quinta-feira, dezembro 7

Eu e meus Presidentes

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1971
Autor : James Lincoln Collier

As confissões de um americano consciencioso

Há dias em que parece que ninguém gosta do Presidente. Isso me perturba, pois já vivi sob oito Presidentes e nunca houve uma discussão entre nós. Tem havido ocasiões em que fico pensando se algum deles não terá cometido um enganozinho – mas em geral sempre achei que estavam tentando fazer o melhor que podiam e eu devia cooperar com eles se pudesse.
Mas nem sempre é fácil. Vejamos, por exemplo, o que John Kennedy disse: “Não pergunte o que sua pátria pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer por sua pátria.”
Muito bem, mas não houve jeito de eu conseguir pensar em algo. Sei que não me queriam de volta no exército; costumavam chamar-me Soldado Esfarrapado, e 10 anos comendo demais e cochilando numa rede não me transformaram numa máquina de lutar. Ou nos voluntários da Paz: se eu me metesse nisso, minha família teria de viver da previdência social, e isso custaria ao Presidente Kennedy mais do que eu valho.
Então me ocorreu que eu poderia realmente ajudar. O que fiz foi esperar até 15 de abril, o limite para pagar o imposto de renda, e juntar 10 dólares ao que eu devia pagar de imposto. Escrevi um bilhete: “Isto é um presente para o meu país.” Um computador respondeu que eu tinha cometido um engano e que me estava devolvendo 10 dólares. Então escrevi de novo explicando. Mas você não pode explicar a um computador o que é dar um presente, de modo que depois de mais algumas trocas de cartas eu lhe disse que fosse em frente e mandasse o dinheiro de volta. O que recebi depois foi um aviso dizendo que se eu desejasse uma devolução teria de preencher o formulário FSS-192. Desisti.
Na verdade, o primeiro Presidente que eu tentei ajudar foi Franklin Roosevelt. (Eu vivi sob os Presidentes Coolidge e Hoover, mas nos meus dias de infância pouco tínhamos a dizer um ao outro.) FDR queria que todo mundo comprasse Bônus de Guerra. É claro que eu não tinha dinheiro para isso: minha mesada era só de 10 centavos por semana e meu salário por varrer folhas e cortar grama era de 15 centavos a hora. Mas o Presidente Roosevelt havia pensado nisso: você podia comprar Selos de Guerra a 25 centavos cada um. Você os colava num livro e quando chegasse a ter 18,75 dólares trocava-os por um bônus que valeria 25 dólares em algum ano como 1952, de que ninguém ainda ouvira falar.
Agora quero que você se lembre que 25 centavos naquele tempo davam para comprar cinco sorvetes. Mas eu sabia que quando batesse meus 25 centavos no balcão do correio iria sentir-me muito bem – porque estava cooperando com o Presidente.
E assim um dia entrei no correio, entreguei o dinheiro, colei o selo em seu livrinho, e adivinhem o que aconteceu? Não me senti tão bem. Em vez disso começou a crescer no fundo do meu estômago uma sensação desagradável de desespero. E pior, com toda a minha prosa diante de meu irmão e irmã mais moços, sabia que teria de continuar, semana após semana, a comprar Selos de Guerra quando podia estar tomando sorvete. Nem uma vez me senti bem; de alguma forma o Presidente Roosevelt me desapontava, e nossas relações depois disso nunca foram as mesmas.
Foi ainda o dinheiro o responsável pelos aborrecimentos que Harry Truman e eu quase tivemos um com o outro. Caso você não se lembre, a maior parte do tempo em que o Presidente Truman esteve no governo, ele passou tentando manter o nível dos preços e salários, ao passo que quase todo mundo estava tentando alterar aquele nível. Era bastante claro que o Presidente precisava de todo o auxilio que pudesse obter, e assim decidi fazer um esforço de verdade. Na ocasião eu tinha a meu cargo a compra de alimentos para minha residência na universidade. Introduzi economia. Dividi ao meio a torta com sorvete, servindo a torta numa noite a o sorvete na seguinte, economizando uma sobremesa. Descobri que existiam coisas baratas como fígado de porco e carneiro.
Houve naturalmente resmungos de descontentamento, mas o Presidente Truman estava recebendo a mesma coisa, e não só de garotos de universidade, mas de senadores e industriais importantes, e não estava deixando que isso o abatesse. Assim resolvi insistir; o Presidente e eu marcharíamos lado a lado.
