sexta-feira, novembro 3

uma vida melhor para o trabalhador

Fonte : Revista Seleções
Data : Julho de 1973
Autor : Trevor Armbrister

A alienação dos trabalhadores significa moral e rendimentos baixos. Eis aqui o que muitas empresas norte-americanas estão fazendo para humanizar suas linhas de produção.

Nas cozinhas de Fairfield Farm, em Washington, D. C., dezessete choferes de caminhão se queixavam dos veículos da companhia. As suspensões dianteiras estavam defeituosas, os pneus se desgastavam facilmente e o consumo de combustível era elevado. Sabendo que a firma pensava em comprar novos caminhões, James Hogg, o chefe dos motoristas, dirigiu-se ao vice-presidente, William Virts, e perguntou se eles próprios não podiam determinar o que era preciso para a substituição das frotas.
Virts concordou, e Hogg e seus homens se lançaram ao trabalho com afinco. Tudo o que requisitaram (inclusive suspensões dianteiras aperfeiçoadas, interiores acolchoados, faróis de neblina e espelhos retrovisores externos) parecia realmente necessário.
Virts pensou, então, no que aconteceria se também mudasse o sistema de designar caminhões sempre diferentes para o mesmo homem, e deixasse cada motorista ter o seu caminhão. A idéia foi posta em prática. O custo de manutenção baixou imediatamente. Os pneus deixaram de estourar, o combustível durava mais, e os motores ( que eram sempre testados) não davam mais enguiços.
Porque? Virts teve a resposta quando expressou essa surpresa ao ver Oliver Wilkens, um veterano motorista, todo sujo de óleo, limpando e polindo um caminhão na hora de folga. Wilkens explicou: “Ora, pois ele não é meu agora?”

Na fábrica Motorola, perto de Fort Lauderdale, Estado da Flórida, cerca de vinte mulheres trabalhavam numa linha de montagem de mini receptores de rádio. A cada mulher cabia montar dez partes de um cartão de circuito impresso, passando-a, em seguida, à colega ao lado. O desinteresse era total; assim como as queixas sobre a qualidade dos produtos. Ao terminar o expediente, as empregadas corriam em disparada para a porta de saída. “Era tão monótono”, disse Linda Thompson, de 24 anos, “que eu ia direto para casa, quase arrasada.”
Então, a Motorola decidiu produzir um receptor com menos um terço das partes. E o vice-presidente, Martin Cooper, teve uma inspiração. Por que não deixar que cada operária construísse e testasse seu rádio? Ela poderia colar uma nota, dizendo: “Caro cliente, montei este rádio, e me orgulho dele. Espero que lhe sirva bem. Por favor, comunique-me se houver algum problema.” Depois, ela poderia assinar, embala-lo. Quando a montagem individual foi introduzida, em agosto de 1971, o desinteresse diminuiu, e as vendas começaram a melhorar. Como também diminuíram as queixas dos clientes. “O interesse é a chave de tudo”, disse Cooper, sorrindo. “O abandono da linha de montagem teve como resultado um grupo de operárias que estão satisfeitas com seu trabalho.”

Em 1969, os executivos da Donnelly Mirrors, Inc. dividiram o volume de trabalho da companhia, que tem 460 empregados, em sessenta equipes. “Decidam qual deve ser o ritmo de trabalho”, disseram os membros das equipes, “E de quanto tempo precisam para descansar. Feito isto, mãos à obra.” Tiraram os relógios de ponto, e colocaram todos os operários por hora, em regime de salário semanal. Resultado: a produtividade cresceu, o preço dos espelhos diminuiu, e o absenteísmo baixou de cinco para um por cento.
Os executivos da Donnelly deram mais um passo à frente, em 1970. Pediram aos empregados que determinassem quanto queria por ano de aumento salarial. Os trabalhadores pediram uma “bolada” de 350 mil dólares – dez por cento da folha de pagamentos da Companhia. “Está bem”, disse o vice-presidente, Richard Arthur. “Para que possamos merecer este aumento, temos todos que contribuir, com idéias, para um plano de redução de custos.” Em menos de três semanas, as equipes de trabalho tinham conseguido uma redução de custo no montante de mais de 600 mil dólares. Todos os operários da Donnally receberam um aumento de dez por cento, e, como as economias adicionais se concretizaram, as gratificações mensais seguiram a mesma linha.

