terça-feira, janeiro 30

Bill Lear : Inventor do "Impossível"

Fonte : Revista Seleções
Data : Novembro de 1971
Autor : Ronald Schiller

Este gênio imprevisível tornou-se famoso criando aquilo que “não pode ser”. Breve um novo motor de automóvel com turbina a vapor que muito poderá contribuir para eliminar a poluição do ar.

Uma das primeiras coisas que milhões de pessoas fazem ao acordar é ouvir as notícias no rádio ou na televisão, com um alto-falante dinâmico e amortecedores de ruídos. Ao ir para o trabalho, provavelmente ligam o rádio em seus carros. Quando fazem uma viagem aérea, o jato está equipado com piloto automático, rádio goniômetro e, claro, rádio transmissor receptor.
O que todos esses dispositivos, além de uns 145 outros mecanismos patenteados de uso diário ( inclusive um dos mais rápidos, elegante e populares jatos particulares do mundo), tem em comum é que nasceram do cérebro fértil de um gênio excêntrico chamado William Powell Lear. E vem mais inventos por aí. Todas essas impressionantes realizações parecerão insignificantes se Bill Lear for bem sucedido no que está trabalhando agora: o primeiro motor de automóvel no mundo com turbina a vapor e que não polui o ar.
Os protótipos deste motor, instalados num chevrolet sedan e num ônibus GM, estão atualmente sendo submetidos a experiências na pista de provas do aeroporto particular de Lear, perto de Reno, em Nevada. Se o motor funcionar como seu inventor alardeia, revolucionará a indústria automobilística.
O homem por trás de tudo isso não se parece nem age como o estereótipo de Hollywood de um gênio inventivo. Tem o rosto corado, bom físico, é afável e espirituoso e parece ter muito menos do que os seus 69 anos. Homem de uma energia diabólica, trabalha de 10 a 15 horas por dia, sete dias por semana, e espera o mesmo de seus assistentes. “Nós aqui só sabemos que é domingo”, disse um dos seus engenheiros, “porque o jornal vem mais grosso.” (Por exigir tanto dos empregados, as esposas menos compreensivas desses assistentes já lhe deram o apelido de Rei Lear.)
Quando a fábrica finalmente fecha as portas, Lear às vezes parte em seu jato para uma conferência à meia-noite ou para ir a um night clube em alguma cidade distante. Ou pode passar metade da noite em telefonemas interurbanos, ora da banheira, ora do carro, ou de um telefone que leva em sua maleta de documentos.
Apesar de suas importantes contribuições à tecnologia moderna, o próprio Lear é um anacronismo da engenharia, numa era de centros de pesquisas e estudos de viabilidade feitos em computadores. Embora tenha vários títulos honorários e muitos prêmios tecnológicos, nunca passou do curso primário. “Hoje, provavelmente, não conseguiria um emprego em minha própria fábrica”, admite ele. No entanto, atribui à sua falta de instrução convencional grande parte do informalismo em que se baseia seu sucesso.
Na década de 1920, por exemplo, um professor reconhecido então como a maior autoridade mundial em eletrônica provou matematicamente que uma bobina de sintonização de rádio só podia funcionar se tivesse pelo menos 5,7 centímetros de diâmetro e fosse protegida num recipiente com 13 centímetros de largura. Essa sentença era aceita como uma lei da eletrônica. “Mas eu era tão ignorante”, conta Lear, “que nunca ouvira falar no professor nem na sua lei.” Construiu uma bobina com menos de metade do tamanho mínimo, encerrou-a num recipiente com apenas cinco centímetros de largura e o dispositivo funcionou perfeitamente; assim pode produzir os primeiros rádios suficientemente pequenos para serem encaixados em automóveis.
