sexta-feira, dezembro 15

A um passo da morte

Fonte : Revista Seleções
Data : Setembro de 1983
Autor : Samuel A . Scheiner Jr.

Atirado fora do aparelho a 2.700m de altitude, o piloto conseguiu se agarrar a um cabo de nylon e lá ficou pendurado.

O dia 2 de dezembro de 1980 estava perfeito para voar: céu claro, vento fraco. Às 11:00 o piloto James F. Tobin, de 34 anos, soltou o acelerador de mão, e o U-21 do exército norte-americano, um bimotor Beechcraft, rugiu na pista e subiu aos ares. Tobin e seu co piloto Robert Pierce, de 33 anos (aviador civil empregado pelo exército) estavam transportando 270kg de armas do aeroporto de Morristown, Nova Jersey, para o campo de testes de Aberdeen, Maryland. Era um vôo de rotina de 50 minutos, mas também era o primeiro dia de Tobin no seu novo emprego, seu primeiro vôo com Pierce e a primeira missão deste nos controles de um avião de transporte U-21.
Quando Tobin inclinou o avião para cima, uma luz vermelha de alerta acendeu no painel de instrumentos. A porta de carga!, pensou ele. Olhou então para trás, por cima do ombro, para a porta do lado esquerdo do compartimento de carga. Estava fechada. Ex-capitão do exército, com 12 anos de experiência de vôo, incluindo tempo de serviço com helicópteros no Vietnam, Tobin estava acostumado a enguiços pequenos. Nivelando a 2.700m, mandou Pierce tomar os controles. “É melhor eu ir dar uma olhada”, disse Tobin. “Não quero espalhar pelos ares do norte de Jersey toda a carga do general, no meu primeiro dia...”
Tobin sabia que a maçaneta superior da porta se inclinava em certo ângulo ao ser trancada, e percebeu que ele não estava certo. Começou então a checar os pinos da tranca de ambos os lados da fechadura.
Ruch! Um vento de 350km/h abriu violentamente a porta para fora e para baixo, ficando presa só pelas dobradiças inferiores. Tobin foi sugado e deu um salto mortal no vazio. Meu Deus, eu estou voando!, pensou ele quando seu corpo repentinamente deslizou sobre a corrente de ar do avião. Quase instantaneamente a mão esquerda agarrou o cabo de nylon, nos degraus de saída da aeronave, que fica preso à porta de carga e que dobra para baixo quando ela abre. O vento frio, raivoso, girou seu corpo e atirou-o contra um gancho de metal nos degraus. A caixa toráxica de Tobin recebeu a força da pancada, mas ele continuou segurando firme.

Dentro do avião, Pierce ainda tentava se acostumar aos controles, quando ouviu um som semelhante à abertura de uma janela de carro numa estrada movimentada de alta velocidade – só que mais alto. Olhou por cima do ombro e viu um pedaço do céu onde deveria estar a porta de carga. Não avistou Tobin. Pierce também havia sido piloto de helicóptero no Vietnam e estava preparado para problemas que surgissem, mas nunca nada como isto.
Meu Deus!, pensou ele. Tobin foi-se!
Verificou tudo no painel de instrumentos, depois olhou para trás por sobre o ombro de novo. Na porta aberta do lado de fora, pode ver um pé balançando rápido para cima e para baixo, como numa dança estranha, onírica. Aquilo é o Jim do lado de fora? Não sei como, ele conseguiu se segurar! Instintivamente sua mão se dirigiu ao manche e ele reduziu à metade a velocidade do avião.

Segurando-se desesperadamente, Tobin pode sentir que o avião desacelerava. Bem. Bob está fazendo a coisa certa. Com a pressão do vento mais reduzida, Tobin reuniu todas as forças que pode e pousou os pés na fuselagem do aparelho, ficando mais firme. Com a cabeça meneando ao vento, viu seus pés deslocarem-se vagarosamente pelo lado do avião até que o pé esquerdo se enganchou no canto da ombreira da porta. Com a mão no cabo, ele agora tinha duas possibilidades de sobrevivência. Mas por quanto tempo?, perguntou-se. A esta altura, tudo depende muito de Bob.
Tobin só convivera com Pierce na véspera, mas sabia que ele tinha um bom conhecimento dos campos de pouso no norte de Nova Jersey. Isto faria alguma diferença? Os músculos de Tobin já começavam a doer. Se segura! Pode não ser ainda a sua vez.