Humanizando o Trabalho. Hoje em dia, experiências de motivação deste tipo estão sendo feitas em larga escala. Os patrões começam a perceber que seus empregados são capazes de fazer muito mais do que o trabalho exigido, e o executam melhor quando estão satisfeitos com ele. O trabalho não deve ser simplesmente o “castigo” que temos de pagar para sobreviver, mas algo que ofereça um sentido em si, e por si. “Estruturar o trabalho, de modo a torna-lo mais significativo e satisfatório, não só preenche uma responsabilidade social para com aqueles que empregamos”, diz o presidente M. H. Beach, da Companhia de Seguros dos Viajantes, “mas é também um bom negócio.”
As estratégias variam de companhia para companhia, sem dúvida. Algumas firmas (cerca de 3.500) estão adotando semanas de trabalho mais curtas, ou então “horários flexíveis” ( nos quais os empregados escolhem o dia em que preferem trabalhar oito horas).
Outras estão alargando a responsabilidade dos trabalhos individuais, dando aos operários mais oportunidades de opinar sobre o que fazem, e como querem faze-lo. Outras companhias estão, também, reestruturando grandes grupos de trabalhadores em equipes, que estabelecem os seus próprios objetivos. “A idéia”, diz Ed Dulworth, um dos gerentes da fábrica General Foods, “é fazer com que o trabalho se ajuste à pessoa, e não o contrário.”
Estas estratégias provocaram a oposição de certos sindicatos trabalhistas e de alguns administradores, fundamentalmente preconcebidos contra mudanças porque temem perder a autoridade. No entanto, na maioria dos casos em que foram aplicados, essas mudanças incrementaram a produção, reduziram o absenteísmo e fizeram crescer os índices de venda. Já conseguiram motivar milhares de empregados.
Implicações sinistras. Por que tantos trabalhadores detestam seus empregos? Por ironia, foi o êxito da realização que criou o problema. Por mais de meio século, a indústria norte-americana se regeu pelas teorias do Professor Frederick W. Taylor, precursor da administração científica. Segundo ele, a maneira de diminuir os custos, aumentar a produção e extrair o máximo de lucro era dividir o trabalho nos seus componentes possíveis, e depois liga-los numa linha de montagem, onde os homens pudessem ser treinados para trabalhar como máquinas. Se as tarefas fossem simples e repetitivas, qualquer um poderia aprende-las rapidamente, e executa-las bem. As partes eram transferíveis. As pessoas também. “Acima de tudo”, disse Henry Ford, em 1922, “o operário quer um trabalho em que não tenha que pensar.” Em pouco tempo, a América foi transformada num modelo de eficiência industrial, e os homens e mulheres norte-americanos ganhavam os salários mais altos do mundo.
Mas a prosperidade que libertou o trabalhador médio das preocupações financeiras, também gerou nele a necessidade de auto-respeito e realização pessoal. Os trabalhadores de hoje, mais instruídos do que os de qualquer geração anterior, não encontraram interesse algum na rotina de manejar as máquinas, ou nas maçantes tarefas de escriturário. Estão cada vez menos inclinados a se submeter à autoridade. Avaliam o trabalho em termos de satisfação pessoal e de futuro. Com muita freqüência, concluem que não há futuro.
As implicações deste mal-estar a longo prazo, são sinistras. As atitudes dos operários em relação a seus empregos determinam de que maneira um país consegue fazer frente à competição internacional, e, desde 1965, os Estados Unidos vinham tendo o pior índice de produtividade de todas as grandes potências. Filosofias do tipo “pão e palmatória” não mais refrearão essa tendência. A despeito das menores jornadas de trabalho, das gratificações e dos maiores salários, os operários se recusam a ser tratados como autômatos.
O conceito de Equipe. Não há muito, o Centro de Pesquisas de Sobrevivência da universidade de Michigan pediu a 1.533 empregados que escolhessem entre 25 características de um emprego aquela que mais lhes importava. “Que seja interessante”, ficou em primeiro lugar. “Bom salário”, colocou-se em quinto lugar. Significa que os empregados só serão capazes de dar o máximo de si se acharem no trabalho um sentido de realização, responsabilidade, progresso e melhoria pessoal.
