna – um escândalo em 1963. Enviaram meu diploma pelo correio.
Embora sejamos de mundos diferentes, Leon, Ellen e eu nos tornamos bons amigos. Nós nos visitamos e conversamos por telefone. Quando – e não se – minha filha Ashley ganhar o Oscar, o item mais impressionante em seu currículo vai ser que ela ganhou do Dr. Leon Lederman no jogo das perguntas.
Uma das qualidades mais encantadoras de Leon é conseguir deixar as pessoas à vontade – e não diminuídas – diante de sua inteligência. Eu costumava ter dor de cabeça antes das aulas de álgebra. Hoje sei um pouquinho sobre quarks, buracos negros e supercordas. Com uma linguagem simples, Leon desmistificou a física para mim. Ela já não me amedronta, mas me fascina.
Admiro Leon por sua inteligência, ele me admira por minha música. Ele me fala do big-bang, eu lhe falo do que inspira uma canção. Quando sinto aquele lampejo – letra e música me chegam juntas -, tenho de sentar e escrever. Leon concorda com a cabeça, pois ele sabe o que é passar por uma epifania.
Em 1999, durante uma conferência acadêmica em Washington, D. C., entreouvi Leon e os colegas numa discussão sobre a origem do universo. Voltei para meu quarto no hotel e fiz uma canção chamada Big bang boogi, que dediquei a Leon.
No ano seguinte, Wynonna e eu fizemos uma turnê juntas. Era a primeira vez que eu excursionava desde que me aposentara em 1991, após um diagnóstico de hepatite C – que felizmente já está regredindo.
Em Chicago Leon foi ao show. Desci à platéia e puxei aquele homem de 77 anos para o palco – e dancei com ele enquanto cantávamos a canção que ele inspirara. O público adorou.
Uma vez, numa reunião da academia, uma renomada especialista em câncer falava de sua vida e sua carreira. Leon segurou minha mão. Olhando nos meus olhos, disse: “Podia muito bem ser você.”
Ele queria dizer que, tivessem minhas circunstâncias sido diferentes, também eu poderia ter sido médica. A seus olhos, não havia nada que eu não pudesse fazer. O incentivo de Leon me dá autoconfiança. Quando o Dr. Leon Lederman diz que sou inteligente, sinto-me inteligente. Ele expandiu minha visão do universo, sim. Mais importante do que isso, expandiu minha visão de mim mesma.

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