Praticamente, um em cada dois inventos de Lear foi lançado a despeito de advertências de que “não é possível”. Em 1962, sua afirmação de que iria construir um pequeno avião a jato particular, com a velocidade e a qualidade de um Boeing 707, foi recebida com exclamações de escárnio. Fabricantes de aviões salientaram que um projetista de aeronáutica com muita experiência precisaria de 10 anos e 100 milhões de dólares para realizar o trabalho – e Bill era um simples amador neste terreno. No entanto, o Learjet foi projetado, construído e aprovado pelo Governo americano no tempo recorde de dois anos, por apenas 10 milhões de dólares, e um ano depois tinha faturado 52 milhões de dólares em vendas.
“O velho é incrível”, comenta admirado Hugh Carson, engenheiro-chefe da Lear. “Ele diz que é ruim demais para entender equações e não sabe usar régua de cálculo, muito menos um computador. Todavia, faz cálculos mentais mais depressa do que eu com a régua, geralmente saltando diretamente para a solução final, sem se importar com as operações intermediárias.” O próprio Lear não sabe explicar seu talento. Diz que introduz os dados no cérebro e esquece o caso, e a resposta acaba vindo à tona por si mesma, às vezes enquanto dorme ou nas ocasiões mais inesperadas. Ele desenhou o intrincado circuito do primeiro piloto automático para aviões a jato num guardanapo, numa boate de Nova York. “Por acaso a idéia certa me veio naquele momento”, recorda ele.
Pode ser difícil viver om um homem que às vezes passa a noite ao telefone, mas sua vida doméstica é tranqüila, graças à sua atraente quarta esposa, Moya Lear, com quem está casado há 30 anos. Senhora de grande encanto e muito tato, 16 anos mais moça do que ele, entende perfeitamente seu senso de humor e suas crises, ambos imprevisíveis. Quando Bill volta para casa depois do trabalho, costuma ser saudado à porta por um bordado no qual se lê: “Bem vindo a casa, querido”. Mas quando Moya percebe que o marido está ficando irrequieto, vira o bordado para o outro lado, que tem a mensagem: “Cai fora!”
Criado em Chicago por sua mãe divorciada, Lear fugiu de casa aos 15 anos, casou-se pela primeira vez aos 19 e fez seu primeiro milhão de dólares em 1931, ano da depressão econômica, quando aperfeiçoou o rádio para automóveis. Tinha então 29 anos. Sua contínua busca de novos problemas difíceis em engenharia não raro o tinham deixado quase quebrado. Cada vez, porém, que se via próximo à falência, saía mais forte ainda.
Lear aposentou-se uma vez, em 1967, mas a inatividade revelou-se a única dificuldade que ele não conseguiu vencer. Desempregado pela primeira vez na vida, com 65 anos e multimilionário, ele ficou alucinado. Quebrou a perna num acidente trivial. Estava ainda engessado, da coxa aos dedos dos pés, quando rompeu a artéria junto à base do crânio. No curso da operação para restaurar a artéria rompida, ficou sem pulso durante oito segundos. Perdeu tanto sangue que foram necessárias transfusões simultâneas nos dois braços e nas duas pernas.
Enquanto se recuperava, Lear sentia-se tão inútil que pensou seriamente em suicidar-se. Levantou-se uma noite, com a intenção de tomar seu avião e mergulhar no Pacífico, mas sua esposa apanhou-o antes que ele alcançasse a porta e mandou que ele voltasse para a cama. O que o arrancou à depressão foi um bom carão de um velho amigo que lhe disse que já era hora de acabar as “férias” e voltar ao trabalho.
“Que posso fazer?”, perguntou Lear.
O amigo olhou pela janela para o “smog” de Los Angeles.
“Por que não construir um automóvel a vapor que não cause poluição?”, sugeriu o amigo.
Era o típico desafio irresistível para Lear – um mecanismo complicado de que o mundo tinha premente necessidade, que os fabricantes de automóveis de Detroit tinham declarado “impossível” de adaptar às exigências dos motoristas modernos. Comprou um aeroporto em Nevada, para servir de base, e reuniu uma equipe de 125 engenheiros, cientistas e desenhistas. Ainda de muletas, pálido, macilento e cheio de dores, pôs-se a trabalhar. Depois de fracassar várias vezes, e de ter gasto oito milhões de dólares de seu próprio bolso, chegou tão perto de por o seu motor em condições de funcionamento que, ao que se diz, um fabricante de automóveis não americano teria oferecido 25 milhões de dólares para se associar ao projeto.