Pierce teve de lutar contra o impulso e tentar puxar Tobin para dentro. Ele era grande (1,88m e 90 kg), e não havia jeito de Pierce conseguir levanta-lo escada acima naquele vento feroz. Além do mais, Pierce sabia que o U-21 não permaneceria firme por mais de um minuto sem a mão de alguém nos controles.
A única coisa lógica é pousar este avião o mais rápido possível, conscientizou-se. Olhando para fora da janela, ele podia ver o rosto de Tobin e parte do seu corpo, pendurados de cabeça para baixo nos degraus, retorcendo-se contra o vento gélido. Pierce comunicou-se com o Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Nova York. “Aqui exército 882”, disse ele. “Emergência. Preciso descer imediatamente.”

Às 11:15 David Schaller, de 29 anos, encontrava-se sentado em frente a uma tela de radar num enorme centro de Nova York. Nessa manhã, o tráfego aéreo estava especialmente tranqüilo. Então veio a chamada do 882.
“Claro, 882. Você quer descer quanto?’, perguntou Schaller pelo rádio.
“Aqui 882. Tenho de descer até o chão. A porta de carga abriu e há uma pessoa pendurada lá fora.”

Tobin estava se sentindo estranhamente eufórico; talvez fosse da altitude, ou então era só por ainda estar vivo. A temperatura a essa altitude andava pelos 9ºC abaixo de zero; mas, com a exceção das mãos, ele não sentia frio. Naquela manhã, como em todos os dias de inverno, ele colocara uma roupa de baixo comprida (cobrindo-lhe braços e pernas) sob o uniforme. Quer sorte, se é que tive sorte em alguma coisa hoje...
Por quanto tempo aquilo iria continuar? Em frente!, disse ele a si próprio. Quando se tem uma segunda chance na vida, não se pode desistir.

Schaller e Pierce trocaram informações pelo rádio. O piloto sugeriu pousar em Somerset, Nova Jersey, a leste. Schaller achou as possibilidades favoráveis. Ele sabia que o 882 teria de fazer uma curva para chegar lá; mas conseguiria o homem pendurado do lado de fora do avião segurar-se durante ela? Então Pierce lembrou-se de um outro aeroporto mais próximo e a oeste: “Vou para Solberg-Hunterdon. Veja se consegue uma ambulância para ficar esperando lá embaixo.”
Solberg-Hunterdon, perto de Somerville, New Jersey, é uma pista de concreto no meio do nada; ali nem há uma torre de controle.

Tobin sentiu o avião virar cautelosamente e começar a descer. Agora ficava mais difícil segurar-se. Ele não conseguia mais enganchar na porta e perna direita, porque esta e a porta inferior do corpo recebiam toda a força do vento. Pior que isso é que o braço direito ficava balançando incontrolavelmente e batia nas costas de Tobin como qualquer coisa sem vida.
Agora algo começou a encher-lhe a boca e a obstruir a garganta. De cabeça para baixo, ele sentia como se parte do seu interior estivesse forçando caminho pela boca. Tentou cuspir o que pode. Meus Deus, pensou ele, rasgou alguma coisa aí por dentro! Sem essa, Tobin. Pára de pensar isso!
Ele forçou-se a concentrar na coisa mais preciosa da sua vida: sua família; pensou nos dois filhos, Jimmy, de sete anos, e Chris, de quatro. Que será do Natal se eles perderem o pai? E Colleen. Ele não agüentava lembrar dela tentando passar o Natal sozinha.
Pensou então, naquela manhã. Havia sido uma das poucas em sua vida de casado em que ele saíra de casa com um rápido tchau à Colleen e aos meninos. Nós nem nos despedimos decentemente.

De volta ao centro de Nova York, a esta altura Schaller já havia assegurado caminho para Pierce descer.
“882, o aeroporto fica aproximadamente a 6km ao sul de vocês neste momento. Aproxime-se da maneira que quiser.”
“OK, qual é o vento?”
“Os ventos são de 150 graus a oito nós.”
Pierce confirmou que o campo estava à vista. Schaller despediu-se de um jeito que somente homens acostumados a emergências poderiam faze-lo: “OK, 882, agora se cuide...”

Quando o telefone tocou, às 11:25, no aeroporto de Solberg-Hunterdon, Suzanne Nagel, um dos três proprietários do aeroporto, estava sentada num quartinho que serve como centro de operações e sala de espera. No outro lado da linha havia um funcionário do escritório de controle aéreo. Exército 882 faria um pouso de emergência no seu campo. Soube então que alguém estava pendurado do lado de fora do avião.
Devido às limitadas facilidades de comunicações em solberg-Hunterdon, a Sra. Nagel não podia ter certeza de que o caminho estava livre para o 882. Os pilotos podiam chamá-la numa freqüência de rádio especial quando se aproximavam, mas não tinham de fazê-lo; pousar ali significava utilizar as RVV (Regras de Vôo Visual). De repente, um avião pequeno, sem ser anunciado, passou subitamente pelas suas janelas. Ela só podia esperar que ele não tivesse descido na pista do Exército 882.