Cada vez mais, as companhias estão reconhecendo a importância de facultar essa possibilidade a seus empregados. Há mais de dois anos que os operários das 31 fábricas da Chrysler, espalhadas pelos Estados Unidos, tem procurado seus superiores para trocar idéias sobre a montagem dos carros e a reorganização das fábricas. Os chefes de oficinas podem projetar linhas de montagem, escolher os membros de sua equipe e usar a aparelhagem que quiserem. Os instaladores de janelas, às vezes, levam os carros à seção de testes de água, para verificar pessoalmente se fizeram bem seus trabalhos. Os operários de montagem testam os carros nas estradas, e ajudam a localizar os defeitos antes que os veículos sejam postos à venda.
Esse conceito de equipe pode provar ser a melhor e mais duradoura de todas as estratégias que as companhias vem aplicando para humanizar o trabalho. Tomemos o exemplo da General Foods. Em sua nova fábrica de comida para cães, a Gaines, em Topeka, no Estado de Kansas, os operários estão organizados em equipes de processamento, empacotamento e expedição, e tarefas de escritório. Cada membro é encorajado a aprender o trabalho que sua equipe executa, com aumento de salário à medida que vai aprendendo. Quando já conhece todas as tarefas, pode passar para outra equipe... se seus colegas o recomendarem. As equipes de processamento e empacotamento dividem a responsabilidade da qualidade do produto, e os operários são treinados para testar os lotes. As equipes se encontram, pelo menos, uma vez por semana, para discutir a atribuição de tarefas, os problemas de operação e manutenção, e para entrevistar ou admitir novos empregados quando estes são necessários.
A tecnologia eliminou a maioria dos trabalhos monótonos e rotineiros da nova fábrica. Os que ainda subsistem serão revezados entre todos os empregados, como o executivo da General Foods, Lyman D. Ketchum, decidiu. Não há departamentos separados. Cada operário mantém seu próprio equipamento, e limpa seu local de trabalho. Cada um é responsabilizado pelos erros que comete.
A democracia da fábrica vai mesmo mais além: não há salas de jantar dos executivos, ou lugares reservados nos estacionamento. Todos os empregados entram pela mesma porta. O tapete dos escritórios dos executivos é idêntico ao do vestiário dos operários. Não há relógio de ponto ou horas marcadas para almoço e descansos.
Precisa-se: Uma tomada de posição conjunta. Desde que a fábrica de Topeka iniciou essa política, em fevereiro de 1971, sua produção de comida para cães excedeu as expectativas. A produção aumentou de quarenta por cento. O absenteísmo é menos de um por cento (contra dez por cento em fábricas similares) e, em dezoito meses, só quatro operários se despediram.
Apesar do sucesso de tais políticas, o descontentamento pelo trabalho não desaparecerá de um dia para o outro. Alguns empregos não são bem remunerados, e certos empregados, simplesmente, não querem mais liberdade e responsabilidade. O que é preciso é uma tomada de posição conjunta de ambas as partes, administradores e operários, para procurar novos caminhos, a fim de melhorar o padrão de vida daqueles que vivem exclusivamente de seus empregos.
A administração deveria reconhecer que, onde o trabalho tem sido humanizado, os lucros cresceram. Por seu lado, os sindicatos deveriam se convencer de que seus membros se beneficiam quando a rigidez das práticas de trabalho padronizado é reduzido, e os trabalhadores são incitados a aumentar a produção.
“Não há nenhum conflito necessário entre beneficiar o empregado e obter sucesso financeiro”, declara Ketchum, da General Foods. “Mas, se não se trabalhar pelo bem dos empregados, a alienação deles poderá, no futuro, se transmitir à própria empresa.”

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