quinta-feira, julho 5

Os lendários irmãos Lumière

Fonte : Revista Seleções
Data : Julho de 1997
Autor : Jean Marie Javron

Há 102 anos, inventores visionários revolucionaram nossa maneira de olhar para o mundo.

No verão de 1895, François Clerc, jardineiro do industrial Antoine Lumière, trabalhava na horta do terreno da fábrica em Monplaisir, Lion, quando avistou os três filhos do patrão, Auguste, 33 anos, Louis, 31 e Edouard, 11. Aproximavam-se com ar conspirador, carregando uma caixa esquisita, da qual se destacavam uma lente de vidro e uma manivela semelhante àquela dos moedores de café.
Sobre o gramado, Louis montou um tripé onde Auguste colocou a caixa.
“François”, pediu Louis, “por favor, pegue a mangueira e regue as flores à sua frente. Não se incomode conosco.”
Enquanto Clerc fazia o que lhe haviam pedido, um jovem aprendiz da fábrica, aproximando-se furtivamente por trás, pisou na mangueira, interrompendo o fluxo de água. Quando o jardineiro atônico, olhou para o bocal do esguicho, o garoto levantou o pé, e a água borrifou o rosto de Clerc.
Naquela manhã, com seu filme O regador regado, os irmãos Lumière tornaram-se os primeiros diretores de uma nova forma de arte – o cinema. Hoje, pouco mais de um século depois, não conseguimos sequer imaginar como seria a vida sem filmes.