Na cabina do 882, os instrumentos de Bob Pierce diziam-lhe que ele estava baixando 300m por minuto. De poucos em poucos segundos ele olhava para trás para certificar-se de que Tobin ainda se encontrava lá. Pierce não tinha meios de saber se o outro estava bem seguro. Também não poderia dizer se ele se achava ferido. Seria preciso fazer um pouso suave e lento. O avião tinha duas rodas principais debaixo da asa, logo adiante de onde Tobin estava pendurado, e uma sob o nariz.
De repente, o campo estava ali. Alinhe-se agora. Você pode fazer isso, diabos! Vindo não sei de onde, o mosquitinho de um avião cruzou o nariz do 882, dirigindo-se à mesma pista. Tudo bem, Deixa ele ir. Firme. Firme. Devagar. Pierce não iria apostar corrida naquela pista. A única corrida de que ele participava ali era contra a morte, e só muito cuidado e precaução poderiam vence-la. Baixar os flapes...marcha lenta...manche para trás.

Quando os flapes desceram, parecia uma explosão a turbulência que eles formaram, fazendo soltar o pé que Jim Tobin tinha enganchado na porta. A fumaça do motor girando na turbulência fez que ele engasgasse. Não desista agora! Enviesando os olhos, ele observava a pista. Então aconteceu o choque terrível. Meu Deus! Ele estava olhando para cima e vendo as rodas! Minha cabeça é que vai bater primeiro no chão!
Com sua última gota de força, Tobin tentou deslocar o corpo para cima. Não conseguiu. Com um esforço desesperado e final acabou inclinando a cabeça ao ângulo mais agudo que pode. As rodas tocaram a pista de concreto. Um ruído enorme, mas não houve pancada praticamente alguma. Sua cabeça passava ao largo da pista. Ele ainda estava vivo!
Então veio outro choque. Os pneus atiravam pedrinhas como balas contra seu rosto. Uma delas bateu em cheio na região de um dos olhos, estonteando-o, mas ele continuou seguro no cabo.
Por fim o avião taxiou para parar. Jim Tobin pensou que ia cair no chão, mas parecia-lhe que estava congelado, unido à escada, com a mão esquerda trancada para sempre em torno do cabo salvador. Ele não conseguiu soltar-se.

Da sua janela, Suzanne Nagel podia ver aquela figura pendurada na escada. Correu para ajudar. Quando alcançou o avião, Bob Pierce já estava nos degraus. Ela segurou firme o braço de Tobin, enquanto Pierce o agarrava pelo peito, e moveram-no cuidadosamente até o chão. Ele tremia e gemia, queixando-se do braço. Suzanne tranqüilizou-o; então ele mexeu os dedos e acabou por abrir-se num sorriso carinhoso.
“Alô, bela senhora”, foram as primeiras palavras inteligíveis que Jim Tobin pronunciou. Suzanne Nagel, pestanejando para esconder as lágrimas, respondeu: “Que bom ouvi-lo falar!” Bob Pierce ajoelhou-se atencioso, ao lado do corpo trêmulo do seu novo amigo.

Às 14:00, uma enfermeira do hospital de Sommerville telefonou a Colleen Tobin para lhe dar as primeiras notícias da escapada miraculosa da morte do marido. Seus ferimentos incluíam um braço quebrado, um olho preto, dilacerações pela cabeça e rosto devido ás pedras voadoras, cartilagem rasgada nas costelas pelas pancadas do suporte da escada. O que estava asfixiando sua garganta era apenas saliva. Ele encontrava-se bastante vivo.

Aparentemente a vida de Jim Tobin parece inalterada. Ele retornou ao trabalho, voando, assim que o braço ficou curado, mas interiormente é um homem diferente. É naturalmente uma pessoa exuberante, mas aquela experiência aguçou-lhe a apreciação da vida.
“Quando Deus não me deixou ir, tive certeza de que Ele tinha algo em mente para mim”, disse Tobin, “e agora acho que sei o que era – aprender a realmente apreciar a vida. Pequenas coisas eu costumava ter como certas, não sinto mais assim. Simplesmente acordar de manhã ou observar um dos meninos pescar um peixe é uma emoção inacreditável.”
“Eu nunca me senti desta maneira antes, e é maravilhoso.”

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