terça-feira, novembro 21

Três maneiras de fazer alguma coisa

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1972
Autor : James E. Rofer

Um estudante universitário, um piloto comercial e um cientista – os três com aquele “pequeno e magnífico impulso” que existe em quase todos nós – ajudaram a fazer do mundo um lugar melhor para se viver.

Denis Detzel, um estudante de 26 anos, do curso de Pedagogia da Universidade Northwestern, tinha uma idéia que o perturbava: muita gente quer aprender e muita gente tem conhecimentos para transmitir, mas os dois grupos raramente se encontram fora das salas de aula.
Então, pensava ele, por que não provocar esse encontro?
Com grandes esperanças e 25 dólares no bolso, Detzel e cinco colegas criaram o que chamaram de Intercâmbio de Ensino. Distribuíram panfletos oferecendo-se para anotar o nome de qualquer pessoa que desejasse ensinar, aprender ou simplesmente discutir qualquer assunto. Pessoas que tivessem interesses semelhantes seriam postas em contato. Conseguiram emprestado um telefone para ser usado à noite e organizaram turnos para responder às chamadas. No primeiro mês, receberam menos de uma dúzia delas.
“Todo o mundo dizia que era uma grande idéia”, lembra Detzel, “mas ninguém telefonava.”
Detzel e um colega, Bob Lewis, saíram pelas redações de jornais e estações de rádio divulgando o programa. Outros estudantes fizeram cartazes para afixar em lojas, bibliotecas e lavanderias. Pouco a pouco, as consultas foram aumentando – uma dúzia por semana, depois uma dúzia por noite, até que em certas noites o telefone ficava ocupado até depois das 10 horas, quando deveriam encerrar o expediente.
Os encontros começaram. Um professor aposentado foi encarregado de instruir alunos de escola primária. Outro ajudou uma mulher a passar num teste de equivalência do curso secundário, o que a qualificava para um cargo mais bem remunerado num hospital. Um locutor de rádio ensinou radio-jornalismo a um porto-riquenho que planejava voltar para a sua terra natal e usar ali os seus novos conhecimentos. Uma chinesa ensinou a culinária de seu país para Sandy, mulher de Lewis; esta, por sua vez, deu aulas de piano aos filhos da sua professora. Depois de um ano de funcionamento, o intercâmbio tinha instrutores para 191 assuntos e estudantes para 209. os campos de interesse variavam entre artes, ciências, línguas, história, passatempos, religião, política e atletismo – mas abrangiam também assuntos menos convencionais, como meditação transcendental e e mahjongg.
Diz Detzel: “Com um telefone e um fichário, qualquer um pode começar o seu próprio Intercâmbio de Ensino. Não custa praticamente nada”.

William I. Guthrie, piloto da Eastern Airlines, com uma bolsa de vôo na mão, caminhou rapidamente, sob o sol de Miami, em direção a um DC-8 que o esperava, e, mais sério que de costume, tomou seu lugar na cabina. Enquanto procedia à verificação dos instrumentos, Gutrie sabia que aquele dia – 1º de agosto de 1970 – seria importante para ele. Era o seu 30º aniversário como piloto da Eastern, mas era também o seu Dia da Independência pessoal.
Durante 10 anos, Gutrie vinha sofrendo com a idéia de que as companhias de aviação comercial estavam poluindo a atmosfera descarregando combustível no ar desnecessariamente. Cada vez que se desligava uma turbina, o circuito de abastecimento do motor desviava combustível para uns depósitos existentes no revestimento do motor – a fim de evitar que ele continuasse a alimentar a seção do queimador. Quando o avião decolava, este combustível era automaticamente lançado no ar.
Guthrie havia mencionado aos seus superiores na Eastern que os depósitos poderiam ser facilmente esvaziados antes da decolagem. Havia também escrito cartas de protesto a funcionários do Governo. Todos lhe diziam que ele estava se preocupando com ninharias. Na realidade, um avião quadrimotor libertava pouco mais de três litros de combustível em cada decolagem. Mas o total atingia umas incríveis 6.000 toneladas de querosene lançadas anualmente só sobre os Estados Unidos.
Guthrie escolheu o seu vôo de aniversário para cuidar sozinho do problema. Antes de o seu gigantesco avião decolar da pista de Miami, ele foi descarregado. Depois, a caminho de San Juan, em Porto Rico, Guthrie enviou uma mensagem pelo rádio avisando que os depósitos teriam de ser descarregados novamente antes de ele levantar vôo para a próxima etapa rumo a Nova York. Em San Juan, o pessoal de terra fez o trabalho em quatro minutos. Guthrie pediu que os depósitos também fossem descarregados em Nova York, antes de retornar a Miami.
“Completei três viagens sem qualquer incidente”, diz ele. “Outros pilotos da Eastern começaram também a exigir que esvaziassem os seus depósitos. Dava a impressão de que a Eastern lideraria o movimento”.
Mas funcionários da Eastern deram instruções ao pessoal de terra para não esvaziar os depósitos. Quando Guthrie insistiu, foi despedido por insubordinação. O sindicato dos pilotos, considerando a demissão ilegal, ameaçou entrar em greve. A Administração Nacional para o Controle da Poluição Atmosférica, pressionada por cidadãos que aplaudiam a ação de Guthrie, ordenou às empresas de aviação que fizessem planos para suspender a descarga de combustível nas zonas dos aeroportos. A Associação de Transportes Aéreos, representando as empresas, prometeu atacar o problema, “agora que foi trazido à atenção”.
A Eastern e outras empresas aéreas americanas iniciaram uma série de testes que revelaram, ironicamente, que nem era preciso descarregar o combustível: não há qualquer inconveniente em manter o querosene no circuito de combustível. Quando todos os dados recolhidos nos testes tiverem sido compilados, as empresas de aviação poderão muito bem abandonar completamente o sistema de descarga.
A Eastern readmitiu Guthrie, pagou-lhe os salários atrasados e nomeou-o consultor da companhia para controle de resíduos. Diz um porta-voz da Eastern: “Preferimos tê-lo conosco do que contra nós. Trata-se de um individuo realmente valioso.”
Diz Guthrie: “Eu tentei ajudar.”

