quarta-feira, julho 11

Paraíso desperdiçado

Fonte : Revista Seleções
Data : Julho de 1997
Autor : Dale Van Atta

Eles viviam e gastavam como se não houvesse amanhã. Agora, poderá não haver...

Há muito, muito tempo, em uma ilhazinha longe, muito longe, vivia um povo feliz. Sua ilha no Pacífico Ocidental, Nauru, tinha tudo de que precisavam: coqueiros que forneciam comida e bebida, árvores tropicais magníficas e copadas que ofereciam sombra, abundância de pássaros e um oceano cheio de peixes. Há duzentos anos, um capitão baleeiro inglês descobriu Nauru e denominou-a Pleasant Island (Ilha Agradável).
Outro século se passou antes que um pedaço de madeira petrificada, carregado de Nauru para a Austrália como lembrança, chamasse a atenção de um químico. Ela o examinou e descobriu que era bastante valioso. Foi organizada uma expedição até Nauru. Efetivamente, os nativos estavam vivendo sobre uma das mais ricas reservas de rocha fosfática do mundo. Durante a maior parte deste século, milhões de toneladas de fosfato – com qualidade jamais encontrada - foram transportadas para a Austrália e para a Nova Zelândia, onde fertilizaram campos e fazendas.
Após a independência da ilha, em 1968, as minas de fosfato foram nacionalizadas e os cidadãos da menor república do mundo passaram a figurar entre os mais ricos. Hoje, porém, esse povo, antes auto-suficiente, está aprisionado em cenário inacreditável e sinistro. O fosfato está quase acabado, assim como a maior parte do dinheiro. Foi extraído o coração de quatro quintos da ilha.
Em emocionante mea culpa, o atual presidente, Kinza Clodumar, comentou uma vez: “O que já foi um paraíso tropical se transformou em deserto inabitável e recortado de lápides de coral. Nossa triste história é um exemplo comovente para o resto do mundo sobre o que pode ocorrer quando as pessoas negligenciam a boa terra que nos sustenta.”
Há outra lição: “O declínio de Nauru está relacionado à natureza humana”, observa um diplomata ocidental. “É o que ocorre quando os incentivos são eliminados e as pessoas não precisam trabalhar.”
Doenças da riqueza.
Nauru fica entre o Havaí e a Austrália – apenas 56 quilômetros ao sul do equador e isolada de qualquer outro lugar. Com 21,2 km², é menor do que um aeroporto médio. A população inclui 7 mil nativos de Nauru e 3 mil trabalhadores de fora.
Um dos sinais de prosperidade mais evidentes é o número inacreditável de carros. Há uma única estrada que contorna a ilha, mas a família média de Nauru tem pelo menos dois veículos. Os nauruanos adquiriram, também uma coleção completa de utensílios de alta tecnologia: fornos de micro-ondas, equipamentos de som e várias televisões por família.
Apesar de ricos, muitos deles vivem em modestas casas pré-fabricadas, construídas pelo governo. Inicialmente, o programa de habitação subsidiada favorecia as famílias com muitas crianças. Hoje em dia, o número médio de filhos está entre quatro e cinco.
O sinal mais perceptível da riqueza dos nauruanos é o tamanho; não das famílias, mas de seus membros. De acordo com as estatísticas locais, nove em cada dez nauruanos são obesos, e os rapazes podem ultrapassar os 140 quilos. Por que? A dieta nativa foi substituída por alimentos importados através de subsídios estatais. A carne trazida da Austrália, a mais de 3.200 quilômetros de distância, é mais barata em Nauru do que em Melbourne. Hoje, os nauruanos importam até peixe.
A mudança na alimentação está acabando com eles. Os nauruanos tem várias “doenças da riqueza”, assim como taxas muito altas de hipertensão e cardiopatias. Apresentam o segundo maior nível de diabetes registrado no mundo – quase 30% dos habitantes acima de 25 anos, e cerca de 50% de todos os adultos com mais idade.
Dívidas ocultas.
Na raiz de todos esse infortúnios está o governo de Nauru. Durante quase três décadas, recebeu metade da receita de todas as vendas de fosfato. O quinhão do governo era abundante: ia além de 1 bilhão de dólares. Como resultado, Nauru deveria ser um dos poucos governos auto-suficientes e isentos de dívidas. Seu povo supunha que fosse assim. Mas não era. O governo incorreu em dívidas enormes e não divulgadas. O Reader’s Digest descobriu que, apenas no período entre 1991 e 1996, os déficits anuais totalizaram bem mais de 250 bilhões de dólares; foi preciso tomar empréstimos e essa dívida ainda existe.
A dissipação começou com o reverenciado “pai da independência” de Nauru, o presidente Hammer DeRoburt. Ele considerou que a nacionalização da indústria de fosfato seria uma ocasião para que os nauruanos enriquecessem.