Para os que tem saudades dos velhos Stanley Steamers de há 50 anos, à primeira vista o novo carro é uma decepção. Parece-se com qualquer outro Chevrolet sedan 1971. seus controles e os instrumentos do painel são todos standard, com uma única diferença: quando se liga a ignição, acende-se uma luz vermelha e é preciso esperar que ela mude para verde (no máximo 15 segundos), indicando que o motor está suficientemente aquecido, antes de por o carro em marcha.
A verdadeira surpresa vem quando se ergue o capô do motor. Assentado ali, como uma grande rosca metálica, está o gerador de vapor, ou caldeira, no qual um fluído orgânico chamado “Learium” (naturalmente) é aquecido até transformar-se em vapor. Água não serve porque congela no inverno, leva muito tempo para ferver e tem peso molecular baixo demais. O vapor, forçado através de uma bateria de minúsculos bocais, sob enorme pressão, faz girar um rotor de turbina de 15 centímetros de diâmetro a velocidades superiores a 50.000 revoluções por minuto, que fornece energia para a transmissão automática do carro. Depois que o vapor realizou sua função, é recondensado no radiador, bombeado de volta ao gerador de vapor e reaquecido, repetindo-se o ciclo.
Esse motor pesa 90 quilos menos que um motor convencional de potência equivalente e poderá, afirma Lear, ser vendido mais ou menos pelo mesmo preço. Com exceção da bomba, do ventilador de combustível e da ventoinha do condensador, a roda da turbina é a única parte móvel; os atuais motores de combustão interna possuem cerca de 200 partes móveis. Com fricção e desgaste deste modo reduzidos ao mínimo, acredita Lear que o seu motor durará 80.000 quilômetros.
Mas nesse carro a vapor o que mais empolga as pessoas preocupadas com a poluição é a emissão do cano de descarga. Motores de combustão interna são intrinsecamente “sujos”, pois queimam apenas parte da gasolina bombeada para dentro deles, jogando o resto na atmosfera, sob a forma de hidrocarbonetos não consumidos, monóxido de carbono e outras emanações nocivas.
Motores a vapor queimam o combustível externamente, consumindo-o quase por completo (praticamente qualquer espécie de combustível servirá, embora querosene seja o preferido). A poluição resultante está tão abaixo dos níveis recentemente estabelecidos como aceitáveis, que o motor Lear provavelmente satisfará os padrões ainda mais rigorosos esperados por volta do ano 2000, quando o número de automóveis em uso será duas vezes maior.
Embora ainda sejam necessários muitos meses de trabalho antes que o motor com turbina a vapor esteja pronto para ser oferecido aos céticos fabricantes de automóveis, Lear o considera apenas um motor “transitório”. Ele já está pensando na turbina de gás, que considera o próximo passo para a força automotora “limpa”. Embora este motor ainda pertença ao campo dos sonhos – e aí ficará pelo menos durante os próximos 10 anos – eu não apostaria contra ele. Só um tolo aposta contra qualquer coisa a que Bill Lear dedique sua imaginação. Já houve desses apostadores, e perderam sempre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Este artigo não está completo.
Faltam alguns parágrafos.
Lembro-me de ler o artigo no Reader's Digest.
Lembro-me de ter lido que Lear terá levado o carro com o motor à General Motors e General Electric que acharam o motor fascinante e quiseram juntar-se ao projecto para melhorar todo o conjunto de forma a poder ser comercializado.
Fizeram um contracto e um motor ficou na posse dos interessados.
Passado algum tempo disseram a Lear que o motor era inviável e que desistiam do projecto.
Indemnizaram Lear e ele não mais pode trabalhar um motor daquele tipo.
Foi mais ou menos isto.