O que me liquidou foi a dobradinha frita. Eu a pus no menu como fígado, e imaginei que nunca notariam a diferença. Mas notaram. Não foi tanto a xingação o que me aborreceu, foi a maneira como eles começaram a bater com os talheres e os pratos, como uma espécie de revolta na prisão. Disseram-me que se eu quisesse conservar meu emprego tinha de me livrar da dobradinha e servir a torta com o sorvete outra vez.
Era de supor que a essa altura eu teria perdido o interesse em ajudar nossos Presidentes, mas quando Dwight D. Eisenhower tomou posse, fiz um estudo especial de seu discurso de posse para descobrir de que maneira eu poderia ser útil. Para ser franco, era difícil dizer o que ele queria que eu fizesse. “É dever inabalável de cada cidadão livre...”, disse ele, “colocar a causa de seu país acima de seu conforto e de sua conveniência.” Isso não significava muita coisa para mim. Eu sempre estivera disposto a colocar a causa de meu país acima do meu conforto... quero dizer, eu mesmo teria comido aquela tripa frita, e de fato houve uma sugestão de me obrigar a come-la – mas que causa e que conforto? Aquilo não estava claro. E assim conclui calmamente que o Presidente Eisenhower teria de se arranjar sem minha ajuda.
Tampouco tive sorte com o Presidente Johnson. Toda vez que eu elaborava um programa para ajuda-lo, descobria que ele próprio já fizera isso. Chegou a ser um tanto desencorajador, mas finalmente veio à idéia o que eu poderia fazer pelo Presidente: ajudar Lady Bird a limpar a América.
Então, num sábado de manhã, vesti minhas roupas mais velhas e saí andando pela estrada, recolhendo garrafas. Bem, eu estava ali, parado, apanhando uma garrafa de cerveja quando Charlie Frank, policial de nossa cidade, veio ao meu encontro. Ele não estava muito preocupado, disse; achava apenas que devia levar-me para casa. Foi nessa ocasião que eu decidi que Lyndon e Lady Bird iriam ter de se arranjar sem mim. Como eu digo, não tem sido fácil cooperar com meus Presidentes.
De modo que fiquei satisfeito quando Richard Nixon apareceu. Com ele ficou claro desde o principio que o que ele desejava era um pouco de paz e sossego. Ele queria que todo o mundo, falcões e pombos, árabes e israelenses, se acalmassem. Como eu disse à minha família briguenta ao jantar no dia da posse: “O Presidente está cansado de toda esta gritaria e reclamações. Vocês, crianças, tem de parar de berrar como animais torturados todas as vezes que alguém lhes diz para fazerem alguma coisa.”
“Mas estamos sendo torturados” disse Jeff, de nove anos.
“Além disso”, falou Andy, de sete anos, “o Presidente não nos pode ouvir lá de Washington.”
“Oh, pode sim”, retruquei, percebendo que minha voz estava começando a se elevar.
“Lá de Washington?”, perguntou Jeff, insolentemente.
“Silêncio!”, trovejei, “metam isso em suas cabeças estúpidas, não vamos continuar com essa gritaria.”
E com isso me afastei, com a dignidade que me foi possível.
Remoendo a cena mais tarde, vi que eu tinha agido errado. Com certeza Nixon teria manobrado para evitar uma briga tão imprópria com Tricia e Julie. Ele teria adiado a coisa toda até os gênios se acalmarem e depois reuniria todos para esclarecer tudo de maneira razoável.
E assim, na manhã seguinte, comecei a arrebanhar a família. Encontrei Jeff refestelado na cama lendo uma revista em quadrinhos. Com a voz mais animada, eu disse:
“Desça para a sala de visitas. Vamos ter uma conferência de família.”
Voltei-me então para minha mulher e dei-lhe as novidades.
“Qual é o assunto?”
“Paz e sossego. Onde está Andy?”
“Tomando banho.”
“As nove da manhã? Gostaria que você tivesse me dito isso antes. Acabei de chamar Jeff...”
“Devo mandar-lhe um memorando todas as vezes que uma das crianças toma banho?”
Jeff apareceu então, anunciando: “Estou esperando há meia hora. Se você diz que vai fazer uma coisa, deve fazer.”
“Agora ouça, filho. Não use este tom de voz comigo. Não quero nenhuma resposta atrevida de você.”
“Esperem um pouco, vocês dois”, disse minha mulher.
“Nem de você tampouco!”, gritei.
“Espere aí”, falou minha mulher depressa, sua voz se elevando como um vento ameaçador. “Tudo estava em paz por aqui até você começar a bancar o manda chuva.
Nesse momento Andy chegou patinhando e deixando uma enorme poça de água atrás de si.
“Pensei que você tinha dito ontem à noite que o Presidente Nixon queria paz e sossego por aqui.”
Soltei uma palavra da qual mais tarde me arrependi, “não muito” e sai depressa da sala. Tudo o que eu posso dizer é que desejo que o Presidente Nixon tenha mais sorte com a paz e o sossego do que eu. E pensando bem, seus filhos já são grandes e já saíram de casa, o que me parece uma grande vantagem.

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