O maior erro cometido por DeRoburt e seus assessores foi estabelecer em Nauru o programa de bem-estar social mais abrangente do mundo. Os nauruanos recebem habitação, energia, água, telefone e serviços médicos gratuitamente, ou por uma taxa simbólica. A minúscula ilha tem dois hospitais. Com freqüência, os nauruanos que precisam de um especialista são enviados para a Austrália às custas do governo.
A educação também é gratuita e, muitas vezes, o governo paga por dispendiosos estudos em faculdades privadas fora da ilha. O custo da educação superior, por aluno, é estimado em 22 mil dólares por ano – e somente 13% dos alunos completam seus estudos.
Além disso, um relatório (antes confidencial) informou que, dos 2.165 nauruanos que tem empregos, apenas 7% não trabalham para o estado. Os restantes trabalham para o governo nacional ou local, ou para a empresa estatal Nauru Phosphate Corp.
Pé de meia esmorecido.
Uma das maiores sanguessugas do orçamento do governo foi a Air Nauru. Formada dois anos após a independência, em 1980 a Air Nauru possuía quatro jatos Boeing, e comenta-se que o presidente DeRoburt os utilizava como limusines pessoais. Além disso, os nauruanos voavam de graça ou com descontos. O preço é colossal: estima-se uma perda de 250 milhões de dólares desde que a empresa aérea começou a operar.
Uma quantidade módica de bom senso foi, finalmente, aplicada à Air Nauru. Quatro de seus cinco jatos foram vendidos até 1995. No ano passado, novo gerenciamento foi estabelecido, e consultores foram contratados a custo superior a 130 mil dólares. Porém, nenhum dos 125 funcionários da Air Nauru perdeu o emprego.
Quando a receita do fosfato começou a declinar, em 1989, a sensatez teria recomendado o enxugamento não apenas da Air Nauru, mas de toda a força de trabalho de funcionários públicos. Em vez disso, Bernard Dowiyogo, presidente entre 1989 e 1994, aumentou a burocracia.
Sabendo que o fosfato poderia esgotar-se antes do próximo século, o governo de Deroburt determinou que grande porcentagem da receita fosse direcionada para a Truste de Direitos de Patente de Fosfato de Nauru. Se esse dinheiro for bem investido, pensaram os governantes, o valor principal será tão grande que os nauruanos poderão viver dos juros durante gerações.
Nas três últimas décadas, a companhia apostou em apreciável lista de investimentos: uma cervejaria nas Ilhas Salomão, 2,5km² de florestas em Portland, Oregon, com o objetivo de criar um loteamento residencial, e um edifício de escritórios com sete andares em Washington, D. C. É necessário considerar também o arranha-céu de 45 milhões de dólares que Nauru construiu em Melbourne – a Residência Nauru, com 52 andares, incluindo uma cobertura para DeRoburt e os presidentes posteriores. Os materiais de construção foram tão ordinários que a Companhia Fiduciária precisou gastar outros 40 milhões em reparos.
Estimativas não oficiais sobre o valor da companhia calculam entre 1 bilhão e 2 bilhões de dólares. Porém, com base nas cifras publicadas no ano passado. O Reader’s Digest apurou que, quando todos os fatores financeiros são considerados, pode não restar nem um centavo no pé de meia dos nauruanos.
No limite.
Quando, no ano passado, a Price Waterhouse da Austália foi chamada pelo governo de Nauru para determinar sua situação financeira, a empresa de auditoria encontrou a companhia fiduciária em condições precárias. De acordo com um funcionário de alto nível de Nauru, chegou-se à conclusão de que, em menos de uma década, a empresa perdeu mais de 1 bilhão de dólares do futuro de Nauru – do pico de aproximadamente 1,3 bilhão em ativos, há hoje apenas 300 milhões. E o que restou pode estar sujeito a gravames e outros pagamentos que, em poucos anos, levarão à falência a companhia fiduciária –e a nação.
Muitos nativos parecem não estar preocupados com o amanhã, conforme demonstraram durante uma sessão crítica do parlamento, em novembro passado. Um representante da oposição declarou: “São os governos que empobrecem as nações. Levaram este país à bancarrota!” Outro parlamentar disse a Dowiyogo: “Como Nero tocava lira enquanto Roma queimava, vocês não fizeram nada enquanto nossa ilha e nossa Companhia Fiduciária eram dilapidadas.” Observando o debate estavam 30 cidadãos de Nauru, que agiam como se estivessem em uma arquibancada, gargalhando. Para eles, era mais diversão do que um alerta legítimo.
Na desesperada busca por fosfato do governo de Nauru, há planos de demolição do histórico Palácio Estadual, residência tradicional do presidente. Um dos ditados mais antigos dos nauruanos é: “O amanhã cuidará de si mesmo”. Assim, continuam a arrasar sua ilha como se não houvesse futuro.
Nesse ritmo, não haverá.

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