segunda-feira, novembro 13

Canivete suiço, uma mão na roda

Fonte : Revista Seleções
Data : Abril de 1981
Autor : Roul Tunley

Instrumento utilíssimo, ele é um dos campeões da entrada de divisas no seu país natal.

Numa estradinha remota, na Argentina, o automóvel do estudante de antropologia José Luis Botti ficou preso na neve. A temperatura era extremamente baixa e José sabia que sua vida corria perigo. Recorrendo ao seu canivete do exército suíço, ele cortou um galho de árvore com 15cm de diâmetro e bolou uma alavanca para fazer o carro sair dali.

O canadense David Cox passeava na sua lancha motorizada, quando se soltou o anel de aperto do eixo da hélice, e o pobre David ficou “no mato sem cachorro”, que é como quem diz no mar sem força propulsora. Utilizando seu canivete suíço, ele conseguiu fazer o conserto necessário.

Ao escalarem a face sudoeste do monte Everest, no Nepal, os montanhistas britânicos Doug Scott e Dougal Haston foram surpreendidos por uma violenta nevasca que congelou os condutores do sistema de fornecimento de oxigênio de Dougal, entupindo-os. Com seu canivete suíço, Doug quebrou o gelo, e os dois puderam continuar na escalada até o cume.

Tal como milhões de pessoas em todo o mundo já tiveram oportunidade de constatar, esse instrumento que traz a cruz suíça gravada no cabo vermelho é uma invenção de aplicações quase ilimitadas. Simples, compacto e funcional, o canivete do exército suíço cabe em qualquer bolsa ou bolso. Fabricado por duas companhias (a Victorinox, de Ibach/Schwys, e a Wenger, S. A . , de Delémont, no cantão francófono do Jura), ele é vendido no mercado com mais de 250 variações. A maioria, tem o punho de plástico vermelho; as outras partes são de aço inoxidável, resistente à corrosão. O modelo menor tem apenas duas lâminas, e não custa mais de seis francos suíços. O do tipo usado pelos pescadores tem uma lâmina própria para escamar, e a outra imanizada, para extração de anzóis. Existem igualmente modelos para caçadores, ciclistas e esquiadores.
No ônibus espacial. De toda a série, o maior e mais versátil é o Champion, equipado com 16 lâminas ou acessórios que equivalem a 24 instrumentos diferentes – lima de unhas, abridor de garrafas e descascador de fio elétrico, chave de fenda, uma pequenina serra e até mesmo uma lupa. Tudo isso, e ainda mais, num estojo de ferramentas que cabe comodamente na mão, pesa menos de 170g e custa cerca de 57 francos suíços.
Com todos esses instrumentos abertos, a navalha faz lembrar uma enorme centopéia. O certo é que ela tem sua beleza: o Museu de Arte Moderna de Nova York, tem uma na sala reservada ao design moderno.
Desde há muito um objeto de grande popularidade na Suíça, e atualmente um dos mais importantes produtos de exportação suíços, este canivete é vendido a uma média de mais de quatro milhões de unidades por ano e apreciado em mais de 90 países. O falecido presidente norte-americano Lyndon Johnson ofereceu 400 canivetes suíços, com as suas iniciais gravadas, a personalidades que visitavam a Casa Branca; e, quando o conselheiro federal helvético Pierre Aubert percorreu diversas nações africanas em janeiro de 1979, seus anfitriões também receberam como presente o famoso instrumento. “Sem o meu canivetezinho, eu me sinto como se estivesse nu”, asseverou um tenente-coronel. Um outro sujeito escreveu aos fabricantes uma carta onde desabafava: “Separar-me dele, eu? Antes, da minha mulher...”
O canivete suíço também tem a preferência dos pilotos de aviões. Quando o aparelho espião norte-americano U2, pilotado por Francis Gary Powers, foi abatido sobre a União Soviética em 1960, os russos exibiram todos os dispositivos secretos que o piloto levava, entre eles a sua faquinha vermelha. A Força Aérea da Nigéria encomendou grande quantidade de canivetes suíços com mais uma folha, recurvada. (Se todos os outros acessórios falhassem, essa folha extra servirá para cortar as cordas emaranhadas dos pára-quedas.) Os tripulantes do futuro ônibus espacial norte-americano levarão consigo um canivete desses com nove acessórios básicos, e mais uma tesoura, uma pinça, um palito de dentes, uma lima para metal e uma chave Phillips.
O maior. A história do canivete do exército suíço principiou em 1884, quando Carl Elsener, de 24 anos, regressou à sua terra, na parte central da Suíça, depois de um período de aprendizagem em Tutlingen, tradicional centro de cutelaria alemã. Com um ajudante, começou a fazer facas numa pequena fabriqueta em Ibach, povoado no cantão de Schwyz. Em 1891, as navalhas já eram de tão boa qualidade que Carl conseguiu convencer o exército suíço a compra-las, em vez dos canivetes alemães.