“É nisso que você deveria concentrar-se”, Antoine Lumiére aconselhou Louis, certo dia de setembro de 1894, ao retornar de uma viagem a Paris.Antoine abriu, então, um grande caixote, contendo um móvel de mais de um metro de altura. Parecia uma cômoda, mas se alguém espiasse através dos binóculos no topo ficaria surpreso ao ver imagens em movimento em seu interior.
Patenteada pelo americano Thomas Edison (inventor da vitrola), a maravilhosa invenção exibia o preço astronômico de 6 mil francos (o equivalente a mais de 22 mil reais).
Antoine Lumière foi um dos poucos franceses a compreender o significado da descoberta. Nascido em 13 de março de 1840, proveniente de uma modesta família de fabricantes de carroças de Ormoy, aldeia no leste da França, Lumière, um apaixonado pelo progresso, logo se estabeleceu como fotógrafo em Lyon.
Por volta de 1880, o fotógrafo belga Désiré van Monckhoven apresentou um novo processo de revelação de fotos – chapa seca – que dispensava a necessidade de se emulsionar cada chapa com colódio úmido antes do uso. Como o preço da chapa seca era bastante alto, Antoine Lumière se dispôs a produzir uma similar em casa. Noite após noite, tentou mesclar diferentes substâncias, pesando-as na balança de cozinha da mulher – sem sucesso.
Foi o filho Louis, então com 15 anos, quem descobriu a solução. Estudava, juntamente com o irmão Auguste, em uma das melhores escolas técnicas de segundo grau de Lyon. Ambos demonstravam talento em física e química e, desde cedo, aprenderam fotografia com o pai. Durante férias na Bretanha, quando tinham 14 e 12 anos, fizeram de uma caverna seu laboratório fotográfico. Foi lá, também, que juraram permanecer unidos para o resto da vida.
Utilizando a balança, emprestada por um farmacêutico local (mais precisa), Louis suplantou van Monckhoven. Sua chapa, além de apresentar resultados melhores e mais rápidos, poderia ser produzida em escala industrial.
Antoine decidiu comercializar a descoberta do filho. Vendeu o estúdio de fotografia, pediu dinheiro emprestado e transformou em fábrica uma antiga loja de chapéus em Monplasir. Aos 17 anos, Louis foi nomeado gerente administrativo. Em 1883, a fábrica empregava dez operários. Dois anos depois, chegou a 300, produzindo, em média, 50 mil chapas por dia. Vendida em todo o mundo sob o nome “etiqueta azul”, a chapa milagrosa, produzida até 1950, logo transformou a família Lumière em uma das mais ricas da região.
Antoine Lumière, eternamente amador, logo decidiu deixar a direção da fábrica aos dois filhos. Os irmãos adoravam trabalhar juntos. Em 1893, mantendo a promessa que haviam feito na Bretanha, casaram-se com duas irmãs, com diferença de seis meses: Marguerite e Rose Winckler. Nessa época, a fábrica de Monplasir havia se expandido, ocupando 6 mil metros quadrados em oficinas e laboratórios. Em pouco tempo, os Lumière introduziram rolos de filme em cartucho, além de patentearem diversas outras invenções.
Mas era o cinestocópio que fascinava Louis. A máquina de Edison funcionava com película de celulóide perfurada, de 25 milímetros de largura, passada diante da fonte de luz por pequenas rodas dentadas. Numerosos inventores haviam aberto o caminho para Edison. Porém, quase todos os dispositivos – com nomes tão estranhos quanto Vitascope, Fregoligraph, Panoptikon, Phototachygraph ou Andersonnoscopograph – foram brinquedos dos quais o público logo se cansou. Nem mesmo a máquina de Edison era perfeita, pois o prazer de ver os personagens animados era arruinado por irritante solavanco de imagens.
Numa noite de insônia antes do natal de 1894, Louis esboçou dispositivos que desenrolariam o filme com maior suavidade. Historiadores dizem que ele teve a idéia ao ver certa máquina de costura em funcionamento. O mecanismo semelhante a uma alavanca apresentava dupla vantagem: não apenas evitava os movimentos bruscos, como também permitia que cada quadro parasse brevemente diante da lâmpada do projetor, resultando em imagens muito mais nítidas. O dispositivo é utilizado ainda hoje em câmeras e em alguns projetores.
Louis não se contentou com tal refinamento. Sua intuição lhe dizia que o futuro estava em imagens projetadas na tela - transformando, assim, o divertimento individual da máquina de Edison em verdadeiro espetáculo, a ser compartilhado em grupo.
Começou, no dia seguinte, a desenhar projetos para a nova máquina, cuja construção confiou a Charles Moisson, o supervisor dos mecânicos da fábrica. Com a ajuda de Louis e Auguste, Moisson trabalhou sem parar na elaboração de um protótipo.
Muitas semanas se passaram até que a primeira câmera ficasse pronta. Pesava cinco quilos, enquanto a máquina de Edison pesava 50. A película de 35 milímetros, perfurada, desenrolava-se à velocidade de 16 quadros por segundo, e as lentes ampliavam as imagens projetadas. Um último detalhe proporcionou aos irmãos nítida superioridade: a mesma máquina poderia ser utilizada tanto na filmagem como na projeção. Em 13 de fevereiro de 1895, foi registrada uma patente em nome de ambos.
No mês seguinte, Louis e Auguste apresentaram seu primeiro filme – A saída dos operários da fábrica Lumière. Ao final da projeção, o engenheiro Jules Carpentier imediatamente se ofereceu para produzir o cinematógrafo em escala industrial. Logo se seguiram outros filmes dos irmãos Lumière, incluindo o famoso O regador regado.

