quinta-feira, dezembro 21

Um complô de computadores

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1983
Autor : Will Stanton

Maggie, minha mulher, não gosta de computadores. Ela os considera uma ameaça à tranqüilidade do lar...por enquanto menos grave que o futebol, mas ganhando terreno. (Emprego o termo computador, embora nele eu inclua tudo o que tem um interruptor para ligar e desligar, tudo o que faz ruídos e acende.)
Há algum tempo que Maggie vinha se preocupando porque nossos filhos se empolgavam demais com o mundo da eletrônica. Eles usam computadores no colégio, ouvem fitas enquanto voltam para casa, e depois ligam os vídeo games. “Não é só dos pais que eles estão se afastando”, queixava-se. “Agora é também dos amiguinhos e dos cupinchas. Em lugar de Tampinha, Cegueta e Ferrugem, agora só dá Atari, Coleco, Activision. Detesto isto!”
“Compreendo o que você está sentindo, mas os homens sempre tiveram um interesse exagerado por tudo o que é mecânico. Somos, acima de tudo, seres racionais. Gostamos de saber como é que as coisas funcionam.”
“Racionais uma ova”, reatacou ela. “Já vi você numa loja de ferragens. Parece um menino numa casa de bichinhos de estimação. Aquelas ferramentas e bugigangas todas, dentro das caixas ou penduradas, pedindo para serem compradas”.
“Tudo bem”, respondi-lhe. “Se você está a fim de meter o pau nas máquinas, é um direito que lhe assiste; agora, você está completamente por fora em como os computadores vem sendo usados nos negócios, na segurança, na saúde e na educação. Há peritos que chegam até a prever que, não demora muito, os computadores nos colégios poderiam se encarregar da maior parte das tarefas do ensino”, disse-lhe.
“E isso é bom?’, indagou Maggie.
“Claro!”, foi minha resposta. “Desobriga os professores de uma porção de futilidades e lhes dá tempo para fazerem coisas mais importantes, como por exemplo manter a ordem, ou fiscalizar os alunos para que não gravem suas iniciais na pintura de computadores. A verdade é que os garotos e as máquinas eletrônicas possuem uma afinidade natural. Eles se dão melhor entre si do que com os professores ou os pais.”
“Sei disso”, concordou ela. “Às vezes tenho a sensação de que os adultos estão ficando meio defasados.”
“Tenha calma”, reconfortei-a . “Se tivéssemos algo a temer por parte dos computadores, as autoridades iriam confiar a eles (como o fazem) nossos segredos militares, nossas fichas médicas, nossas contas bancárias?”
“Eu preferia que você não me tivesse perguntado isso”, observou minha mulher.
“Muito bem, vamos então consultar os garotos”. Roy e Sammy acabavam de chegar de bicicleta.
“Vocês acham que as crianças estão ficando dependentes demais das máquinas?’, perguntei. “Os computadores e os robôs estão tirando o lugar das pessoas?’
“Hein?”, indagaram nossos filhos de uma só voz.
‘Tirem esses malditos fones dos ouvidos!”, ordenei. Repeti as perguntas.
Os dois opinaram que, para dizer a verdade, estávamos até atrasados em matéria de robôs computadorizados. “No Japão”, afirmou Roy, “os robôs são mais usados do que em qualquer outro lugar.”
“Os japoneses não os tratam como máquinas”, acrescentou Sammy. “Dão nomes a eles, desejam-lhes bom dia e boa noite. Raciocinam assim: seja legal com o seu robô, que ele será legal com você.”
“Quem contou isso tudo para vocês?, indagou Maggie. “Seu professor ou uma das suas máquinas?’
A maioria das informações deles provinha de filmes de ficção científica, como A ilha do Dr. Kyomoto.
