terça-feira, julho 3

Mulheres empreendedoras

Fonte : Revista Seleções
Data : Julho de 1977
Autor :Lívia de Almeida

Elas estão abrindo novos negócios e se dando muito bem

Quando trabalhava como vendedora de butique no início dos anos 80, Jacqueline De Biase soube reconhecer boa oportunidade para fazer negócios. Nascida e criada à beira da praia do Leblon, percebeu a insatisfação com os biquínis que existiam à venda. “A modelagem era pequena. As mulheres não queriam um biquíni tão cavado nem um comportado maiô de senhora. Além disso, todas se queixavam da falta de qualidade das peças”, recorda-se.
Jacqueline decidiu abrir uma confecção de roupas de praia em sociedade com o namorado. Ela estava com apenas 21 anos. “Desde os 13 anos, eu já trabalhava, por isso achei a coisa mais normal do mundo abrir o próprio negócio aos 21”, conta. Ela e o futuro marido juntaram as economias e compraram duas máquinas de costura, instaladas em uma casa de vila em Santa Tereza. Assim surgia a griffe Salinas. “Começamos do zero”, diz Jacqueline, sorrindo. “Tivemos de desmanchar um biquíni para ver como era feito: lycra, elástico e costuras.”
Depois de aprender o básico, elaboraram a primeira coleção Salinas. O dinheiro era curto e não dava para comprar lycra estampada, mais cara que a lisa. A saída foi a criatividade. Jacqueline criou um modelo com estampas apenas nas laterais. Um sucesso. Logo os biquínis Salinas eram vistos nas vitrines de badaladas lojas de moda jovem da cidade, e em pouco tempo tomaram conta dos pontos mais quentes da praia.
No início, a produção era dirigida ao atacado. A partir de 1986, a empresa começou a abrir as próprias lojas. Hoje, são cinco no Rio de Janeiro, uma franquia em Salvador e outra em São Paulo. Para dar conta dos clientes do atacado e varejo, a Salinas emprega 260 pessoas e ocupa amplo galpão no bairro de São Cristóvão, onde foram instaladas 100 máquinas de costura. De lá saem, em média, 20 mil peças por mês. Desde 1987, parte da produção é exportada para Portugal e, no ano passado, os modelos Salinas chegaram à Califórnia. Um biquíni desenhado por Jacqueline De Biasi foi parar na capa da edição especial de verão da conhecida Sports Illustrated de março.

Quase na mesma época, em 1982, a professora de piano Ivani Calarezi começou a fazer doces em casa, que servia às amigas que a visitavam para um chá. “Era bem informal. Toda tarde aparecia alguém. As pessoas sabiam que na minha casa havia sempre um docinho ou um bolo diferente”, conta. Os elogios a encorajaram a abrir despretensiosa lojinha na rua da Consolação, região dos Jardins, São Paulo. Mas Ivani queria uma loja diferente das confeitarias da cidade. E a diferença foi vender tortas a peso. “Como toda a pessoa que gosta de comer, sempre tinha vontade de experimentar um pouquinho de tudo. E em São Paulo, para faze-lo era preciso comprar o bolo inteiro”, explica.
Ivani acabava de ter a primeira filha. Durante bom tempo, trabalhou na cozinha da loja de portas fechadas, fazendo experiências. Acabou conhecendo a vizinhança que batia à porta, atraída pelo aroma dos bolos. Em junho, quando a primeira loja Amor aos Pedaços abriu para o público, logo se formou comprida fila. Sucesso imediato. Em dois anos, agora em sociedade com Silvana Marmonti, Ivani inaugurou uma loja no Itaim Bibi. Então, surgiram as de Moema e Morumbi, e ainda uma no Guarujá, e outra em Campos do Jordão. “A pequena cozinha da loja do Itaim Bibi já não estava mais dando conta da produção. Tivemos de abrir nossa primeira fábrica”, recorda. Hoje, a Amor em Pedaços fabrica 70 toneladas de bolos por mês em São Paulo, e tem unidades de produção no Rio de Janeiro e em Curitiba. São seis lojas próprias na capital paulista e 48 unidades franqueadas no interior, Rio de Janeiro e Paraná. “Eu jamais poderia imaginar que seria assim. No início, era apenas uma brincadeira sem compromisso. Não pensava em crescer”, garante.