Não tardou que Carl Elsener tivesse a idéia de revolucionar a industria de cutelaria. Até então, todas as navalhas se abriam apenas para um dos lados do punho, tendo uma só mola que atuava sobre as duas lâminas. O jovem industrial de Schwyz inventou um canivete com seis folhas que funcionavam com apenas duas molas e se abiram para ambos os lados do punho. Carl batizou-o de “canivete dos oficiais”. O invento foi patenteado em 1897, e passou a ser conhecido no mundo inteiro como “canivete do exército suíço”. Durante certo tempo, Elsener dominou completamente o mercado; mas então, em 1912, o governo suíço, considerando que deveria haver dois fabricantes, passou a comprar igualmente os seus canivetes à Wenter, do cantão francófono de Delémont. Presentemente estas são as duas únicas firmas que tem licença para fabricar o canivete com a cruz suíça no punho. A de Carl Elsener, que usa o nome comercial de Victorinox , continua sendo a maior, com 75% da produção. Nos últimos cinco anos, esta firma tornou-se o maior fabricante mundial de canivetes de folhas múltiplas.
Cruz e águia. Desde o princípio estes objetos se venderam muito bem, até para civis, na Suíça; internacionalmente, começaram a ser conhecidos depois da Segunda Guerra Mundial, quando os soldados norte-americanos em férias na Suíça principiaram a compra-los. Daí a pouco, estavam sendo vendidos particularmente nos armazéns de artigos militares supérfluos, nos Estados Unidos.
Hoje, o exército suíço compra cerca de 80 mil anualmente, distribuindo um a cada um dos novos recrutas. O canivete faz parte do equipamento regulamentar do soldado (tal como o fuzil e a farda), e todos os anos é inspecionado.
Desde há pouco tempo, as forças militares da República Federal da Alemanha vem comprando os seus canivetes na suíça. (Claro que o modelo para o exército alemão não traz a cruz suíça no punho, mas uma águia.)
Faz muita falta. Recentemente estive em Ibach, onde Carl Elsener III, neto do fundador, me mostrou a sua moderna fábrica, que tem 650 operários. Todos os anos, num conjunto de edifícios cujas sombras se projetam sobre os rústicos chalés dos arredores, 1.200 toneladas dos melhores aços franceses, alemães e austríacos se convertem em sete milhões de facas de vários tipos, inclusive peças de cutelaria para usos especiais. Para produzir um Champion são necessárias 348 operações. Enormes prensas são alimentadas com longas bobinas de chapa de aço, e delas saem estampadas as lâminas das facas, que, em seguida, são cortadas e temperadas. Os operários encarregam-se então de afiar os gumes das lâminas e de lhes dar o polimento final. Os canivetes são montados um por um. No final da linha de montagem, 40 mulheres, com velocidade espantosa, abrem e testam cada uma das lâminas. Por incrível que pareça, nenhuma dessas operárias tem cortes nos dedos!
Os sucessores de Carl Elsener tem mantido a capacidade inventiva do fundador. Oito engenheiros dedicam-se a melhorar constantemente a qualidade dos produtos, e esse esforço é compensado: as fábricas de cutelarias de Ibach estão permanentemente tentando satisfazer a demanda dos seus produtos. Por toda parte, no estrangeiro, vem surgindo diversas imitações, mas as diferenças de qualidade são óbvias, e o canivete do exército suíço continua sem ter rival à altura. Carl Elsener III garante orgulhosamente: “Clientes da Alemanha e da Grã-Bretanha – países com tradicionais indústrias de cutelaria – hoje já exigem com freqüência canivetes com a cruz suíça.”
Antes de eu vir embora, o diretor de exportações Xaver Ehrler fez-me uma demonstração com o último modelo Champion. Umas após as outras, foi abrindo as lâminas, tesoura, escareador e o novo abridor de latas, de grande eficiência. Fez com tanto orgulho a demonstração que, enquanto ele ia abrindo e fechando as lâminas, a mim me parecia estar observando a própria Suíça e as razões por que ela é um país tão funcional.
Aquilo é realmente mais do que um simples canivete. “Por que é que ele tem tanta aceitação entre rapazes e moças, pescadores, turistas e pilotos de jatos?’, perguntei a Carl Elsener III, que anda sempre com um no bolso. Ele o apanhou, e me respondeu com um sorriso: “Pense um pouco e vai ver que não há ninguém que não sinta falta deles.”

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