“É a história de um cientista que quer conquistar o mundo”, informou-nos Roy. “Ele vive numa ilha em que não há pessoa alguma, só robôs; e fabrica uma porção de máquinas fotográficas e barbeadores elétricos com minúsculos robôs embutidos. Depois vende tudo bem baratinho, em lugares onde generais e almirantes costumam se encontrar, para estes comprarem os artigos e o cientista poder descobrir os planos secretos deles.”
Não pude deixar de sorrir. Não que os japoneses não sejam engenhosos, mas... Olhei para o meu relógio de pulso: era japonês. Incrível como eles conseguiam vender tão barato um relógio ótimo”
Roy prosseguiu: “Os robozinhos hipnotizam as pessoas que os utilizam...só esqueci é como exatamente eles fazem isso!”
“Impressões subliminares”, comentei.
Ele me olhou espantado. “Você viu o filme?”
Sorri. Por acaso tenho uma percepção bastante profunda da mentalidade oriental. “Vá em frente com a sua história”, sugeri.
“O Dr. Kyomoto está prontinho para conquistar o mundo”, continuou Roy. “Só que os robôs espiões já viram as vantagens da democracia, de modo que transmitem informações falsas. O doutor acaba sendo destruído pela sua própria bomba.”
Olhei par aMaggie. “Um filme e tanto.”
Sammy seguia com a narrativa. “Então os robôs fabricam mais robôs...”
“Está bem”, interrompeu Maggie. “Chega dessa história. Do contrário, vamos todos ter pesadelos!”
Na verdade é bastante divertido ver as coisas em que essa garotada acredita. É, mas quando se pensa a sério no assunto...
“Você sabe”, comentei depois com Maggie, enquanto nos preparávamos para dormir, “se a gente realmente quisesse instalar microfones escondidos no país inteiro, não haveria processo melhor do que vender televisores e câmaras mais baratos do que todo mundo. Veja por exemplo o nosso caso: a gente tem artigos japoneses pela casa inteira. Em 50 anos os computadores progrediram tanto quanto a humanidade em 50 mil. O Q. I. deles continua duplicando, triplicando, e o nosso ficou na mesma. Qualquer dia...”
“Tolice”, respondeu ela. “Se algum dia eles chegassem a ser mais inteligentes que nós, pararíamos de fabrica-los.”
“Se soubéssemos disso, claro que sim”, comecei, “mas eles se fariam de bobos. A essa altura é evidente que eles já estariam fabricando seus próprios robôs.”
“O que você está dizendo é que eles poderiam tomar conta do mundo a qualquer momento...no ano que vem, por exemplo?’
“No próximo ano, este ano...” Vesti o meu pijama.
Maggie deu um risinho. “É só uma questão de tempo.”
Havia outra coisa me grilando. “Nos noticiários”, observei, “você já reparou como os políticos se mexem aos trancos? Como a expressão deles parece vidrada?”
Maggie concordou, inclinando a cabeça. “É apenas uma questão de tempo.”
“Toda vez que mostram os políticos em casa”, prossegui, “nunca se vê qualquer bichinho de estimação. Um cachorro haveria de saber!”
Maggie deu um bocejo. “Vamos é tratar de dormir.”
“No último domingo”, insisti, “quando o seu irmão estava aqui, pisou no ancinho, o cabo bateu na cabeça dele: você se lembra do ruído surdo que fêz? Completamente diferente do som que faz normalmente!”
Ela havia fechado os olhos.
Cantarolei uns compassos de uma musiquinha de tema japonês, e me meti na cama. A casa estava em completo silêncio. Silenciosa até demais. Tive uma daquelas sensações malucas, que a gente às vezes tem, de que há alguma coisa escutando, na escuridão. Não era Maggie: sua respiração profunda e regular me garantia isso.
“Bem”, disse eu, “boa noite a todos.”
Maggie mexeu-se. “Que foi?’
“Estou só dando boa noite.”
“Sayonara”, respondeu minha mulher...’tchauzinho’, em japonês.

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