Em todo o país, donas de casa e executivas de multinacionais estão cada vez mais partindo para os próprios empreendimentos. A última Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar do IBGE, de 1995, apurou que as mulheres já correspondem a 20% do total de empregadores. Uma fatia que representa 534.437 mulheres empregadoras em todo o país.
Por que tantas estão tomando a iniciativa? As razões são variadas, segundo Rejane Janowitzer, gerente da sede nacional do Banco da Mulher, organização não governamental que oferece crédito para micro-empresárias. “A necessidade de abrir o próprio negócio se torna premente quando o mercado de trabalho já não é capaz de absorver a mão de obra disponível. Com o desenvolvimento tecnológico, o auto-emprego surge como opção, oferecendo inclusive horários flexíveis. Em outros casos, a mulher tem emprego formal e abre um negócio para complementar a renda”, analisa Rejane.
Algumas vezes é a adversidade que lança as mulheres no mundo dos negócios. Cristina Lima de Castro tinha 17 anos quando o pai abandonou a família. A mãe, deprimida, ficou paralisada diante das dificuldades para criar cinco filhos. Cristina, a mais velha, conseguiu emprego em uma loja de pôsteres em Porto Alegre. Tentou conciliar estudo e trabalho, mas não foi capaz. Teve de trancar a matrícula na faculdade de Psicologia, já no sétimo período. “A situação familiar era complicada. Meus pais se separavam e se reconciliavam. E a cada volta minha mãe engravidava novamente”, conta. Ela tem quatro irmãos, o caçula de apenas cinco anos.
Durante uma viagem de férias, o marido e ela se apaixonaram por Vitória, Espírito Santo, e decidiram começar nova página em suas vidas. Era hora de ter o próprio negócio. “É muito mais gratificante dar o sangue pelo que é seu”, acredita. Poucos meses depois da mudança, abriu a Via Pôster, loja de pôsteres e reprodução de objetos de arte, única do gênero em Vitória. Sua experiência anterior no ramo facilitou a descoberta de fornecedores em Miami e Nova York. Depois de um ano, está satisfeita. “O negócio vai bem. A loja vive cheia e sinto-me completamente adaptada à nova cidade”, comemora.

Em Curitiba, Cristiane Canet Mocelim sofreu muito ao descobrir que não seria aceita na administração da empresa de água mineral da família, pelo simples fato de ser mulher. “Encarei aquilo como desafio. Tinha de mostrar que era competente”, conta.
Cursou Administração e começou a fazer estágio em corretoras, cuidando de carteiras de investimentos. “De repente, descobri que era o que desejava fazer pelo resto da vida”, afirma. Cristiane planejou cuidadosamente os passos. Em 1987, aos 25 anos, tornou-se a primeira mulher no Brasil a possuir uma corretora de valores. Com paciência, aprendeu a driblar as resistências do mercado financeiro, dominado pelos homens. “Profissionalismo não tem sexo”, pondera. Cristiane possui hoje a corretora e uma empresa de garantia de cheques.
Certas mulheres viram empresárias em troca de carreiras que deixaram de ser compensadoras. Vivian Cora Pinto Hirsch foi, por cinco anos, diretora de assuntos corporativos do American Express Card para a América latina. No início de 1994, tinha salário de 100 mil reais por ano. Foi quando decidiu dar uma guinada na vida e abrir uma empresa de comunicações. “Achei que já estava pronta para virar empresária. Apesar das incertezas, senti que podia subir cuidando do que era meu”, conta. Com clientes do porte de Procter & Gamble, United Distillers, Phillip Morris, entre outros, a empresa de Vivian atraiu a atenção da Edelman, uma das maiores empresas de relações públicas do mundo. A Edelman comprou, em abril deste ano, 75% das ações da empresa de Vivian. Com os 25% restantes e a posição de presidente da Edelman do Brasil, ela espera crescer ainda mais.
Encontrar o parceiro ideal é freqüentemente a chave para o sucesso da mulher no mundo dos negócios. Algumas procuram alguém mais experiente ou habilidoso; outras, um parceiro com quem dividir tarefa e preocupações.