Um velho ônibus pára numa zona rural e dele salta uma dúzia de garotos sorridentes. Alguns empunharam ferramentas para trabalhar no meio dos pinheiros; outros entraram em estufas para plantar azáleas e outras flores em vasos ou reuniram-se a garotas que estavam preparando arranjos florais, numa sala de aula. Todos os jovens trabalhavam com dedos desajeitados ou caminhavam com passadas incertas. Quando alguns paravam de sorrir, suas faces perdiam toda a expressão. Eram todos retardados mentais. Alguns eram mongolóides.
No passado, a maioria dessas crianças retardadas ficaria em suas casas ou em instituições públicas ou privadas, mal equipadas para fazer deles adultos auto-suficientes. Mas, em 1962, Samuel L. Scheinberg, um geneticista do Departamento da Agricultura dos Estados Unidos que trabalhava na estação de pesquisas de Beltsville, em Maryland, sugeriu que os pais das crianças retardadas montassem uma escola para treina-las em trabalhos de horticultura, onde o ritmo é lento e grande a necessidade de mão-de-obra; Scheinberg e um engenheiro agrônomo de Beltsville, Bill Bailey, receberam permissão para usar 28.000 metros quadrados de uma área federal abandonada, perto da cidade de Upper Marlboro, e fundaram ali o Centro de Treinamento Hortícola de Melwood.
O centro conta hoje com 60 estagiários. Cada um dos jovens tem de andar vários quarteirões até um ponto de ônibus, o que os acostuma a serem independentes. Todos recebem “treinamento para sobrevivência” em Melwood – como ler os sinais de trânsito, fazer uma chamada telefônica ou pagar a conta num bar ou restaurante. Durante uma recente visita ao centro, pude observar os rapazes plantando em vasos algumas mudas de flores que eles haviam semeado e tratado em estufas. Em seguida, garotas numa linha de montagem embrulhavam os vasos com papel colorido e uma fita. Outras trabalhavam com flores artificiais e velas, fazendo grinaldas e centros de mesa. À medida que adquirem experiência, os estagiários começam a receber pequenos salários, com aumentos freqüentes de acordo com o desenvolvimento das capacidades. Tudo que eles produzem é vendido através de supermercados, lojas de departamentos e na própria loja de Melwood. Um estagiário, ao fazer uma venda, acionou a máquina registradora com gestos dolorosamente desastrados, mas deu o troco certo – e sorriu triunfante.
As vendas de produtos e serviços já cobrem um terço do orçamento anual de 300.000 dólares de Melwood, e o resto vem de subsídios do Governo ou donativos particulares. Mais importante que tudo, o centro de Melwood permitiu que 40 jovens ali formados – que antes mal conseguiam cuidar das suas necessidades pessoais – ocupassem cargos competitivos em hortas, floristas e serviços públicos.
Numa sala de aula vazia, deparei com um novo aluno sentado no chão ao lado de um fichário. O garoto sorriu, levantou-se e desapareceu. “Não se preocupe”, disse-me um dos assistentes. “Ele acabará conseguindo.” Como para confirmar, um garoto com longa experiência em Melwood disse, cheio de confiança: “Eu também já fui retardado.”

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