Em dezembro de 1895, Antoine Lumière encontrou-se com o mágico George Méliès, diretor do Teatro Robert Houdin, em Paris.
“Você está livre esta noite?”, perguntou Antoine.
“Estou”, respondeu Méliès, “mas por que?”
“Venha ao Grand Café às nove”, insistiu Antoine. “Vai ver algo surpreendente.”
Na hora marcada, o mágico chegou ao café, que exibia um grande cartaz: “O cinematógrafo dos irmãos Lumière – entrada: um franco”. Méliès foi até o subsolo, onde se via um lençol pendurado entre duas portas de uma pequena sala.
Cadeiras haviam sido dispostas em fileiras. Quando as luzes se apagaram, Antoine, que apresentava a invenção dos filhos, projetou uma tomada imóvel da Place des Cardeliers, em Lyon. “Foi par ver isso que viemos até aqui?”, exclamou Méliès. “Há dez anos venho projetando fotos!”
Mal acabara de falar quando a Place des Cordeliers se anmimou na tela. “Um cavalo e uma carruagem começaram a se mover”, relatou Méliès mais tarde, “seguidos de outras carruagens e pedestres. Nós, na platéia, ficamos estupefatos.”
Com apenas 33 ingressos vendidos, a primeira projeção para o público não teve grande sucesso. Mas a notícia se espalhou rapidamente e, em pouco tempo, até 2 mil ingressos eram vendidos por dia. Foram planejadas 18 sessões diárias, mas insuficientes para atender à demanda. Chamaram até a polícia para controlar a multidão. Quando projetaram A chegada do trem à estação Ciotat, expectadores tomados pelo pânico, saltavam de suas poltronas com medo de serem esmagados pela locomotiva.
Em alguns meses, Carpentier produziu mais de 200 câmeras. O cinematógrafo já havia, então atravessado as fronteiras da França. Em fevereiro de 1896, jornais de Londres exibiam manchetes louvando os irmãos Lumière. Em Nova York, em julho do mesmo ano, o operador de câmera Félix Mesguish foi carregado em triunfo pelas ruas de Manhattan, aos brados da multidão que entoava: “Três vivas aos irmãos Lumière!”
O trabalho de operador de câmera era cansativo. Não apenas filmava à luz do dia, revelando o filme na escuridão de seu quarto de hotel, para projeta-lo na mesma noite, como também pegava o trem noturno para recomeçar em outro local. Receosos do pânico, todos os operadores divulgavam um aviso antes da sessão: “Os cavalos e locomotivas não podem sair da tela!”
Mas foi na Rússia que ocorreram as cenas mais inacreditáveis. Em Nijni-Novgorod, a platéia ficou tão aterrorizada ao ver os vultos gigantescos da “Virgem Negra” e do Czar Nicolau II, cuja coroação Charles Moisson acabara de filmar, que se acreditou que o operador da máquina era Satanás em carne e osso. “Bruxaria!”, gritou um dos expectadores. Moisson quase foi linchado e, dois dias depois, membros da platéia retornaram e atearam fogo ao teatro – para exorcizar o demônio!
Em poucos meses, os operadores Lumière filmaram danças do Tirol, lutadores javaneses, as pirâmides do Egito, o banho de uma criança africana, colheitas de arroz no Japão e grande quantidade de documentários. Em 1907, a companhia se vangloriava do catálogo de 2.023 filmes.

“E então, Auguste, conseguiu finalizar algo hoje?”
“E você, Louis? Está satisfeito com seu dia de trabalho?”
Assim se saudavam os dois irmãos todas as noites, quando saíam de seus laboratórios. Desde que se casaram, viviam perto da fábrica em casas de dois andares. Eram tão unidos que, por vezes, era difícil saber quem havia inventado o que. Até mesmo suas refeições eram compartilhadas, uma semana na casa de Auguste, a semana seguinte na de Louis!
Em 1900, os Lumière decidiram tornar o cinematógrafo a principal atração da Exposição Universal, em Paris. Construíram uma tela de 21 metros de largura por 18 metros de altura, e instalaram-na em amplo teatro. Durante meses, 150 filmes foram exibidos a mais de 8 milhões de pessoas. Para os irmãos de Lyon, o século findou em um resplendor de glória!

Já em 1900, obviamente a invenção Lumière gerara dúzias de patentes para máquinas similares. “Nós semeamos, outros colherão os frutos. A vida é assim!”, filosofou Louis certa vez.
Auguste começou a demonstrar maior interesse pela medicina e biologia, enquanto Louis se dedicava à fotografia em cores. Em 1903, desenvolveu uma técnica de chapa colorida. Pouco antes de sua morte, em 1948, exclamou: “Como me diverti com essa minha vida de trabalho!”
Graças, em parte, ao espírito entusiástico, os irmãos Lumière legaram a milhões, em todo o mundo, uma das maiores fontes de educação e de entretenimento da História.

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