Depois de se divorciar, Martha Locatelli deixou São Paulo com a filha, disposta a recomeçar a vida. A primeira escala foi na cidade praiana de Parati, no litoral fluminense. Lá, conheceu Maria Cermelli, que trabalhava em uma das pousadas da cidade. As duas ficaram amigas e logo imaginaram um negócio para a temporada de verão: um sushi bar. “Sabíamos que tinha tudo para dar certo: comida leve para a estação em um lugar onde há grande facilidade de se conseguir peixe fresco”, recorda. Mas não dispunham dos conhecimentos da delicada técnica da cozinha japonesa.
Maria e Martha foram ao Rio de Janeiro procurar um sushiman disposto a passar os meses de verão no litoral. Pediram ajuda a Hiro Hirahata, sushiman do renomado Madame Butterfly, em Ipanema, um dos mais badalados restaurantes da cidade. “Pedimos que sugerisse alguém. Dois dias depois, foi ele quem ligou e revelou estar disposto a se associar a nós. Jamais teríamos imaginado que isso pudesse acontecer.”
O negócio, de vento em popa, atravessou o verão. Hiro encorajou as moças a prosseguir, no Rio. O capital era pouco e deu apenas para uma loja de 30 metros quadrados, no bairro da Gávea. A escassez de espaço fez os sócios se decidirem por oferecer um serviço de entregas de comida japonesa. “Não houve nenhuma pesquisa de mercado. Foi pura necessidade”, conta Martha.
Em 1991, o Sushimar era o único serviço de entrega de comida japonesa no Rio. Com sushis e sashimis cada vez mais populares, o trio de empresários conheceu o sabor do sucesso. Os três abriram um restaurante na Barra da Tijuca e uma franquia no Recreio dos Bandeirantes. Outra franquia foi inaugurada em São Paulo. O crescimento do negócio levou Hiro a as moças a seguirem caminhos separados desde março. Ele manteve o restaurante da Barra, onde pode preparar refeições elaboradas enquanto Maria e Martha preferiram especializar-se nas entregas, e aumentar o número de franquias do sushimar. Longe de serem concorrentes, os três continuam amigos. “Hiro foi fundamental para nosso sucesso. Abriu-nos muitas portas. E ainda nos dá várias orientações”, diz Martha.
As mulheres também estão ganhando espaço no ramo de franquias, que movimenta 10 bilhões de reais por ano e emprega 180 mil brasileiros. Eliane Bernardino, ex-presidente da seção Rio de Janeiro da Associação Brasileira de Franquia e franqueadora do Mister Pizza, avalia que 25% a 30% das franquias brasileiras encontram-se nas mãos de mulheres.
As franqueadoras oferecem nomes conhecidos e anunciados em todo o país, fazem controle de qualidade e pesquisas de mercado. Esta ajuda traz diferença para as novatas. E o mais importante: apenas 3% das franquias fecham as portas antes de completar o primeiro aniversário, enquanto fora desse mercado 60% das iniciativas perecem antes desse prazo. “O risco sempre existe. Mas é consideravelmente menor”, afirma Eliane Bernardino.
Foi a segurança que persuadiu Rosa Seabra, do Rio de Janeiro, a investir economias em uma loja da rede Mister Pizza, no bairro do Jardim Botânico. O momento não podia ser mais delicado. Era a época do Plano Collor, e a fábrica de produtos de limpeza da família sucumbia às turbulências da economia brasileira. Gustavo, o marido, entrou em profundo desânimo. Com dois filhos e vivendo dificuldades financeiras, a dona de casa Rosa decidiu agir. Reuniu o dinheiro que sobrava e adquiriu a franquia. Abriu a primeira loja no Jardim Botânico há sete anos. “Pensei muito e concluí que era melhor trabalhar com franquia, que já nos oferece a garantia do nome. Muito melhor do que arriscar o capital em algo que podia não dar certo”, recorda. Em dois anos, comprou franquias em Ipanema e no Leblon.
“No início, meu marido ignorava tudo, dizia que era industrial e não queria saber de vender pizza”, conta. Aos poucos, começou a se interessar pela reforma das lojas e a participar intensamente do novo empreendimento familiar. “Abrir o próprio negócio melhorou as economias e também o marido. Isso foi o mais importante”, comemora.

Nos Estados Unidos, o presidente Bill Clinton já declarou que as empresárias estão transformando as feições da economia americana. Também no Brasil, o mundo dos negócios vem aprendendo a respeita-las. Ao aceitarem as leis de mercado e mergulhando no trabalho com disposição incansável, as brasileiras se prepararam para colher sucessos cada vez maiores. É imprevisível o que pode acontecer quando se combina determinação com inspiração.

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